Biden e a Amazônia
Promessa do presidente eleito nos EUA para a Amazônia precisa ser bem entendida e os termos negociados com inteligência, evitando posições açodadas, movidas por ideologia ou desconhecimento do tema
O futuro presidente dos Estados Unidos (EUA) Joe Biden já manifestou, mais de uma vez, seu compromisso com a redução do desmatamento na Amazônia. Essa posição foi reiterada durante a campanha eleitoral. Agora, com a vitória do democrata, conhecido defensor da floresta amazônica, há esperanças de apoio firme dos EUA ao Brasil na questão ambiental. Faço aqui uma abordagem inicial sobre esse tema.
A promessa de Biden tem duas facetas. A primeira é o apoio aos esforços do Brasil mediante um fundo de 20 bilhões de dólares (cerca de 108 bilhões de reais) a ser liderado pelos EUA e cofinanciado por outros países. A segunda é a ameaça de retaliações comerciais caso o desmatamento na Amazônia não seja reduzido.
Com relação ao fundo, ainda não é claro quanto os EUA estariam se comprometendo a aportar e o que seria responsabilidade de outros países. Vale lembrar que o lançamento do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Brasileiras (PPG-7), na década de 90, teve forte apoio verbal do ex-presidente Bush, mas a contribuição financeira dos EUA foi ínfima. A Alemanha foi a grande financiadora.
Ainda não é claro se o uso do fundo se estenderia a outros países ou se seria apenas destinado ao Brasil. Cabe lembrar que o Brasil abriga 64% do território do bioma e 72% da bacia hidrográfica amazônica. Também não está claro o mecanismo de governança. Seria um aporte ao Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou seria um novo fundo? Haveria condições nos repasses financeiros? Vale lembrar que o contrato de doação da Noruega ao Fundo Amazônia vincula os repasses ao sucesso na redução do desmatamento.
Com relação às ameaças de retaliação comercial, ainda não é claro quais seriam essas eventuais medidas em caso de insucesso do Brasil na redução do desmatamento. De maneira geral, seria de se esperar que os setores exportadores brasileiros, que enfrentam maior competição com produtores americanos, devem ser alvos preferenciais. Vale lembrar que os exportadores de produtos norte-americanos competem com os brasileiros no mercado internacional (especialmente na Europa) e os EUA podem liderar um boicote aos produtos brasileiros (especialmente agropecuários) nesses mercados.
Do ponto de vista do interesse nacional, o posicionamento de Biden precisa ser bem entendido e os termos negociados com inteligência. Devemos evitar posicionamentos açodados e superficiais, movidos por ideologia ou desconhecimento da complexidade do tema. Há muito tempo, sabemos que é do interesse nacional reduzir o desmatamento da Amazônia. Dependemos da floresta em pé para assegurar a manutenção do regime de chuvas do Brasil, que alimenta nossos rios para geração de energia hidrelétrica e para o abastecimento urbano de água, além de irrigar a nossa produção agropecuária. Sabemos também que reduzir o desmatamento custa dinheiro, inteligência, capacidade de gestão e vontade política.
A diplomacia brasileira, nos seus áureos tempos, já foi capaz de conduzir negociações complexas com grande êxito. Não por acaso o Barão do Rio Branco ocupa lugar de destaque na nossa história diplomática. Caberá à nossa diplomacia uma compreensão aprofundada das duas facetas das estratégias de Biden. A tese de que é do interesse nacional reduzir o desmatamento passará a adquirir novas e complexas dimensões com Biden na presidência dos EUA. Não cabe espaço para amadorismo diplomático e nem para posicionamentos políticos simplórios.
De certa forma, a notícia é positiva, pois coloca a Amazônia no patamar aonde sempre deveria estar: no centro das atenções do debate nacional. É necessário que as instituições da República, incluindo Legislativo, Judiciário, Executivo e Ministério Público, aprofundem a análise da complexidade envolvida nos temas relacionados à Amazônia.
É necessário entender a Amazônia em suas duas dimensões: como problema e como solução. É hora de aprofundar o engajamento da sociedade civil, academia e setor empresarial no entendimento dos problemas e no apoio à construção de soluções. Existem muitas iniciativas que mostram que é possível, sim, reduzir o desmatamento e as queimadas. O Brasil já mostrou ao mundo que tem capacidade de alcançar essa redução, ainda que hoje isso esteja sendo fortemente questionado. Por outro lado, não podemos esquecer que a Amazônia tem os piores indicadores sociais do Brasil e reverter esse quadro é igualmente importante e necessário.
É hora de prepararmos um novo contexto internacional sobre a Amazônia, que pode ser tanto positivo quanto negativo para o Brasil. O positivo pode ser o apoio financeiro para o Brasil e os demais países amazônicos enfrentarem o desmatamento e promoverem a prosperidade baseada em cadeias produtivas livres de desmatamento e queimadas. O negativo é continuarmos a perder a floresta e seus serviços ambientais, que são essenciais para a prosperidade do Brasil como um todo. O estrago pode ser ainda maior se a retaliação comercial trouxer impactos sérios à combalida economia nacional.
É necessário dar a devida atenção a esse tema, que possui enorme relevância estratégica para o futuro do Brasil. Antes que seja tarde demais.
Virgílio Viana é superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável.
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