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Os youtubers de ciência que o Brasil escuta em tempos de coronavírus

Milhões de pessoas acompanham os vídeos em que o microbiologistaAtila Iamarino e o médico Drauzio Varella analisam a pandemia, dão conselhos e desmentem notícias falsas

Naiara Galarraga Gortázar
O médico Drauzio Varella e o microbiologista Iamarino, 'youtubers' brasileiros.
O médico Drauzio Varella e o microbiologista Iamarino, 'youtubers' brasileiros.

A crise do coronavírus fez surgir uma nova estrela no concorrido universo youtuber do Brasil. Atila Iamarino, microbiologista de 35 anos, formado na Universidade de São Paulo e com pós-doutorado em Yale, é uma das vozes que os brasileiros ouvem para tentar entender a pandemia e o que está por vir nestes tempos tão incertos. Informar e orientar de maneira rigorosa nas redes sociais é um desafio ainda maior quando o presidente da República, Jair Bolsonaro, insiste em minimizar a ameaça à saúde e em promover um medicamento que não conta com o aval inquestionável da comunidade científica. Mas esse biólogo não está sozinho. Compartilha a missão com um médico veterano, Drauzio Varella, 77 anos, também youtuber. Sempre baseados em evidências científicas, eles são um poderoso contraponto a Bolsonaro.

Iamarino, especializado em virologia, aborda a Covid-19 de maneira precisa e afável, sob diferentes ângulos. Explica por que não haverá uma vacina em breve, esmiúça as últimas projeções sobre pessoas contagiadas feitas por outros cientistas de todo o mundo ou analisa as mil variáveis ​​na contagem do número de mortos. As cifras da audiência de seus vídeos são impressionantes. O mais recente, sobre os sintomas da doença, teve 43.300 visualizações nos primeiros 48 minutos; a live de dois dias antes sobre o avanço do vírus no mundo, um milhão. O esforço de divulgação de Iamarino nasceu “como um serviço público”, como “uma maneira de devolver ao público em geral o investimento público em ciência, incluindo minha formação”, declara a este jornal. O biólogo já fazia divulgação científica na Internet havia mais de uma década, tendo se dedicado às epidemias de H1N1, zika e ebola, na época do surto dessas doenças, mas é esta pandemia que o projetou.

No entanto, o divulgador com letras maiúsculas em questões de saúde pública no Brasil nas últimas três décadas é, sem dúvida, o septuagenário Varella, que ainda tira as dúvidas dos telespectadores e dá conselhos sobre como evitar contagiar alguém ou contrair o coronavírus. Faz isso em todos os formatos imagináveis, incluindo vídeos, artigos de jornal, podcasts... Varella, que possui 2,7 milhões de inscritos no seu canal do YouTube e é famoso em todo o Brasil graças a uma seção fixa em um dos programas mais assistidos na TV Globo, o Fantástico, agora está focado no vírus. Embora este médico oncologista não tenha no início percebido a ameaça representada pela Covid-19, ele está há semanas tentando fazer com que pessoas idosas como ele se isolem para se proteger —além dos jovens, para não infectá-los—, e também se empenha em desmentir muitas notícias falsas em decorrência da pandemia.

Varella estreou no rádio com a epidemia da Aids —quando a doença causava pânico— e passou a abordar outras questões importantes, como a prevenção de gravidez na adolescência, a saúde mental ou a assistência médica nas prisões. Como se expressa de um jeito simples e tem a aparência de um venerável avô, muitos brasileiros o consideram alguém próximo, um sujeito em quem se pode confiar.

Em um país mergulhado em redes sociais infestadas de notícias falsas, com uma educação básica de baixa qualidade e um presidente que não está convencido do isolamento social —o principal instrumento que a ciência endossa para frear os contágios—, a missão dessa dupla de youtubers é árdua. O terreno das redes é vital no Brasil. Assim foi nas últimas eleições e vem sendo agora, com uma parte dos cidadãos atemorizados e a outra, incrédula. Mas são muitos os brasileiros, como tanta gente longe da Ásia, que começaram a prestar atenção ao perigo representado pelas epidemias.

Embora a Covid-19 tenha conseguido paralisar metade do mundo, como enfatizou Iamarino recentemente em uma entrevista na televisão, o coronavírus não está entre os vírus mais preocupantes. Quando afirmou que “esta não é uma pandemia séria, do pior cenário”, a entrevistadora deixou escapar um eloquente: “Não diga isso, pelo amor de Deus!”. O cientista acrescentou: “Eu realmente espero que isto sirva para que nos preparemos melhor para uma situação pior”, como um vírus como o da gripe, que se propaga mais depressa, e com a letalidade da Sars, que é de 10%, explicou.

O microbiologista aproveita a conjuntura para insistir que existe uma relação direta entre o corte de recursos públicos para a ciência —”que vem acontecendo no Brasil vem desde 2014″— e o grau de preparação quando surge uma crise deste calibre. Esses cortes se traduzem nessas deficiências. Cofundador do canal Nerdologia e da rede Scienceblogs Brasil, Iamarino deixou seu trabalho de pesquisador na universidade em 2016, quando descobriu, para sua surpresa, que poderia ganhar a vida divulgando o que outros cientistas descobrem. Há semanas ele se desdobra, como centenas de colegas, para atender a todos os que buscam um cientista que os ajude a navegar nesta tempestade.

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