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México abre caminho para expropriações no setor de hidrocarbonetos

Câmara aprova contrarreforma promovida pelo presidente López Obrador, acendendo os alarmes dos setores produtivos, que antecipam um duro impacto na economia

AMLO Pemex
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, em uma usina da Pemex no começo de 2020.Handout . (Reuters)
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Mexico City (Mexico), 24/03/2021.- A handout photo made available by the Mexican Presidency shows the President of Mexico Andres Manuel Lopez Obrador (R) and his Bolivian counterpart Luis Arce (L), speaking after a joint press conference, at the National Palace, in Mexico City, Mexico, 24 March 2021. The visit of the President of Bolivia, Luis Arce, to meet with his Mexican counterpart, Andres Manuel Lopez Obrador, served to bury the diplomatic crisis unleashed in 2019 after the asylum of Evo Morales and part of his government. EFE/EPA/Presidency of Mexico HANDOUT HANDOUT EDITORIAL USE ONLY/NO SALES
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Andrés Manuel López Obrador já havia dado a senha no fim de março, quando enviou a iniciativa à Câmara dos Deputados. A contrarreforma do setor de hidrocarbonetos busca facilitar a suspensão dos alvarás de exploração das empresas privadas em nome do que o presidente chama de “soberania energética”. “É imperativo o fortalecimento das empresas produtivas do Estado mexicano como garantidor da segurança”, afirma o texto aprovado nesta quarta-feira pela câmara baixa do Congresso, numa referência à estatal Petróleos Mexicanos (Pemex). A iniciativa ainda enfrentará muitos obstáculos, pois viola não só a reforma constitucional energética aprovada pela Administração anterior como também acordos comerciais com os Estados Unidos, Canadá e a União Europeia.

A reforma da Lei de Hidrocarbonetos, aprovada com os votos favoráveis de 292 deputados, além de 153 contra e 11 abstenções, abre a possibilidade de que o Governo exproprie as operações de entes privados, segundo o analista de energia Gonzalo Monroy. “Isso tem relação com uma suspensão arbitrária, indefinida”, diz Monroy. “Combinada com a possibilidade de que o Estado possa substituir [os particulares] com a empresa do Estado [ou de terceiros] nas operações, sem indenização, é algo muito ruim.” A iniciativa permitiria ao Estado alegar que, por atentar contra a segurança nacional ou energética, ou a economia nacional, as operações de empresas privadas que tiverem concessões para operar podem sofrer intervenção. Caberia então ao concessionário, segundo Monroy, demonstrar que a situação se resolveu, e enquanto isso não teria direito “a indenização nem tampouco reconhecimento de custos ou contrapartida por uso das suas instalações”.

Essas três condições ―ameaça à segurança nacional, à segurança energética ou à economia nacional― “são três conceitos que significam tudo e não significam nada”, diz Óscar Ocampo, analista e pesquisador do setor energético ligado à organização sem fins lucrativos Instituto Mexicano para a Competitividade (IMCO), “porque não há critérios sobre o que põe em risco estas coisas. Isso é o mais perigoso dessa iniciativa: que não ficam claros os critérios sob os quais a Secretaria de Energia e a Comissão Reguladora de Energia vão funcionar”.

Ocampo concorda com Monroy em apontar que nesta proposta, diferentemente da iniciativa presidencial de reforma do setor elétrico, “fala-se propriamente em uma expropriação direta”, já que o Estado teria a autoridade para impor que uma empresa produtiva do Estado possa operar em instalações privadas. “Esta reforma é um traje sob medida para beneficiar a Petróleos Mexicanos, e por isso não tem nenhum componente de melhores serviços ou melhorar preços”, observa Ocampo. Se aprovada no Senado, Ocampo espera que enfrentará vários pedidos de liminar e obstáculos legais, pois contraria acordos comerciais regionais como o Transpacífico, o T-MEC (com EUA e Canadá) e o acordo com a União Europeia.

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Em 8 de abril, a Comissão Federal de Concorrência Econômica recomendou ao Congresso que não aprovasse contrarreforma, argumentando que, “se aprovada em seus termos, o projeto legislativo que reforma e amplia a Lei de Hidrocarbonetos afetaria negativamente o processo de competição e livre concorrência na cadeia de valor dos hidrocarbonetos, petrolíferos e petroquímicos, o que poderia resultar em uma diminuição da oferta de bens e serviços na indústria, com o consequente aumento nos preços pagos por famílias e empresas mexicanas”.

O impacto na economia mexicana não seria afetado apenas em termos de concorrência, mas também pela incerteza e por confusões legais envolvendo investidores. A reforma proposta seria retroativa, explica Monroy, por isso as “empresas que podiam exportar petróleo graças à reforma aprovada na Administração anterior agora já não poderão mais fazê-lo livremente. Isto é uma violação direta dos contratos”.

O projeto de contrarreforma repete a filosofia da reforma do sistema elétrico, que ficou paralisada nos tribunais e que López Obrador sugeriu destravar através de uma reforma constitucional. O mandatário pretende enterrar a herança de seu antecessor Enrique Peña Nieto em todos os âmbitos, mas o setor energético é provavelmente a ponta de lança desse propósito. E, assim como a reforma elétrica ―que, mesmo suspensa pela Justiça, tornou-se um desincentivo para o investimento, e caso entre em vigor terá um duríssimo impacto econômico e ambiental, segundo os especialistas―, também as mudanças na Lei de Hidrocarbonetos preocupam os setores produtivos.

O IMCO destaca que a lei “afetaria o já deteriorado ambiente de investimentos que se observa no setor energético desde o início da atual Administração e especialmente a partir da recente aprovação da reforma da Lei da Indústria Elétrica, por atentar contra o Estado de direito”. A isso se soma o déficit vertiginoso acumulado pela empresa paraestatal que se beneficiaria do plano. A Pemex soma mais de 110 bilhões de dólares (622 bilhões de reais) em dívidas, e López Obrador pretende de alguma forma resgatá-la. “Com o propósito de que mantenha seu papel preponderante no setor de hidrocarbonetos, esta proposta de reforma procura afastar o setor privado que participa dessas atividades”, prossegue o IMCO em nota.

O Governo e o seu partido Morena estão decididos a aprovar a nova lei pela via expressa, como ocorreu com a reforma elétrica, de olho na eleição da nova Câmara dos Deputados, em 6 de junho. Depois da aprovação na Comissão de Energia, a discussão da lei passou em seguida ao plenário, onde a oposição manifestou sua rejeição mais absoluta à iniciativa. Os partidos PRI e PAN qualificaram a tentativa de reforma como inconstitucional. O Movimento Cidadão desmontou o argumento de López Obrador segundo o qual estas mudanças legais ajudariam a combater a corrupção, enquanto o Partido Verde, aliado do Morena no Congresso, também criticou a iniciativa, advertindo que a eliminação da concorrência também pode ter repercussões ambientais. O partido de López Obrador defendeu o projeto como uma ferramenta para combater o huachicoleo, ou tráfico ilegal de combustível.

Mas seu alcance vai muito além disso, impactando a economia mexicana ao reforçar a percepção dos investidores sobre o país e sobre o caminho trilhado por López Obrador, que em seu mandato de seis anos busca deixar uma marca no setor energético. Segundo a tese do consultor David Shields, ele quer fazer história à custa do setor elétrico e dos hidrocarbonetos: “No México, os presidentes nacionalistas que expropriaram e nacionalizaram são os grandes heróis”, comenta.

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