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Variante delta do coronavírus se impõe no mundo e faz vários países recuarem de flexibilizações

Estudos apontam que mutação é 60% mais contagiosa e que a carga viral dos infectados é até 1.260 vezes maior do que nos afetados com variantes anteriores do vírus causador da covid-19

Variante delta coronavirus
Uma pessoa passa por um exame de covid-19 em Nova York, nos EUA, na última semana.JUSTIN LANE (EFE)
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25 July 2021, Brazil, Rio de Janeiro: People crowd on Ipanema beach in Rio de Janeiro amidst the Coronavirus pandemic. Photo: Jose Lucena/TheNEWS2 via ZUMA Press Wire/dpa
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25/07/2021 ONLY FOR USE IN SPAIN
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Pedestrians some wearing face masks, walk in the summer sunshine in central London on July 26, 2021. - For the first time in the latest wave of coronavirus covid-19 infections, the weekly number of cases has fallen. (Photo by Tolga Akmen / AFP)
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A variante delta do coronavírus foi descoberta em outubro de 2020 na Índia. Desde então, espalhou-se para uma centena de países, fazendo com que muitos tivessem de recuar na flexibilização das medidas de enfrentamento da pandemia. Ainda pouco predominante no Brasil ―que tinha confirmados 247 casos provocados por esta cepa até a sexta-feira, 30 de julho―, a delta é hoje responsável por cerca de 68% dos casos de covid-19 na Espanha, segundo o relatório do Ministério da Saúde espanhol. A explosão dessa variante ocorreu porque, pelo que apontam os estudos publicados até agora, ela é até 60% mais contagiosa. Na sexta-feira, foi divulgado um documento interno do Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês), órgão que baliza as políticas de saúde norte-americanas, que aponta que a delta é mais contagiosa do que o vírus causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), o ebola, o resfriado comum, a gripe sazonal e a varíola, e é tão transmissível quanto a catapora. Outro estudo, ainda não revisado por outros especialistas, indica que o nível de carga viral dos infectados com a variante delta, até 1.260 vezes maior, pode ser o fator-chave para sua alta transmissibilidade. Embora não seja o único.

A pesquisa foi realizada pelo Centro para o Controle e Prevenção de Doenças de Guangdong, na China. Nessa cidade, o primeiro caso da variante delta foi detectado em 21 de maio de 2021. Até 18 de junho, foram registrados 167 casos. Durante as quarentenas dos contatos próximos, os pesquisadores realizaram testes PCR diariamente e anotaram a quantidade de carga viral de cada infectado no primeiro dia em que o exame deu positivo. Depois, compararam esses números com os de 63 pessoas infectadas em 2020 com a cepa original do novo coronavírus. O grupo contagiado com a variante delta apresentou uma carga viral até 1.260 vezes maior que a daqueles que adoeceram com a primeira versão do vírus causador da covid-19.

Essa maior carga viral pode estar associada com uma maior frequência de eventos de supercontágio, como sugere Juan Bárcena, virologista e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Agrária da Espanha: “Com essa cepa, que tem cargas mais altas no início, é mais fácil que se produzam os eventos supercontagiantes”, explicou. Nestes casos, uma única pessoa infectada pode contagiar 10 ou mais de seus contatos. No início do ano, um surto provocado por um paciente supercontagiador isolou todo um edifício residencial em Bilbao, no norte da Espanha. Mais de 30 pessoas foram infectadas por meio dos elevadores do prédio e de um sistema de ventilação antigo. Cinco delas morreram.

O acompanhamento dos casos durante o estudo também permitiu perceber que o intervalo entre a exposição à variante delta do vírus e sua detecção é, em média, de quatro dias, contra seis dias no caso da cepa original. Assim, segundo o relatório, o Governo da província começou a pedir, em 6 de junho, um teste negativo para covid-19 relativo às últimas 72 horas. Apenas um dia depois, reduziu esse período para 48 horas. Durante o surto de 2020, o prazo era de sete dias. Esse menor período de incubação da variante delta obriga os sistemas de rastreamento a agir com maior velocidade, algo que nem sempre é possível devido à carga de trabalho.

O estudo também aponta para a possibilidade de que a variante delta seja mais infecciosa nos primeiros dias de contágio, antes mesmo de apresentar sintomas. O problema é que é difícil medir a infecciosidade por meio de pesquisas clínicas, “já que mais de 50% da transmissão ocorre durante a fase pré-sintomática”, diz o documento. Saber desde que momento uma pessoa infectada pode contagiar outra é fundamental para localizar contatos próximos, impor quarentenas ou outras medidas e interromper a cadeia de transmissão.

Mutações

Além disso, segundo um artigo publicado quarta-feira na revista Nature, a variante delta tem diferentes e numerosas mutações, embora haja três específicas desta cepa que facilitam sua ligação com os receptores das células. Dessa forma, o contágio seria mais rápido e permitiria ao vírus escapar parcialmente do sistema imunológico. Outro estudo, publicado na mesma revista em 8 de julho, apontou que, embora duas doses das vacinas da Pfizer ou AstraZeneca sejam capazes de bloquear a nova cepa, o nível de proteção que oferecem contra ela é um pouco menor do que contra outras mutações. Tanto a Pfizer como a BioNTech anunciaram no início de julho que haviam atualizado sua vacina para torná-la mais eficaz contra a variante delta e que iniciariam os ensaios clínicos em agosto.

O virologista espanhol Juan Bárcena acredita que, embora o estudo tenha sido feito com uma amostragem pequena, os números são válidos: “Estamos fazendo a pesquisa virológica em tempo real. Para poder falar disso, seria melhor contar com um trabalho acumulado de cinco anos, com pessoas de muitos países, mas estamos fazendo as coisas assim. A força desse trabalho é que [seus autores] acompanharam o caso desde antes de dar positivo. Acho que é um trabalho concreto e rápido, muito bem planejado e com conclusões muito claras.”

A também virologista Inmaculada Casas, secretária da Sociedade Espanhola de Virologia, pondera que embora sejam úteis, estes estudos mais recentes não se comparam a estudos populacionais de longo prazo e larga escala. “Particularmente, esses estudos me parecem muito úteis, mas é preciso saber avaliá-los”, insiste. “É preciso ver esses dados pelo prisma do estudo: um surto muito caracterizado e com todos os seus contatos detectados. Em nível populacional, isso é muito difícil de fazer. Por isso, os dados numéricos analisados no estudo de um surto muitas vezes não coincidem em relação à população”, diz.

A pesquisadora Nuria Izquierdo-Useros chefia o grupo de patógenos emergentes do instituto espanhol de pesquisa de AIDS IrsiCaixa e, embora desconfie da precisão dos números levantados pela pesquisa, diz que confia nos resultados gerais. “Há algo que é inegável: a variante delta está se impondo em escala mundial. Isso ocorre porque ela tem de ter alguma vantagem”, comenta sobre o estudo ―ainda não revisado por outros cientistas, passo prévio à publicação dos resultados e requisito indispensável para a validação do trabalho. “Esses dados devem ser vistos com muita cautela, porque essas quantificações foram feitas comparando populações na China, mas não dizem muito bem quais são as características clínicas dessas pessoas. E, dependendo dessas características clínicas, a carga viral pode mudar”, alerta. A cientista defende que o estudo seja repetido com uma amostra maior, de diferentes países, para poder confirmar os resultados e saber definitivamente por que a variante delta é tão contagiosa.

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