“Sou microempreendedora. Se não fosse pelo emprego do meu pai, poderia não estar nem comendo”
A renda de Thais despencou com a covid-19. Estudante, que mantinha projeto voluntário de aulas de balé, viu alunas terem de ir à casa dos avós para reduzir despesa com comida em casa
Moradora do Jardim Catarina, bairro com uma das maiores taxas de incidência do coronavírus em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, a estudante de psicologia Thais da Costa Oliveira, de 21 anos, viu seus planos ruírem diante do avanço de casos da doença no Brasil. As aulas na Universidade Federal Fluminense (UFF) foram interrompidas em março, e ainda não há previsão de retomada das atividades presenciais. “A pandemia afetou meus estudos”, conta a aluna do 6º período. “Já perdi um semestre e acho que não voltaremos no próximo. Nem com todos os cuidados do mundo seria possível, já que nossa sala é muito cheia.”
Como a formatura, inicialmente prevista para o fim do ano que vem, terá de ser adiada, Thais também precisou rever a ideia de casamento. O namorado, de 23 anos, trabalha com transmissão de jogos de futebol e ficou sem renda com a paralisação dos campeonatos no país. “É como minha mãe diz: ‘Uma andorinha só não faz verão”, brinca. O casal planejava se casar assim que ela se formasse na faculdade. “Agora, só em 2022.” Amigas da estudante, que tinham casamento marcado para este ano, também cancelaram a cerimônia.
Enquanto refaz projetos pessoais, Thais agiu rápido para evitar que as consequências da pandemia derretessem o orçamento familiar. A mãe é confeiteira, mas a venda de bolos de aniversário despencou na quarentena. “Agora estamos montando kits de festa na caixa, para a galera poder comemorar aniversário em casa.” Já Thais abriu uma loja de papelaria online em fevereiro. O negócio não chegou a decolar devido à pandemia que explodiu no mês seguinte. “Eu pensei: ‘Nossa, decidi começar em um péssimo momento’. Eu estava com expectativa alta de venda. No começo, as pessoas ficaram com pé atrás e deixaram de comprar. Mas agora está indo melhor. Aqui em casa, tivemos que nos reinventar.”
O pai de Thais trabalha com carteira assinada em um escritório no Rio de Janeiro. Chegou a ficar três meses parado. Porém, voltou a dar expediente no fim de junho. “Ele está trabalhando normal. Quer dizer, nesse ‘novo normal”, pondera a estudante. “Minha mãe e eu somos microempreendedoras. Se não fosse por ele, poderíamos não estar nem comendo, como eu vejo minhas crianças, por exemplo.”
Por “minhas crianças”, Thais se refere às alunas em um projeto social. Ela ensina balé para 23 meninas pobres do bairro. “Eu comecei o projeto em 2015. Fiz balé a vida inteira. Era um desejo do meu coração passar isso adiante. Peguei um espaço emprestado e banco os custos com a ajuda das pessoas da comunidade. Como tivemos de parar as aulas, perdemos as doações”, lamenta, preocupada com a situação de vulnerabilidade social das alunas durante a pandemia. “Algumas meninas foram para a casa dos avós, para diminuir a quantidade de gente para comer em casa.”
Um alento em meio à crise é ver o Flamengo, seu clube do coração, jogando depois de três meses sem partidas de futebol. “Foi um alívio grande poder assistir aos jogos de novo. Mas entendo que não era o momento de retomar o futebol, pelo risco de vida que ainda corremos. Mesmo assim, confesso que estou um pouco aliviada de saber que, pelo menos aos domingos, vai ter alguma coisa boa para assistir na televisão.” Entretanto, como os jogos estão sendo realizados sem público, a abstinência de frequentar estádios permanece. “A única coisa que eu realmente tenho saudade de fazer é ir ao Maracanã. Para mim, o Flamengo é um combustível. Se eu estava triste ou feliz, só queria ir para o Maracanã, consumindo o Flamengo 24 horas por dia.” Apesar do aperto financeiro, ela mantém o pagamento das mensalidades de sócia do clube. “Às vezes, é o único dinheiro que sobra no mês, mas faço questão de continuar pagando mesmo nesses tempos de sacrifício.”
Após ser obrigada a engavetar o plano de se casar e sair da casa dos pais, Thais espera que haja mais responsabilidade coletiva para que a pandemia não frustre ainda mais expectativas em seu horizonte. “Fico chocada com a falta de empatia das pessoas, e aflita por não saber quando tudo isso vai acabar. Quando a gente vai poder respirar de novo.”
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