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América Latina, entre certificados de vacinação e a recusa das restrições pela ômicron

Alguns países da região apostam em ações que incentivem a população a se imunizar enquanto os presidentes do México e do Brasil querem evitar medidas que, segundo argumentam, restringem a liberdade

Aplicación de la vacuna contra Coronavirus Sinovac a un niño en Cuenca, Ecuador
Uma funcionária de unidade de saúde administra uma vacina da Sinovac a uma criança em Cuenca, Equador, em 23 de novembro.Getty Images

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A ameaça da ômicron já é uma realidade na América. Na semana em que foi confirmada a presença da nova e preocupante variante do coronavírus na região (já há casos comprovados no Brasil, Canadá e Estados Unidos) e enquanto países europeus consideram impor a obrigatoriedade da vacina e o Governo de Joe Biden aposta em multiplicar os esforços de imunização, a América Latina analisa a melhor forma de continuar combatendo o vírus.

Alguns países latino-americanos apostam em medidas que estimulem a população a se imunizar, como passaportes vacinais e passes de mobilidade necessários para o acesso a determinados locais fechados ou eventos em massa. Outros, como o México, continuam descartando a possibilidade de medidas drásticas, como restrições a viagens ou toques de recolher, e há o Brasil, em que Estados e órgãos oficiais tentam pôr ordem nas medidas, diante da abordagem negligente com que Jair Bolsonaro enfrenta a pandemia.

Assim está agindo a região em resposta à nova variante:

Sem restrições no México

O México mantém a abordagem heterodoxa que caracteriza sua estratégia contra a covid-19 desde o início da pandemia. O Governo de Andrés Manuel López Obrador pediu calma após o surgimento do ômicron e descartou a ideia de fechamento de fronteiras, restrições de viagens ou medidas drásticas, como toque de recolher. “Não há elementos com que se preocupar”, disse o presidente esta semana. “Não há informações sólidas sobre se essa variante é mais perigosa que as outras”, acrescentou o presidente, em declarações que foram criticadas por parte do país que considera que minimizam o risco da nova cepa do coronavírus.

A mesma flexibilidade se aplica às vacinas. “Nunca vamos tornar a vacinação obrigatória porque temos um povo que é excelente”, disse López Obrador no dia 23 de novembro sobre os debates em alguns países europeus a respeito da obrigatoriedade de a população se imunizar contra a covid-19.

Nos últimos dias, o país ultrapassou a marca de 65 milhões de pessoas com esquemas completos de vacinação, de uma população-alvo de 96 milhões, segundo o plano nacional de vacinação. O percentual de cobertura cai para pouco mais da metade se for considerada a população total: quase 129 milhões de pessoas.

Ao contrário de outros países latino-americanos, o México ainda não iniciou a aplicação de doses de reforço, embora as autoridades tenham afirmado que o farão assim que tiverem imunizado os retardatários e comunidades remotas. A regra geral para ingressar em restaurantes, academias e eventos de massa é o uso de máscaras faciais. A apresentação de certificados de vacinação é necessária, por exemplo, para viagens ao exterior em decorrência das medidas que vêm sendo adotadas nos Estados Unidos e na Europa.

A gestão da crise tem sido um terreno com dois extremos em disputa: um Governo que se gaba de sucessos e uma oposição que denuncia a crise pelo elevado número de mortes, mesmo considerando a subnotificação dos dados oficiais. “Estamos enfrentando com eficácia o grave problema da pandemia”, defendeu López Obrador. “O desastroso e negligente manejo da pandemia fez com que o número de mortes ultrapassasse meio milhão, apesar da vacinação, mas o pior é que sequer se vê o Governo se preparando para a eventual quarta onda que já atinge a Europa”, criticou Marko Cortés, líder do conservador Partido Ação Nacional, poucas horas antes de o Governo realizar um ato multitudinário pelos seus três primeiros anos no poder, na quarta-feira.

Carteiras de vacinação na Colômbia, Peru e Equador.

A Colômbia exige desde meados de novembro que todos os maiores de 18 anos apresentem a carteira de vacinação para ingressar nos locais de lazer. Medida que foi estendida a todos os maiores de 12 anos nesta terça-feira. Até agora, basta ter recebido uma única dose da vacina, mas a partir de 14 de dezembro será necessário ter a imunização completa. O objetivo, além de proteger, é estimular a vacinação. Na Colômbia, atualmente 48,1% da população recebeu ambas as doses e 72,8% pelo menos uma. Em meados de novembro, um congressista do Partido Centro Democrático, do presidente Iván Duque, apresentou um projeto de lei para exigir a vacinação obrigatória, mas a questão ainda não foi a debate.

O Peru também começará a solicitar a carteira de vacinação da população para o acesso a shopping centers e locais de entretenimento. Em princípio, deveria entrar em vigor no dia 15, mas o ministro da Saúde informou nesta quarta-feira a antecipação para o dia 10 por causa do alerta diante da disseminação da variante ômicron. A obrigação de apresentação da carteira também inclui os transportes terrestres ou de avião, mas não o transporte público urbano. No total, 55% dos peruanos já receberam as duas doses.

No Equador, o presidente anunciou na segunda-feira que será obrigatória a apresentação do certificado de vacinação para o acesso a instituições públicas, medida que não afetará o setor privado, como estabelecimentos comerciais ou restaurantes. No país, as vozes dos antivacinas não são muito ouvidas. Atualmente, 64% da população já tomou as duas doses.

Na Venezuela, que vive um momento de poucas infecções e poucas mortes por covid-19, a realidade é que nenhum tipo de comprovante é necessário para o acesso a locais de entretenimento. Apesar de o presidente Nicolás Maduro ter anunciado no final de outubro que, com o fim das restrições, seria necessário comprovar o esquema de vacinação completo, ninguém exige o documento para entrar nos restaurantes por enquanto. Na Venezuela, 35% da população recebeu ambas as doses e 58% pelo menos uma.

Brasil combate as negligências de Bolsonaro

O Governo Jair Bolsonaro continua sendo negligente e omisso diante da pandemia. Depois de boicotar a compra de vacinas e a própria campanha de imunização, o Governo do Brasil não dá sinais de que adotará qualquer tipo de certificado de vacinação em âmbito nacional ou protocolos rígidos para garantir a entrada no país apenas de estrangeiros e brasileiros imunizados, por exemplo. O presidente se recusa a ser vacinado e já declarou inúmeras vezes que seu Governo não apoiará nenhum tipo de obrigatoriedade que, segundo argumenta, afetaria a liberdade dos brasileiros.

Mesmo assim, a campanha de imunização contra a covid-19 é considerada um sucesso: mais de 74% da população tomou pelo menos a primeira dose e mais de 63% já completou o ciclo de vacinação. No Estado de São Paulo (46 milhões de habitantes), 75% da população já está totalmente vacinada e o Governo estadual está focado em aplicar as doses de reforço. Além disso, 95% dos brasileiros querem se vacinar, de acordo com os últimos levantamentos. Os números, segundo especialistas, se devem ao fato de o sistema público de saúde brasileiro ter desenvolvido nas últimas três décadas exitosas campanhas de imunização que já fazem parte do cotidiano e da cultura nacional.

Dada a omissão do Governo Bolsonaro, os Estados e municípios também criaram suas próprias normais locais para garantir que os cidadãos sejam imunizados. No Rio de Janeiro, por exemplo, é obrigatória a apresentação do passaporte vacinal para o acesso a locais públicos como cinemas, teatros, museus ou estádios. São Paulo, por sua vez, exige o certificado em eventos com mais de 500 pessoas, como shows, congressos ou partidas de futebol.

Bolsonaro tem tentado boicotar essas medidas de governadores e prefeitos —como fez com as restrições à circulação de pessoas impostas desde o início da crise sanitária. “O passaporte de imunização está na moda para alguns prefeitos. É uma forma de discriminar e separar as pessoas, temos que garantir a liberdade de quem quer e de quem não quer se vacinar”, disse o presidente em setembro em uma entrevista à CNN Brasil. Em novembro, a Secretaria Especial de Cultura do Governo Bolsonaro decretou que os eventos culturais com patrocínio governamental não poderão exigir nenhum tipo de passaporte ou certificado. Em cidades onde o comprovante é obrigatório, os eventos financiados pelo Governo federal só poderão ser virtuais.

O Governo Bolsonaro também não exige passaporte de imunização para estrangeiros ou brasileiros que chegam ao país. Para entrar no Brasil é preciso apresentar um exame RT-PCR negativo para covid-19 feito 72 horas antes do embarque ou um teste de antígeno negativo feito 24 horas antes. Os viajantes também devem preencher uma declaração de saúde informando se têm alguma suspeita de covid-19. No dia 27 de novembro, ante o alarme mundial pela variante ômicron, o Governo decidiu proibir a entrada de viajantes vindos da África do Sul, Botswana, Essuatíni, Lesoto, Namíbia e Zimbábue.

O Brasil vem registrando faz um mês uma média móvel de menos de 300 mortes diárias por covid-19, cifra suficiente para que governadores e prefeitos removam todas as restrições à circulação das pessoas. As autoridades locais também buscam eliminar o uso obrigatório de máscaras nas ruas e outros espaços abertos, como o Rio de Janeiro fez em outubro. São Paulo estudava flexibilizar o uso da proteção em 11 de dezembro, mas desistiu da ideia por causa da chegada da ômicron. O debate agora é se o país está pronto para as festas de final de ano e para o carnaval, em fevereiro.

Passe sanitário e de mobilidade na Argentina e Chile

A primeira reação da Argentina à ômicron foi o fechamento das fronteiras para passageiros vindos de países africanos. Os voos diretos desse continente ainda estão suspensos (nunca foram retomados depois da quarentena iniciada em março de 2020) e as pessoas vindas da África e que chegam após escalas em terceiros países têm que cumprir duas semanas de quarentena. Com o passar dos dias, a cepa avivou um debate que estava adormecido na Argentina. As autoridades de saúde anunciaram esta semana que estão estudando a criação de um “passe sanitário” que será concedido a todos que receberam as duas doses da vacina contra a covid-19. Após alguns curtos-circuitos com as províncias, ficou acertado que o passe só será necessário para a participação em grandes eventos, sejam em ambientes fechados ou ao ar livre, e não será obrigatório para se deslocar, por exemplo, em transportes públicos ou para ir ao trabalho.

A intenção do passe é promover a vacinação em 20% da população que ainda não recebeu nenhuma dose, não por falta de frascos, mas por questões ideológicas. O movimento antivacina não é visível na Argentina, mas as dificuldades enfrentadas pelas autoridades para superar a barreira de 80% dos imunizados com pelo menos uma dose deixaram claro que há relutância, embora oculta.

As discussões políticas sobre a melhor estratégia para lidar com a covid-19 se reduziram depois do fim da campanha para as eleições de meio de mandato, realizada em 14 de novembro. O debate sempre girou em torno de uma maior ou menor abertura da economia e, sobretudo, das aulas presenciais nas escolas. Enquanto o Governo defendia os fechamentos para evitar o colapso da saúde, a oposição ficava do lado daqueles que queriam retomar a vida normal o mais rápido possível. A cepa ômicron encontra agora a Casa Rosada ao lado dos favoráveis à abertura. A gravidade da crise econômica e a derrota eleitoral nas eleições legislativas deixaram o partido no poder com pouca margem para exigir esforços extraordinários da população.

O passe sanitário, de fato, foi desenhado com muito cuidado, limitado apenas às atividades de massa. Ao contrário do Chile, que já conta com um passe de mobilidade há meses sem resistência alguma da população. Os chilenos que já tomaram as duas doses têm uma licença digital que é uma condição para entrar em locais fechados como restaurantes ou cinemas. Com a chegada da ômicron, o Governo chileno também decidiu endurecer sua política de fronteiras: proibiu a entrada de passageiros vindos da África e suspendeu a abertura programada de cruzamentos terrestres que havia acertado com Argentina, Chile e Bolívia.

O Chile é o país da região com a maior proporção de vacinados com duas doses (mais de 80%, contra 66% na Argentina, por exemplo). As autoridades de saúde já anunciaram que a partir de 1º de janeiro será obrigatório ter uma terceira dose de reforço para renovar o passe de mobilidade. Todo estrangeiro que chega ao país é obrigado a obter esse passe, após a validação das vacinas que tiver tomado em seu país de origem. A única coisa com que os chilenos parecem estar todos de acordo é com a necessidade de aplicar restrições em face da pandemia. Não é pouca coisa. O país está mergulhado em uma campanha eleitoral polarizada entre a extrema direita e a esquerda para eleger um novo presidente no dia 19 de dezembro. As discussões entre os candidatos esmiúçam o modelo do país, sem que a estratégia de saúde faça parte da disputa.

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