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Ernesto Araújo defende que visita de secretário de Estado dos EUA foi questão de direitos humanos

Em audiência no Senado, ministro das Relações Exteriores refutou acusação de que Brasil teria sido usado como plataforma eleitoral de Trump e criticou Governo de Maduro, da Venezuela

Chanceler Ernesto Araújo em pronunciamento no Senado.
Chanceler Ernesto Araújo em pronunciamento no Senado.Edilson Rodrigues (Agência Senado)

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, refutou durante audiência nesta quinta-feira no Senado, as críticas sobre a visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima, na semana passada. O Governo Bolsonaro foi acusado― inclusive pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ)― de ter permitido que o Brasil fosse utilizado como ferramenta eleitoral de Donald Trump para as eleições presidenciais de novembro e ferido as boas práticas da diplomacia internacional, contrariando, inclusive, o que é determinado na legislação brasileira, ao permitir que o ministro de Estados norte-americano utilizasse o país como plataforma para criticar o Governo Maduro. “A Constituição nos manda trabalhar pelos direitos humanos na Venezuela, não é uma opção”, afirmou Araújo.

De acordo com o ministro, nada do que foi dito na visita ― críticas ao Governo de Nicolás Maduro na Venezuela, principalmente ― é novidade. “São muito conhecidas nossas posições e as dos EUA, que não são as mesmas, mas são convergentes". Para Araújo, o verdadeiro Governo da Venezuela é aquele que o Brasil e 56 outros países reconhecem como “o governo legítimo de Juan Guaidó”. E existe o regime, “um grupo de pessoas que manejam as alavancas do poder de maneiras repressiva contra o próprio povo”. “É importante que não usemos a palavra Venezuela para falar desse grupo de facínoras que ocupam o poder, pelo qual temos desprezo”, afirmou o ministro das relações exteriores. “Temos total solidariedade ao povo venezuelano, é uma nação amiga, uma nação irmã, com uma tradição democrática imensa. Terra de Bolívar. O fato do regime usar o nome bolivariano é uma ofensa a Bolívar”.

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A distinção apontada pelo ministro é importante para entender a posição do Governo Bolsonaro quanto a visita de Pompeo. “Não há contradição. Estamos trabalhando segundo o artigo 4 [da Constituição]. O inciso 2 fala da ‘prevalência dos direitos humanos’, como um dos princípios que deve orientar as relações externas do Brasil”, disse Araújo.

O ministro explicou que a visita aconteceu após uma solicitação do Departamento de Estado norte-americano. Pompeo teria ligado pessoalmente para consultar sobre a possibilidade de visitar a Operação Acolhida, em Roraima. Trata-se de uma ação criada em 2018 pelo Governo brasileiro para receber os refugiados e migrantes venezuelano.

Lendo uma nota divulgada pelos EUA, o Araújo afirmou que o Governo norte-americano financiou mais de 64 milhões de dólares para o acolhimento de venezuelanos no Brasil, por meio de organizações internacionais. Por isso, “parece que faz todo sentido que ele visite a Operação Acolhida”, disse. O ministro disse, também segundo a nota, que Pompeo foi à Boa Vista porque trabalha junto ao Brasil para “ajudar a Venezuela a combater a crise causada pelo regime ilegítimo de Nicolás Maduro”.

“Na Operação Acolhida, o Governo brasileiro já gastou 400 milhões de dólares desde 2018. A contribuição americana, dependendo de como se compute, dá 80 milhões ou quase 100 milhões de dólares. É um modelo reconhecido internacionalmente, porque dá apoio integral ao imigrante”, afirma o ministro. A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), no entanto, contestou esse apoio humanitário, realizado com fronteiras fechadas para os imigrantes na pandemia. Araújo disse que se trata de uma decisão sanitária. “Não é de responsabilidade do Itamaraty”.

O ministro lembrou que no mesmo dia em que teve o encontro com o secretário Mike Pompeo, ele realizou uma teleconferência com o ministro de relações exteriores da China, Wang Yi: “Falamos também de Venezuela, neste caso as perspectivas são um pouco diferentes. Eu reiterei a nossa enorme preocupação com a situação de direitos humanos e a falta de democracia na Venezuela, mas o ministro da China preferiu a ideia da não intervenção”.

Segundo Araújo, não é possível acusar Pompeo de fazer propaganda eleitoral já que existe uma “grande convergência entre republicanos e democratas" sobre a situação do país vizinho. “Se houver uma vitória democrática nas eleições em novembro, a atitude norte-americana sobre a Venezuela continuará a mesma”, disse aos senadores. Para ele, é estranha essa preocupação com o calendário político de outros países. “Se não pudermos defender os direitos humanos em época de campanha em outros países, em que mundo nós estamos”, disse o ministro.

O momento das relações internacionais do Brasil

O ministro defendeu que o discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU mostrou a realidade do covid-19, da Amazônia e da atuação do Brasil em favor de novos enfoques que estão contribuindo para a paz no Oriente Médio. “Agora é o povo brasileiro que aparece nas Nações Unidas com sua essência, realidade, sentimentos”, diz.

Araújo defende que o Brasil vive um novo momento de protagonismo no cenário internacional. “A imagem que o Brasil passava na América do Sul e resto do mundo era a de uma país que exportou corrupção”, afirmou, alheio às referências sobre o trabalho que o Itamaraty teve no passado como intermediador e pacificador em crises internacionais, e tampouco à preocupação internacional sobre a situação no Pantanal e na Amazônia. “Não podemos usar a atitude pacificadora para ignorar a realidade. Diplomacia não é covardia. Narcotráfico e crime organizado são a verdadeira ameaça a paz”, afirmou. “Equívoco achar que Brasil está no mundo para intermediar relações entre outros países”.

Sobre como as eleições nos EUA podem afetar as relações com o país, Araújo afirmou que não é fato que a proximidade do Brasil seja com o Governo Trump e não com os EUA. “Um governo democrata provavelmente manteria o mesmo enfoque”, disse. Para mostrar a independência do país, ele deu um exemplo sobre uma questão em que o Brasil pode ter uma posição divergente aos EUA no futuro. “O Governo Trump tem uma posição em organismos intenacionais pró-vida, que é semelhante ao Governo brasileiro. Um democrata teria uma posição contrária. Não nos alinharíamos a isso”.

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