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Variante ômicron não deve levar o Brasil de volta ao “pesadelo” pandêmico

Cobertura vacinal e cenário epidemiológico “favorável” indicam boas perspectivas, dizem os especialistas, que sugerem cautela e alertam: o país deve acelerar a aplicação da terceira dose de vacinas contra covid-19 para evitar problemas

Um homem recebe uma dose da vacina da Pfizer contra a covid-19 numa estação de ônibus do Rio de Janeiro.
Um homem recebe uma dose da vacina da Pfizer contra a covid-19 numa estação de ônibus do Rio de Janeiro.PILAR OLIVARES (Reuters)

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À medida que se tornam públicos os resultados dos primeiros estudos sobre a variante ômicron do coronavírus, o medo do pior vai passando. As notícias sobre a eficiência dos imunizantes disponíveis contra a nova ameaça elevam o otimismo, especialmente no Brasil, onde 80% da população adulta está vacinada com duas doses contra a covid-19. Primeiramente identificada na África do Sul, onde menos de 40% dos adultos foram vacinados contra a doença, a ômicron fez os casos de infecção saltarem de 1% para 16% em novembro, mas os cientistas locais relataram casos leves, com poucos sintomas e de curta duração. “É improvável que o pesadelo que vivemos no início de 2021 se repita. Tudo indica que a ômicron causa menos casos graves do que a delta”, afirma Fabio Leal, infectologista e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (INCA), referindo-se à variante que é predominante no Brasil.

Três estudos realizados com imunizantes da Pfizer e sua parceira BioNTech e da Moderna observaram um declínio de 41 vezes nos níveis de anticorpos neutralizantes contra a ômicron, o que quer dizer que a variante “escapa um pouco” da proteção vacinal, mas os imunizantes continuam eficazes para proteger contra casos graves da covid-19 e hospitalizações. “Os anticorpos são um bom indicativo, mas não são o único”, explica a bióloga e divulgadora científica Natalia Pasternak, referindo-se a células como a B e a T, que também são estimuladas pelas vacinas e ajudam a proteger contra os efeitos do coronavírus. “Essa perda do poder de neutralização do vírus era algo absolutamente esperado, porque já vimos acontecer com outras variantes. Estamos vendo apenas um recorte, e um recorte preliminar da situação, mas não significa que vamos voltar à estaca zero”, continua a especialista.

Fabio Leal lembra que os dados epidemiológicos atuais no Brasil são “bastante favoráveis, com os melhores parâmetros desde o início da pandemia”: de acordo com os dados do Ministério da Saúde, a média nacional de casos diários está abaixo dos 10.000 e o número de óbitos, abaixo de 200 a cada 24 horas. Na cidade do Rio de Janeiro, a ocupação de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) por pacientes com covid-19 está abaixo de 1%, e o Estado de São Paulo tem menos de 1.000 pacientes internados em UTI (unidade de terapia intensiva) —trata-se da primeira vez que isso ocorre desde abril de 2020, início da pandemia no país. “Hoje temos vacinas, dificilmente vamos voltar à situação de milhares de óbitos por dia”, concorda Pasternak.

Os estudos preliminares da Pfizer, divulgados nesta quarta-feira, também demonstram que três doses de sua vacina neutralizam a variante ômicron. A imunização obtida um mês após a terceira dose é comparável àquela observada após duas doses contra a cepa original, diz a empresa fabricante da segunda vacina mais usada contra a covid-19 no país (com 33,5% das doses administradas, segundo dados do Ministério da Saúde, logo trás da Oxford/AstraZeneca, com 37,5% das doses).

Com base nesses resultados, o epidemiologista Karl Lauterbach, futuro ministro da Saúde da Alemanha, declarou ao jornal Evening Standard que a variante ômicron pode ser um “presente de Natal” e fazer com que a pandemia termine mais cedo. Segundo ele, a quantidade de mutações vistas na variante —32 apenas na proteína Spike—, pode otimizar o vírus e tornar as infecções menos graves, podendo “imunizar” a população sem causar os efeitos devastadores da variante delta, por exemplo. Quem também reagiu com otimismo aos dados preliminares foi o epidemiologista Anthony Fauci, principal conselheiro da Casa Branca em Saúde: “Embora seja muito cedo para fazer afirmações definitivas, até agora não parece que haja um grande grau de gravidade. Até agora, os sinais são um tanto animadores”, disse ele à CNN.

O microbiologista e divulgador científico Átila Iamarino ressalta que a “ômicron teve a maior queda de proteção de anticorpos por vacinas já registrada até agora em qualquer variante”, mas que essa queda “não é tão preocupante” se considerarmos a proteção de uma dose de reforço. “Os resultados apontam que quem já tomou três doses está tão protegido quanto quem tomou duas doses frente à variante delta, por exemplo. O que temos visto na população jovem da África do Sul é uma hospitalização menor do que o número de casos. Então, pode ser que pela imunidade acumulada das pessoas, apesar de a ômicron conseguir fugir dos anticorpos, ela talvez não esteja causando uma infecção tão grave quanto causaria em quem não foi vacinado”, explica.

Os especialistas ouvidos pelo EL PAÍS concordam que a situação no Brasil pode, sim, se agravar nos Estados ou regiões com pouca cobertura vacinal. A prioridade, então, segundo eles, é eliminar as discrepâncias nacionais que fazem com que São Paulo tenha 95% de sua população adulta completamente imunizada contra a covid-19, enquanto Roraima tenha apenas 45%. “Na região Norte, a variante delta já tem provocado um aumento de hospitalizações, e, onde a delta causar estrago, a ômicron pode causar ainda mais, pois é mais transmissível. Mesmo que a nova variante leve menos pessoas para o hospital, ela vai levar os pacientes de uma só vez, muito mais rápido”, ressalta Iamarino. Para evitar esse cenário, a solução, de acordo com os epidemiologistas e demais cientistas, é “correr com a terceira dose”, a dose de reforço.

“Não é motivo para pânico ou desespero, mas sim para responsabilidade. Temos condição de dar a terceira dose da vacina, quando muitos países não deram sequer a primeira. Então vamos fazer isso, usar máscara, não abrir mão da PFF2 e não aglomerar”, recomenda Natalia Pasternak. Iamarino acredita que também é importante começar a vacinar crianças com doses da Pfizer ou da Coronavac, que já são usadas para esse público em países como Chile e Colômbia. “Na África do Sul, as crianças estão sendo contaminadas com a ômicron e estão sendo hospitalizadas. Pelo menos 10% dos casos no país estão entre menores de dois anos”, diz ele.

Quanto às festas de fim de ano, um possível Carnaval e outros sonhos do verão de 2022, os especialistas recomendam cautela. “Ainda não é hora de aglomerar em festa ou barzinho para não arriscar o que já alcançamos até aqui”, opina Pasternak. Para Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a suspensão dos eventos de fim de ano independe da chegada da nova variante ao Brasil. “É mais uma questão de decisão política”, diz. “As vacinas continuam sendo capazes de proteger contra essa variante, mesmo que seja um pouco menos. O que os estudos indicam, na verdade, é que uma terceira dose aumenta a proteção contra as variantes do Sars-Cov-2, tornando-o cada vez mais um vírus que tende a ser como o da gripe, contra o qual a população se vacinará com certa periodicidade, mas sem caráter pandêmico”, conclui.

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