Gabriel Boric, candidato da Frente Ampla de esquerda, lidera primeira pesquisa para o segundo turno no Chile
A três semanas da votação decisiva, Boric supera o ultradireitista José Antonio Kast, que somou mais votos no primeiro turno.
A vantagem inicial que o ultradireitista José Antonio Kast projetou após obter mais votos no primeiro turno da eleição presidencial chilena se diluiu em questão de dias, segundo as primeiras pesquisas divulgadas no país. Em 21 de novembro, Kast superou por dois pontos o candidato Gabriel Boric, da Frente Ampla de esquerda em aliança com o Partido Comunista. Somou 27,91% dos votos contra 25,83% do adversário. Naquela mesma noite conseguiu instalar um discurso aglutinante, que rapidamente reuniu ao seu redor todos os partidos da direita governista. Mas, uma semana depois da votação inicial, e a três do turno decisivo, os levantamentos divulgados neste fim de semana pelas empresas Black and White, Pulso Ciudadano e Cadem, mostram Boric à frente, com uma vantagem de 3 a 16 pontos percentuais sobre seu rival.
Trata-se de um segundo turno excepcional para o Chile. Desde 1999, as disputas presidenciais sempre acabaram sendo decididas desta forma, com a diferença que os protagonistas eram invariavelmente setores moderados da esquerda e da direita. Na atual disputa, nenhum dos candidatos superou 28% dos votos, algo inédito no país, e por isso eles precisam conquistar amplos setores do eleitorado para chegar a 50%. Não se descarta que, pela primeira vez, ocorra uma reversão de resultados, ou seja, que o segundo candidato mais votado no primeiro turno acabe eleito presidente em 19 de dezembro.
Tanto Kast como Boric procuram moderar seu discurso e seu programa de Governo, sobretudo porque a nova configuração do Congresso, a partir de março de 2022, não possibilitará a nenhum setor político passar o rolo-compressor, como já acontece atualmente, quando o conservador Sebastián Piñera governa em minoria legislativa. Nestes dias de campanha, há certo consenso de que os resultados do primeiro turno já alteraram o cenário político chileno, e que nenhum dos candidatos pode se manter nas pontas do espectro.
Boric enfrentou evidentes tensões internas desde 21 de novembro, sobretudo com o Partido Comunista, seu principal aliado para chegar ao La Moneda. O prefeito de Santiago, Daniel Jadue, derrotado por Boric nas primárias presidenciais de julho, insultou os 12,8% de eleitores que optaram pelo populista Franco Parisi, o candidato radicado nos EUA, que ficou em terceiro lugar sem ter pisado no Chile. O dirigente comunista os qualificou de “tremendamente individualistas”. “A única coisa que procuram é mais grana no bolso”, afirmou Jadue sobre os eleitores de Parisi, um eleitorado que Boric precisa conquistar para chegar ao Executivo. Guillermo Teillier, o líder dos comunistas, pôs mais lenha na fogueira ao dizer que não havia tempo para discutir um novo programa de Governo, fechando a porta a modificações que se tornam indispensáveis para conquistar os moderados. Foi desmentido pelo próprio Boric.
O fato é que os resultados do primeiro turno obrigaram o candidato a procurar apoios em outros setores do progressismo para conseguir uma maioria, o que inevitavelmente levou o Partido Comunista a ocupar um lugar menos visível nesta nova etapa e, possivelmente, em um eventual novo Governo. Boric arregimentou importantes economistas de centro-esquerda para assessorar no seu programa –Andrea Repetto e Eduardo Engel, entre outros– e procurou apoio nos setores que alguma vez compuseram a extinta Concertação, que governou o Chile entre 1990 e 2010. Em um dos tantos paradoxos da política chilena, foram dirigentes e partidos deste setor que acolheram Boric nesta etapa, apesar de a Frente Ampla de esquerda ter se instalado no tabuleiro justamente com o objetivo de substituir a geração que liderou a transição.
O Partido Socialista o respaldou na mesma noite da eleição. Ricardo Lagos, que presidiu o Chile entre 2000 e 2006, apoiou Boric imediatamente, embora seja ele próprio um dos alvos favoritos da nova geração de esquerda, que o acusa de políticas neoliberais. A fundação que Michelle Bachelet mantém no Chile, chamada Horizonte Cidadão, anunciou sua aposta em Boric, o que a própria alta-comissária de Direitos Humanos da ONU poderia manifestar em sua próxima visita a seu país. A foto de Boric numa reunião privada com a presidenta da Democracia Cristã, Carmen Frei, na semana passada, foi a antecipação do que ocorreu na direção nacional dessa tradicional agremiação, que no domingo decidiu respaldá-lo “sem condições”, embora o partido pretenda se manter na oposição em caso de vitória do deputado. “Hoje sei que a arrogância geracional é má conselheira, que não há virtude por si só na juventude”, escreveu Boric em uma carta aos democratas-cristãos, mirando um dos eixos da nova geração de esquerda, criticada por seu sectarismo. Boric também atraiu com grande repercussão figuras populares, como Izkia Siches, colega de geração do candidato e muito bem avaliada pela população por sua atuação durante a pandemia como então presidenta do conselho nacional de medicina.
Kast contra-atacou apresentando um dos rostos mais bem posicionados do atual Governo, Paula Daza, que foi subsecretária nacional de Saúde durante toda a crise sanitária, até deixar o cago recentemente. Mas, assim como Boric precisou rever posicionamentos nas questões relativas à ordem pública, em que Kast tem ampla vantagem sobre ele, o candidato direitista também enfrentou fortes recriminações no âmbito das liberdades individuais. Na semana passada, um dos deputados eleitos pelo Partido Republicano, Johannes Kaiser, teve que deixar o partido depois das ampla repercussão de comentários misóginos e xenófobos feitos por ele.
“O que acontece é que você tem uma espécie de esquizofrenia: as mulheres deixam de ir ao parque correr porque têm medo de imigrantes que as podem estuprar, mas continuam votando nos mesmos partidos que trazem essa gente, e você realmente se pergunta se o direito ao voto foi uma boa ideia”, disse Kaiser em um vídeo de 2017, que ao circular agora provocou o imediato rechaço do candidato Kast, que precisa conquistar setores moderados.
Apesar da incorporação de figuras populares da direita, como Daza, e de economistas ligados à centro-direita –Sebastián Claro e Sylvia Eyzaguirre, entre eles–, o candidato do Partido Republicano não recebeu o apoio direto do rival que ficou em quarto lugar, o governista Sebastián Sichel. O advogado, que obteve 12,78% dos votos, disse que não vai votar em Boric, sem deixar em claro que vai marcar o nome de Kast na cédula.
Enquanto isso, Kast iniciou nesta segunda-feira uma viagem de 24 horas aos Estados Unidos, onde deveria se reunir com empresários e políticos. Tenta assim aplacar no exterior sua fama de radical de direita, além de passar internamente sinais relativos à ordem pública, responsabilidade fiscal e promoção de investimentos, num contraponto a Boric. Um dos compromissos dele consiste em uma reunião com o senador republicano Marco Rubio.
Apesar do que indicam as primeiras pesquisas desta nova etapa da disputa ao La Moneda, ainda faltam quase três semanas para o segundo turno, e se trata de uma eleição altamente competitiva, que pode ser definida por margens estreitas, sobretudo considerando a alta volatilidade do eleitorado. Novamente, a cifra de participação será decisiva, num país com uma abstenção estrutural. No primeiro turno, apenas 47% do eleitorado participou.
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