Crivella vira principal trunfo político de Bolsonaro após desempenho pífio de candidatos apadrinhados
Atual prefeito vai para o segundo turno na eleição do Rio de Janeiro, enquanto outros candidatos apoiados pelo presidente avançam apenas ao descolar suas imagens do mandatário
Se as eleições municipais seguissem a regra do célebre quadro esportivo da TV Globo, que homenageia o jogador que faz três gols a cada rodada, o apresentador Celso Russomanno (Republicanos) já pode pedir música no Fantástico, mas por um motivo inglório. É a terceira vez consecutiva que ele larga na frente na corrida pela Prefeitura de São Paulo e termina o pleito fora do segundo turno. Neste ano, porém, o tombo foi ainda maior, experimentando seu pior desempenho entre todas as eleições a prefeito que disputou. Ele é um exemplo do desempenho dos candidatos apoiados diretamente pelo presidente Jair Bolsonaro, que, ao menos nas grandes cidades, não se mostrou um cabo eleitoral decisivo ― com raras exceções, como o Rio de Janeiro, onde o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), que conseguiu chegar ao segundo turno, se torna o principal trunfo político do presidente para a próxima rodada eleitoral.
Na capital paulista, a aposta de Russomanno era unir a base de eleitores evangélicos à ala bolsonarista para, enfim, conquistar o bilhete premiado para o segundo turno. “Não pretendia entrar nas decisões de eleições municipais, mas Russomanno é um amigo de velha data e estou pronto para ajudá-lo no que for preciso”, declarou Bolsonaro ao anunciar adesão à campanha do apresentador, em outubro. Entretanto, de lá para cá, o candidato republicano despencou nas pesquisas. Na reta final, perdeu o terceiro lugar para Márcio França (PSB) e, por pouco, com 10,5% dos votos, não foi desbancado inclusive por Arthur do Val - Mamãe Falei (Patriota), que teve 9,8% dos votos. Terminou quase 10 pontos atrás de Guilherme Boulos (PSOL), que avança ao segundo turno contra o atual prefeito Bruno Covas (PSDB).
Em outros locais, o panorama foi parecido, como em Pernambuco, por exemplo. Desconhecida na política, Delegada Patrícia (Podemos) irrompeu ao conseguir o apoio oficial do bolsonarismo. Na segunda-feira passada, ela chegou a participar de uma live ao lado do presidente, em que prometeu derrotar a esquerda em Recife. “A delegada é uma sinalização de que nós vamos varrer o comunismo e o socialismo do Brasil”, disse Bolsonaro. Mas a exposição do lado do mandatário nacional não foi capaz de proporcionar uma arrancada à candidata. Pelo contrário: fez dobrar sua rejeição. Ela acabou em quarto lugar, com 14% dos votos, atrás de Mendonça Filho (DEM) —25%— e dos primos Marília Arraes (PT) —28%— e João Campos (PSB) —29%— que varreram as chances da direita alcançar o segundo turno na capital pernambucana.
Em Belo Horizonte, dois candidatos tentaram colar na imagem de Bolsonaro a fim de se tornarem competitivos. Não colou. O jovem deputado Bruno Engler (PRTB), de 23 anos, foi votar vestindo uma camisa estampada com o rosto do presidente, que declarou oficialmente apoio à sua candidatura. Ficou em segundo lugar, com 9% dos votos, muito longe de impedir a reeleição em primeiro turno do prefeito Alexandre Kalil (PSD), que ganhou o pleito com 63% dos votos. Outro deputado, Lafayette Andrada (Republicanos), não foi citado em lives nem teve Bolsonaro como cabo eleitoral, mas usou imagens e vídeos com o presidente ao longo da campanha, vendendo-se como “defensor dos valores da família tradicional”. Não obteve sequer 1% dos votos.
Manaus também teve candidato apoiado pelo presidente. Coronel Menezes (Patriota) teve cartaz de propaganda exibido por Bolsonaro, que o convidou para participar de uma live diretamente de Brasília a cinco dias da eleição. O ex-chefe da Superintendência da Zona Franca de Manaus fechou a disputa em quinto lugar, com 11% dos votos, distante dos 22% de David Almeida (Avante) e dos 24% de Amazonino Mendes (Podemos), que vão ao segundo turno.
Já em Santos, no litoral paulista, Ivan Sartori (PSD) se aproximou do deputado Eduardo Bolsonaro (Republicanos) para pleitear e conquistar o suporte da família à sua candidatura. Ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, conhecido por absolver policiais acusados pelo massacre do Carandiru, Sartori —18%— ficou longe de Rogério Santos (PSDB), vitorioso no primeiro turno com 50% dos votos.
Afastar para avançar
Outros aliados de Bolsonaro tiveram bom desempenho, mas com estratégias distintas de campanha. Capitão Wagner (PROS) recebeu afagos do presidente, que enalteceu a ascensão política de “mais um capitão” em Fortaleza. O candidato cearense agradeceu o apoio, mas fez questão de frisar que sua candidatura é independente e evitou expor qualquer material que o relacionasse a Bolsonaro nas últimas semanas da campanha. Com 33% dos votos, mesmo patamar que ostentava nas pesquisas antes da chancela presidencial, ele disputará o segundo turno diante de Sarto (PDT), que, apoiado por Ciro Gomes, somou 35% na votação e tem rejeição 50% menor que Wagner, de acordo com o Datafolha. Da mesma forma, um bolsonarista tradicional, Delegado Pazolini (Republicanos) surpreendeu em Vitória ao liderar a contagem com 30% dos votos e vai enfrentar João Coser (PT) —21%— no segundo turno. Além de não ter tido apoio oficial de Bolsonaro, ele se esquivou de associações com o presidente após lançar sua campanha.
Aposta no Rio de Janeiro
A principal exceção ao desempenho com viés de baixa dos apadrinhados por Bolsonaro, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), que tinha apenas 13% das intenções de voto no início da campanha, se garantiu com 21,9% dos votos, atrás de Eduardo Paes (DEM), com 37%, e agora se torna a principal aposta política do presidente no segundo turno. Principal nome do partido dos filhos do presidente no âmbito executivo, ele se disse “imensamente grato” por ter recebido a bênção eleitoral de Bolsonaro, que, ao anunciar a adesão, também elogiou colocou um pé na canoa de seu concorrente, qualificando Paes como “bom gestor”.
No Rio, o presidente ainda abonou dois vereadores. Seu filho Carlos Bolsonaro (Republicanos) se reelegeu como o segundo mais votado da capital fluminense, com 71.000 votos, 35.000 a menos do que registrou em 2016. Em Angra dos Reis, a ex-assessora Wal Bolsonaro, que ficou famosa pelo apelido de Wal do Açaí ao ser investigada como possível funcionária fantasma do gabinete do então deputado federal, recebeu apenas 266 votos e, embora tenha adotado o sobrenome da família, não esteve nem perto de se eleger.
O apoio de Bolsonaro também surtiu efeitos em algumas cidades do interior. Em Parnaíba, segunda cidade mais populosa do Piauí, o prefeito Mão Santa (DEM) se reelegeu com 68% dos votos, explorando ao máximo o endosso concedido pelo presidente.
Cabo presidencial na mira da Justiça
No começo do ano, Bolsonaro afirmou que não interferiria nas disputas municipais para se concentrar nos trabalhos em Brasília. Porém, foi só dar a largada na campanha que o presidente não resistiu em apadrinhar candidatos a vereador e prefeito alinhados à sua cartilha ideológica. A atuação como cabo eleitoral, além de ter produzido resultados abaixo das expectativas nas urnas, pode lhe render um processo por propaganda ilegal.
Partidos e parlamentares de oposição tiveram pedido acatado pelo Ministério Público Federal, que vai investigar se Bolsonaro cometeu crimes eleitorais durante a campanha ao promover 38 candidatos em lives veiculadas diretamente do Palácio da Alvorada. Depois da ação, o presidente suspendeu, na última quinta-feira, as transmissões ao vivo a favor de seus apadrinhados. Ele se justificou dizendo que realizava as lives após o horário de expediente.
No sábado, véspera de eleição, Bolsonaro publicou um post no Facebook pedindo votos para cinco candidatos a vereador e outros sete a prefeito, incluindo Crivella e Russomanno. A postagem foi apagada da rede social no início da noite deste domingo, assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a divulgar os resultados parciais do pleito.