Torcidas antifascistas assumem linha de frente da mobilização contra Bolsonaro e atraem oposição

Apesar das regras contra aglomeração por causa da covid-19, torcedores projetam novos atos de rua com apoio de opositores. Manifestos pluripartidários surgem, mas sem adesão de Lula

Grupo de torcedoras antifascismo protesta na avenida Paulista.

Desde o início da quarentena imposta pela pandemia de coronavírus, nenhuma manifestação crítica ao Governo de Jair Bolsonaro havia gerado tanto barulho nas ruas como o ato convocado por torcidas antifascistas na avenida Paulista, neste domingo. Em defesa da democracia, coletivos originários do futebol também realizaram protesto coordenado em pelo menos outras 15 cidades, a exemplo de Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro, onde torcedores dos principais clubes cariocas engrossaram marcha contra o racismo.

A articulação do movimento partiu de grupos identificados com o antifascismo, embora lideranças de torcidas organizadas como Gaviões da Fiel e Torcida Jovem do Santos, que já repudiou a presença de Bolsonaro na Vila Belmiro e se posicionou contra sua candidatura na eleição presidencial, tenham apoiado e participado dos atos. Também endossou os protestos a Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg), que conta com mais de 200 afiliadas e faz questão de frisar que a manifestação “não é de direita ou esquerda”, mas em oposição a movimentos ultraconservadores, supremacistas e fascistas.

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“Nosso protesto surgiu de uma organização autônoma de torcedores membros da Gaviões”, conta Danilo Pássaro, 27, líder do movimento corintiano Somos pela Democracia. “Temos uma preocupação em comum com a escalada autoritária no país, a partir de uma onda de agressões contra profissionais da saúde e jornalistas, incentivando a ruptura dos limites da Constituição, legitimada pelo presidente da República. Por isso, mesmo nesse período de pandemia, assumimos o risco e resolvemos travar essa disputa nas ruas para defender a democracia.” Foi acordado entre os grupos participantes que eles não se identificariam com símbolos ou bandeiras, para que a manifestação não fosse associada a torcidas organizadas.

No início de maio, o movimento iniciou a contra-ofensiva às manifestações insufladas por apoiadores bolsonaristas com um ato reunindo cerca de 70 torcedores corintianos na Paulista, no mesmo horário do protesto de ultradireitistas. A repercussão despertou o apoio de torcidas antifascistas dos rivais Palmeiras, São Paulo e Santos e inspirou o surgimento de mais coletivos semelhantes, como a Resistência Alvinegra, que mobilizou cerca de 200 torcedores atleticanos no centro de Belo Horizonte em dois fins de semana consecutivos. Criada há cinco anos, a Resistência Azul Popular (RAP), formada por cruzeirenses, avaliou aderir ao movimento nacional, mas, por segurança, decidiu não se manifestar nas ruas durante a vigência das medidas de isolamento social.

Tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, houve registros de confusões entre torcedores antifascistas e bolsonaristas, seguidas de repressão policial. Na avenida Paulista, a tensão se estabeleceu quando o protesto das torcidas já havia acabado, após alguns manifestantes de extrema direita exibirem símbolos suspeitos de apologia ao nazismo como forma de provocação. A Polícia Militar de São Paulo encaminhou imagens ao Ministério Público para investigar os responsáveis pelo início do tumulto, além de determinar se as bandeiras expostas pelo grupo que apoia Bolsonaro são, de fato, relacionadas a movimentos neonazistas.

Partidos de esquerda não ficaram indiferentes à mobilização. Enquanto o PT de São Paulo celebrou a marcha puxada pelas torcidas antifascistas, os deputados federais pelo PSOL, Sâmia Bomfim (SP) e Glauber Braga (RJ), participaram dos atos na Paulista. “Ao usar a realidade da pandemia para avançar com seu projeto autoritário, Bolsonaro coloca o Brasil no limite. O ato das torcidas organizadas em São Paulo foi resultado disso: o povo não aguenta mais”, disse a parlamentar psolista, que ainda criticou a ação da polícia na dispersão do protesto. “A PM agiu de forma brutalmente repressiva contra as torcidas organizadas e acariciou os fascistas, como os vídeos podem demonstrar.” Em imagens captadas por manifestantes, uma mulher bolsonarista que carregava um taco de beisebol e provocou torcedores é escoltada por um policial.

Em trincheira oposta, políticos alinhados a Bolsonaro subiram o tom contra as manifestações das torcidas. Nesta segunda-feira, o filho do presidente e deputado federal, Eduardo Bolsonaro, protocolou ação na Procuradoria-Geral da República contra Sâmia Bomfim e Glauber Braga, insinuando envolvimento dos parlamentares em supostos “atos criminosos com grupo Antifa”. Assim como Donald Trump, que enfrenta protestos de movimentos antirracistas nos Estados Unidos, a família Bolsonaro sugere classificar coletivos antifascistas como organizações terroristas. Em 2015, o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, hoje rompido com o bolsonarismo, propôs acabar com as torcidas organizadas, por considerá-las grupos criminosos em projeto de lei que tramita no Congresso. “Aqui eles [antifas] se fantasiam de torcida organizada, mas todos sabemos que querem é desordem, baderna e confronto com manifestações pacíficas”, escreveu Eduardo Bolsonaro.

No Rio, o deputado federal Daniel Silveira (PSL), que acompanhou manifestação pró-Bolsonaro na praia de Copacabana, gravou um vídeo pregando repressão violenta a movimentos antifascistas de torcedores. “Vocês [antifas] vão pegar um ‘polícia’ zangado no meio da multidão, levar um [tiro] no meio da caixa do peito e chamar a gente de truculento. Eu estou torcendo pra isso. Quem sabe não seja eu o sortudo. Não adianta nem falar que foi homicídio. Vai ser legítima defesa”, ameaçou o deputado, que, ao longo do protesto, filmou a conversa com um policial que prometeu queimar a faixa de torcedores do Flamengo estampada com os dizeres “Democracia Rubro-Negra”. A PM do Rio de Janeiro informou em nota que a atitude do agente “não reflete a postura da corporação, que se mantém imparcial, sempre zelando pela democracia”.

A oposição a Bolsonaro não é consenso nas torcidas organizadas e gerou desconforto entre membros que preferem evitar a associação a movimentos antifascistas. Uma das maiores organizadas do São Paulo, a Dragões da Real afirmou que, embora se considere uma organização antifa, não pretende instruir seus sócios a seguirem uma orientação política específica. “O que nos une é o São Paulo Futebol Clube. Fora disso, cada um que escolha seu caminho. Não se pratica democracia com ato antidemocrático.” A Torcida Jovem do Flamengo adota a mesma linha, informando que “não irá impor nem incentivar nenhum de seus integrantes que se manifestem contra ou a favor de qualquer espectro ou vertente política”, por se posicionar como uma instituição apartidária.

Novos atos, protesto em Curitiba e manifestos contra o Governo

Se as organizadas preferem se descolar dos protestos, as torcidas antifascistas planejam aumentar a frequência e a magnitude dos atos com a adesão de movimentos sociais e partidários que se opõem ao Governo Bolsonaro. Neste fim de semana, um manifesto em prol da democracia, que já foi firmado pelos ex-jogadores Casagrande, Raí e Tostão, ultrapassou a marca de 200.000 assinaturas. Para o próximo domingo, cidades como Manaus e Rio articulam manifestações similares à da Paulista.

“Nossa pauta é ampla, não tem viés político-partidário”, diz Danilo Pássaro. “A maior parte do povo brasileiro é favorável à democracia. Convocamos todos os cidadãos democratas para que se juntem a essa luta.” A articulação nacional das Torcidas Antifascistas Unidas ressalta que orienta manifestantes a usar máscaras, luvas e óculos de proteção contra o coronavírus, além de recomendar a torcedores que convivem com pessoas do grupo de risco a participar dos protestos políticos apenas pelas redes sociais.

Nesta segunda, houve uma manifestação em Curitiba que derivou mais uma vez em repressão policial e quebra-quebra, em uma mostra de que a chama dos protestos antifascistas e anti-Bolsonaro, misturados aos atos antirracistas na esteira do movimento nos EUA, devem seguir. Gabriel Fidgan, organizador do protesto na capital do Paraná, afirma que o ato antirracista terminava sem incidentes quando, na “dispersão de alguns poucos, houve vandalismo contra o patrimônio público”, o que “representa a presença organizada de infiltrados que desejam a criminalização do movimento”. Fidgan também criticou o excesso de uso da força pela polícia.

Em paralelo ao movimentos de rua, o fim de semana também viu crescer outro front contra o Governo, com manifestos que criticam as manifestações autoritárias do Governo e pregações contra os demais poderes. Em um deles, o “Somos 70%”, faz alusão à maioria que não apoia Bolsonaro. Já o “Basta!” foi organizado por advogados e outros representantes do universo jurídico. O “Estamos Juntos”, por sua vez, foi assinado por artistas e intelectuais, mas também políticos de vários matizes, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). O texto fala da importância de uma frente comum contra o Planalto. “Como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum”, diz o texto. As movimentações são mais um sintoma da escalada da crise institucional, mas também evidenciam que não será tão simples construir uma frente antibolsonarista ampla. Nesta segunda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou os manifestos por não frisar o suficiente, em sua visão, a defesa do direitos dos trabalhadores e por incluir nomes que apoiaram Bolsonaro.

Colaborou Isadora Rupp, de Curitiba.


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