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Governo Bolsonaro
Coluna
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Novo chanceler terá que pensar pequeno e se concentrar na contenção de danos

Se for habilidoso, Carlos França conseguirá reverter parte do desmonte do Itamaraty e mitigar um pouco o impacto nocivo de Bolsonaro na reputação internacional do Brasil

O presidente Jair Bolsonaro em evento no Itamaraty para receber o então conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Robert O'Brien, em novembro de 2020.
O presidente Jair Bolsonaro em evento no Itamaraty para receber o então conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Robert O'Brien, em novembro de 2020.ADRIANO MACHADO (Reuters)
Oliver Stuenkel
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A escolha de Carlos França como sucessor de Ernesto Araújo no Itamaraty é um sinal claro de que o presidente Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo —os dois principais articuladores da política externa brasileira— não pretendem permitir uma guinada na estratégia internacional do país. França nunca chefiou uma embaixada no exterior, não tem poder político próprio e dificilmente terá muita liberdade para tomar decisões sem anuência explícita da família Bolsonaro, que está no processo de centralizar ainda mais o poder político no Palácio do Planalto.

A política externa bolsonarista tem sido extremamente popular junto à ala mais radical do bolsonarismo e, portanto, cumpre uma função eleitoral altamente relevante. Os constantes ataques de Araújo contra a China, a Argentina e a União Europeia fizeram vibrar as redes bolsonaristas, da mesma forma que sua decisão de elogiar os invasores do Capitólio americano, em 6 de janeiro, ajudou a consolidar a narrativa do Governo para as eleições de 2022: as supostas fraudes nos EUA poderão se repetir no Brasil no ano que vem, com o fim de tirar Bolsonaro da presidência de maneira ilegítima.

Além disso, superestima o poder da diplomacia quem supuser que seria possível normalizar a política externa do Brasil sem uma moderação fundamental da política interna. O Brasil tornou-se pária diplomático não por causa de seu chanceler, mas em função das políticas internas do Governo Bolsonaro. Araújo acelerou o declínio, mas não é seu principal responsável. Mesmo um diplomata altamente experiente e habilidoso, com passagem pelas principais embaixadas do mundo —e o Brasil tem muitos deles— não teria como manter relações plenamente produtivas com os principais parceiros do Brasil. Diferentemente de outros líderes autoritários mais sutis, que misturam gestos conciliatórios com afirmações radicais de maneira convincente, falta a Bolsonaro a ambiguidade que permitirá a Carlos França relativizar e combater, de maneira eficaz, as más notícias que a comunidade internacional lê sobre o país dia sim e outro também.

Apesar disso tudo, porém, se tiver muita destreza, França poderá atuar em duas frentes para desfazer parte do estrago histórico que o bolsonarismo tem causado no âmbito externo. A primeira tarefa será limitar, até certo ponto, o uso da política externa para animar a base bolsonarista. O novo chanceler terá três aliados nessa empreitada: o Governo Biden no âmbito externo e o Congresso Nacional e o empresariado no âmbito interno, ambos sensíveis às consequências desastrosas do legado de Araújo. Mais do que viajar pelo mundo fazendo propaganda do Brasil —uma iniciativa fadada ao fracasso—, França terá que se voltar para a política interna e estabelecer um diálogo constante com lideranças na Câmara dos Deputados e no Senado, bem como no empresariado, para assegurar que qualquer comentário ou atuação no âmbito externo levará a críticas em peso de senadores, deputados, associações e CEOs. Nas conversas com esses setores, o novo chanceler pode apresentar o argumento óbvio: o custo econômico de atacar o globalismo em um mundo de Biden é muito mais elevado do que nos tempos de Trump, que, apesar de se interessar pouco pelo Brasil, absorvia muita atenção no debate global. O Governo Biden sinalizou estar disposto a interpretar a troca no Ministério das Relações Exteriores (MRE) como um gesto encorajador, mas não hesitará em optar por medidas duras se não houver disposição em reduzir o desmatamento. Evitar uma ruptura com Biden será um dos principais desafios de França.

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A segunda tarefa do futuro chanceler é também de redução de danos gerados ao ministério ao longo dos últimos dois anos. França pode, mesmo atuando nos bastidores, reerguer, em parte, o Itamaraty, instituição que se tornou tão tóxica que governos estrangeiros começaram a dialogar cada vez mais com outros ministérios, governadores e prefeitos. O desmonte do MRE não será inteiramente reversível —parte do vácuo de poder será permanentemente ocupado pelos governadores—, mas França pode tentar atenuar o clima de perseguição ideológica que hoje reina na Casa de Rio Branco e fez com que muitas das cabeças mais brilhantes se refugiassem em consulados ao redor do mundo, onde não é preciso defender Bolsonaro publicamente.

Como revela o exemplo de Trump, quase nenhum integrante moderado do Governo Bolsonaro sai maior do que entrou. Ao contrário. Muitos, inclusive, se radicalizaram para evitar serem demitidos, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, que hoje atribui o isolamento do presidente a uma campanha da esquerda para manchar a imagem do Brasil e, com isso, vem perdendo credibilidade junto a interlocutores no exterior. Com França dificilmente será diferente. Enquanto vários grandes chanceleres da Nova República tiveram espaço para repensar o papel do Brasil no mundo —e foram altamente respeitados no exterior—, França terá que pensar pequeno e, como um cozinheiro que só tem acesso a ingredientes estragados, montar um prato minimamente palatável.

Oliver Stuenkel é doutor em Ciências Política e professor de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel

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