Ministério da Economia se une aos esforços do Governo para “passar a boiada” sobre regras ambientais
Pasta comandada por Paulo Guedes pressiona o Ibama a afrouxar uma série de normas de proteção sob o argumento de facilitar negócios, a partir de conversas com empresas do Movimento Brasil Competitivo
Atendendo a uma demanda de empresas privadas e sob uma perspectiva pouco preocupada com a proteção ambiental, o Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, solicitou que o Ministério do Meio Ambiente avalie sugestões para afrouxar as regras de licenciamento ambiental e alterar a identificação do bioma amazônico em áreas onde também houver cerrado. Esta última medida tem como objetivo final anistiar o desmatamento ilegal e permitir que, ao invés de se manter uma reserva legal de 80% de cada propriedade da Amazônia, reduza-se para uma área de proteção de 35% de cada imóvel rural, como ocorre no cerrado.
Entre ambientalistas, a medida tem sido caracterizada como uma das maiores “boiadas ambientais”, em referência ao termo usado pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles em uma reunião ministerial com o presidente Jair Bolsonaro, em maio do ano passado. Não há um consenso sobre a área de transição entre os biomas amazônico e o cerrado. Estudos mostram que ele pode ser de 200.000 a 600.000 quilômetros quadrados —está última é uma área similar à de Minas Gerais, o quarto maior Estado do país. Em tese, essa alteração é a única do pacote antiambiental do Governo que não depende de uma análise do Congresso Nacional, mas, sim, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que é vinculado ao Ministério da Economia.
O ataque não se restringe apenas às áreas florestais. Ele prevê, por exemplo, a extinção da lista do Conselho Nacional do Meio Ambiente que define casos em que se exige o estudo prévio de impacto ambiental; prevê a concessão automática de licenças ambientais por demora na análise dos pedidos de licenciamento —justamente em um momento em que se reduz o número de fiscais e analistas ambientais—; dispensa o licenciamento ambiental para que se reutilize rejeito de mineração; e reduz as exigências para fabricação de agrotóxicos voltados à exportação, entre outros.
O ofício em que solicita o estudo foi enviado ao MMA no dia 13 de maio de 2021 pelo secretário de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, Jorge Luiz de Lima. No documento, que só veio à tona nesta semana depois que chegou ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), Lima ressalta que as medidas foram debatidas com o Movimento Brasil Competitivo. Essa entidade é um conglomerado de grandes empresas que se uniram para mobilizar o setor público. No grupo estão a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e gigantes da área de alimentos, como a JBS; de celulose, como a Suzano; do ramo metalúrgico, como a Gerdau; financeira, como o Itaú; além das principais companhias de tecnologia que atuam no Brasil: Amazon, Microsoft, Google, IBM, Huawei, Facebook, Oracle e Motorola Solutions.
O projeto foi batizado pelo Governo de Custo Brasil e tem como objetivo ampliar a produtividade e a competitividade do mercado brasileiro. O objetivo, de acordo com a secretaria, tem o “fito de superarmos as dificuldades apontadas como geradoras de custos adicionais ao empreendedorismo brasileiro”.
“O documento me parece algo impositivo. É uma visão deturpada sobre o que é o custo Brasil”, disse ao EL PAÍS o diretor de justiça socioambiental do WWF Brasil, Raul Silva Telles do Valle. Na visão dele, o Ministério da Economia está propondo a alteração de uma série de regras ambientais, que servem para proteger os biomas e para evitar desastres ambientais como o de Brumadinho (MG), por exemplo. É como se calcular que os gastos com a reparação de um dano fossem menores do que o da prevenção. “O Governo não está incorporando a dimensão ambiental nesse custo Brasil. Isso mostra uma mentalidade ainda do século XX, não do século XXI”, critica Valle.
No pedido, o Ministério da Economia requer que sejam aumentadas as áreas para se desmatar a Mata Atlântica sem autorização prévia do Ibama. A sugestão é que saltasse de três hectares para 15 hectares a área de Mata Atlântica em que é permitida essa devastação em zonas urbanas; e de 50 hectares para 150 hectares, nas rurais. “O Ministério da Economia propõe o ecocídio ao Brasil com mais esse ataque à Mata Atlântica. Na contramão do que o mundo busca para enfrentar a emergência climática, do que precisamos para minimizar a crise hídrica e energética, o projeto de Redução do Custo Brasil é a maior ameaça à sustentabilidade do país”, disse em nota a diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro.
Ele vai na contramão também do discurso que o próprio presidente Jair Bolsonaro fez na Assembleia Geral da ONU nesta semana. Na ocasião, o mandatário disse que “nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa” e fez um desafio: “Qual país do mundo tem uma política de preservação ambiental como a nossa?”. Seu próprio Governo, contudo, tenta alterar essas barreiras de proteção. “O discurso do Bolsonaro foi o típico me engana que eu gosto. Nenhuma política do Governo vai na linha de diminuir o desmatamento, de proteção ambiental”, afirmou Raul Valle, da WWF.
As sugestões do Governo gerou ruídos. Em nota, o Movimento Brasil Competitivo informou, na sexta-feira, que debate a redução do custo do país com a União, que elaborou um estudo com indicadores comparativos entre o Brasil e países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas que não ajudou na elaboração dessas propostas levadas pela Economia ao Meio Ambiente. “Reiteramos nossa posição em defesa de uma política nacional de sustentabilidade social, ambiental e econômica”.
Questionado pela reportagem sobre os pedidos da Economia, o Ibama informou que está analisando o documento e que, até o dia 30 de setembro, responderá ao ministério. Ainda que nenhuma proposta do Governo avance diretamente, há uma série de projetos no Congresso Nacional que visam a alterar várias das proteções ambientais. Os dois que mais chamam a atenção são o Projeto de Lei 3729/2000, que altera uma série de regras do licenciamento ambiental, e o 2633/2020, que muda a regularização fundiária. Ambos já foram aprovados pela Câmara e aguardam análise dos senadores.
Há também o 2.673/2021, que altera o Código Florestal, reduzindo a proteção das chamadas Áreas de Preservação Permanente. Ele também permite o desmatamento dessas regiões e prioriza uso agropecuário da água. Esse projeto está em vias de ser votado pela Câmara.
Todas essas discussões ocorrem em um momento que o país registra índices preocupantes de desmatamento. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, a Amazônia Legal perdeu 10.476 quilômetros quadrados de floresta. A taxa é 57% maior que a da temporada passada, além de ser a pior dos últimos dez anos, conclui um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Na semana passada, entre os dias 13 e 17 de dezembro, uma expedição coordenada pela Aliança Amazônia em Chamas comprovou o alerta que vinha sendo dado por pesquisadores, de que o sul do Amazonas, o maior e mais conservado Estado em meio à floresta, é a nova fronteira do desmatamento. A expedição partiu de Porto Velho, segundo município em quantidade de queimadas — com 2.700 focos, de 1º de janeiro a 18 de setembro, de acordo com dados do Inpe — e seguiu até Lábrea, recordista em queimadas no país, com 2.946 focos no mesmo período.
“Presenciamos a destruição da floresta em larga escala, incluindo grandes polígonos de desmatamentos, focos ativos de calor e pistas de pouso clandestinas”, relatou Cristiane Mazzetti, representante do Greenpeace nas atividades. Mais uma prova de que aquilo que o presidente fala sobre a área ambiental quase nunca pode ser levado a sério.
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