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Presença de Lula na Argentina tensiona as relações bilaterais com o Brasil

Governo Bolsonaro suspende presencialidade da reunião de cúpula de presidentes do Mercosul, prevista para a próxima sexta-feira, em Brasília

El expresidente de Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, el presidente de Argentina, Alberto Fernández, y su vicepresidenta, Cristina Fernández de Kirchner
Ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (à esq), ao lado da vice-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, e o presidente argentino, Alberto Fernández, posando para foto em Buenos Aires em 9 de dezembro de 2021.Estaban Collazo, Presidencia de la Nación Argentina

Luiz Inácio Lula da Silva está em Buenos Aires. Sua presença em uma grande manifestação na Praça de Maio, convocada para comemorar a volta à democracia na Argentina e o segundo aniversário do Governo de Alberto Fernández, tensionou as relações com o Brasil. A chancelaria brasileira suspendeu a presencialidade da cúpula de presidentes do Mercosul, prevista para a próxima sexta-feira em Brasília. O Itamaraty, que exerce a presidência pro tempore do bloco, integrado também por Uruguai e Paraguai, informou aos seus parceiros argentinos que todas as reuniões serão por videoconferência. Duas versões circularam pelos corredores do Palácio do Planalto, sede da presidência brasileira. A primeira, oficial, menciona questões sanitárias. A segunda, extra-oficial, é política, e tem a ver com um suposto mal-estar com Buenos Aires pelo convite feito a Lula, que no início de 2022 deve decidir se disputará a presidência contra Bolsonaro.

“Na noite de terça-feira, o Itamaraty oficializou à chancelaria argentina a decisão de realizar a cúpula virtualmente devido à nova cepa ômicron” do coronavírus, que já foi detectada em pelo menos seis pacientes brasileiros, disse uma fonte do Governo de Alberto Fernández. A mesma fonte negou que a suspensão tenha relação com a visita de Lula. “Quanto às versões, o convite feito a Lula se restringe à celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos e da recuperação democrática em nosso país, dois pilares centrais da história moderna argentina”, afirmou. Dez de dezembro é uma data cheia de simbolismo na Argentina. Há exatamente 38 anos, o presidente Raúl Alfonsín prestou juramento como presidente depois de uma ditadura sangrenta. Desde então, essa data é celebrada como a volta à democracia, coincidindo com o dia em que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quando a conjuntura justifica, os Governos argentinos celebram também seu próprio aniversário. Na noite desta sexta-feira, o de Alberto Fernández decidiu festejá-lo com toda a pompa, em clima de relançamento de sua gestão.

Por isso, esteve na Praça de Maio não só o presidente, como também sua vice, Cristina Fernández de Kirchner, e dois ex-presidentes de parceiros do Mercosul: Lula e o uruguaio José Pepe Mujica. Os partidos e movimentos sociais que apoiam a Casa Rosada prometeram “arrasar” na praça com uma exibição de força e unidade do peronismo governante. Depois da derrota nas eleições parlamentares de 12 de novembro, quando os governistas perderam o controle do Senado e mantiveram por pouco a maior minoria na Câmara de Deputados, o Governo redobrou esforços para recuperar a mística peronista. A Praça de Maio é o lugar indicado para isso.

Mas a chegada de Lula não caiu bem para o Governo Bolsonaro. O presidente brasileiro está incomodado com as repercussões das últimas viagens internacionais realizadas por quem certamente será seu principal obstáculo para a reeleição. Enquanto Bolsonaro foi ignorado pelos líderes europeus na reunião do G20 realizada em Roma em novembro, Lula foi recebido dias depois com honras de chefe de Estado pelo presidente francês, Emmanuel Macron. Durante sua viagem europeia, ex-presidente brasileiro também se reuniu com o presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, e com o então futuro chanceler da Alemanha, Olaf Scholz. Lula até discursou e foi ovacionado em uma reunião de partidos progressistas realizada no Parlamento Europeu. Enquanto ele colhia os frutos de suas reuniões com esses líderes da Europa, Bolsonaro se reunia com chefes de regimes autoritários no Oriente Médio.

Será que é possível, no entanto, que o motivo para tornar virtual a reunião de cúpula do Mercosul tenha sido a saúde? Segundo a versão oficial, Bolsonaro está preocupado com a disseminação da variante ômicron do coronavírus, e por isso decidiu evitar a circulação de delegações estrangeiras por Brasília. A dúvida surge porque o presidente brasileiro é um negacionista declarado da pandemia. Bolsonaro se opõe a medidas que restrinjam a entrada de passageiros de voos internacionais e se gaba de não estar vacinado contra a covid-19. Dias atrás, rejeitou inclusive a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que fosse exigido comprovante de vacinação completa para permitir a entrada de estrangeiros no Brasil.

A tensão atinge o Mercosul em um momento em que o Brasil e a Argentina tentavam aproximar suas posições. Em outubro, ambos concordaram com uma redução de 10% na Tarifa Externa Comum aplicada pelo Mercosul sobre as importações de fora do bloco, que hoje pagam em média 13%. Foi o primeiro sinal de distensão depois de um ano marcado por reivindicações de maior abertura comercial e ameaças de ruptura lançadas principalmente pelo Uruguai e pelo Paraguai, os dois parceiros menores do bloco. O Uruguai foi o que mais esticou a corda, com sua decisão de avançar em acordos comerciais bilaterais sem o consenso dos demais países, o que o estatuto do Mercosul proíbe. Em setembro, o Governo de Luis Lacalle Pou foi ainda mais longe e anunciou o início de negociações para fechar um Tratado de Livre Comércio com a China.

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