“Há mais de um mês tento pedir o seguro-desemprego na Internet", a fila dos sem qualquer benefício na pandemia
Governo estima que 200 mil brasileiros demitidos durante a crise do coronavírus ainda não pediram o auxílio por enfrentarem dificuldade na solicitação online
Enquanto o desemprego avança no Brasil em meio à pandemia de coronavírus, e atinge 12,9 milhões de pessoas, trabalhadores que foram demitidos relatam dificuldades para conseguir o seguro-desemprego. Com as agências do Sistema Nacional de Emprego (Sine) de Estados e municípios fechadas por conta das regras de isolamento de combate à covid-19, a solicitação do benefício precisa ser realizada de forma remota, pelo site do Governo ou pelo aplicativo Carteira de Trabalho Digital, o que tem sido um obstáculo para alguns trabalhadores.
O pedreiro Rubevando Figuereido, de 34 anos, está há mais de um mês tentando dar entrada no seguro-desemprego. “Já tentei várias vezes na Internet, mas não consigo. Quando ligo para ver se alguém pode me ajudar, ninguém atende”, explica. Com a economia parada no país, o pedreiro conta que não encontrou até agora nenhuma oportunidade de emprego ou mesmo um “bico”. “Preciso muito desse dinheiro para pagar as contas de casa, a situação está muito ruim e esse dinheiro iria ajudar demais”. A mulher de Rubenvando, que é diarista, tem conseguido trabalhar poucos dias da semana, mas recebeu o auxílio emergencial do Governo no valor de 600 reais. “Eu não consigo nem pegar o auxílio, porque tenho direito ao seguro-desemprego, não posso os dois. Hoje estou sem nenhum”, lamenta ele que vive com a mulher e mais três filhos.
O próprio Governo estima que 200 mil brasileiros demitidos durante a pandemia ―entre o fim do março e abril― ainda não pediram o benefício por enfrentarem dificuldade. Os dados oficiais mostram, no entanto, que há queda nos pedidos de seguro-desemprego em relação ao ano passado. De acordo com o Ministério da Economia, 866.735 trabalhadores deram entrada no pedido entre o começo de março e a primeira quinzena de abril de 2019. Em 2020, no mesmo período, foram 804.538. Porém, se forem levados em conta os desempregados que não pediram o seguro estimados pela equipe econômica, o número ultrapassa 1 milhão, ou seja, cerca de 150 mil pedidos a mais que no ano passado.
Para o Governo, os dados mostram a eficácia de políticas de manutenção de postos de trabalho, como a medida provisória (MP) 936, que permite redução temporária de jornada e salário mediante contrapartidas da União. “Por enquanto, neste primeiro instante de crise, passado já mais de um mês, nós não verificamos um aumento do número de pedidos de seguro-desemprego, o que demonstra para nós que a situação está parecida com o que havia no passado, um ligeiro aumento, mas não é nenhuma explosão perto do que pensávamos, o que todos esperavam que poderia acontecer”, disse o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys.
Na avaliação de Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV Ibre, o número de pedidos do seguro-desemprego ainda deve crescer nas próximas semanas já que muitas pessoas que foram demitidas ainda não pediram o benefício. “Quando há uma demissão sem justa causa, há uma série de benefícios que o empregado recebe no momento da rescisão. Acerto, férias, FGTS. Muitos ainda nem começaram a tramitar o pedido do seguro. Só porque não houve um número elevado de pedidos não significa que vários não foram realizados grandes cortes de pessoal no país”, explica. O pesquisador estima que neste ano cerca de 6 milhões pessoas vão perder os empregos.
Nesta quinta-feira, dados divulgados pelo IBGE mostraram parcialmente os primeiros efeitos da pandemia na economia. A taxa de desemprego no Brasil voltou a subir nos três primeiros meses do ano, de acordo com dados da Pnad Contínua, a pesquisa domiciliar mais tradicional do instituto, que agora está sendo feita por telefone por causa da pandemia. O resultado dos três meses encerrados em março, primeiro mês em que o país começou a sentir os impactos da crise do coronavírus, foi de 12,2%, uma alta de 1,3 ponto percentual em relação ao período anterior. Com isso, há 12,9 milhões de pessoas na fila por um emprego. O total de pessoas fora da força de trabalho subiu para 67,3 milhões, batendo novo recorde desde 2012, de acordo com a pesquisa. A alta, no entanto, era já esperada. Geralmente, nos primeiros meses do ano são registrados demissões de trabalhadores temporários do fim do ano e, consequentemente, há aumento da taxa de desocupação.
De acordo com Marcelo Cambria, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI) da USP, o aumento da fila do desemprego está relacionada a uma sazonalidade. “Os números gerais ainda não refletem a pandemia, alguns números específicos como o do varejo, restaurantes e transporte sim. Os aumentos mais fortes do desemprego devem vir na próxima publicação. Podemos esperar uma taxa entre 12,6% até 13,2%. Há também margem para uma informalidade maior e de subemprego”, diz. Como as empresas de pequeno e médio porte são as com menor fôlego para sobreviver de portas fechadas, o professor estima que elas devem ser as que mais irão demitir.
Governo ainda não cravou data para início do pagamento do benefício emergencial
Segundo a o Ministério da Economia, até o fim da tarde desta quinta-feira, 4.776.683 empregos foram preservados com programa de redução temporária de salários e de suspensão de contratos de trabalho durante a pandemia, o chamado BEM (Benefício Emergencial). Ele está atrelado ao seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito caso tivesse sido demitido. No caso da redução de jornada, o benefício equivale ao percentual da redução de salário. Se o trabalhador teve o salário reduzido em 70%, receberá 70% do seguro-desemprego. No caso da suspensão de contrato de trabalho, o BEM equivale a 100% do seguro-desemprego, para trabalhadores de micro e pequenas empresas, e de 70% do seguro para trabalhadores de médias e grandes empresas.A pasta prevê que o programa preservará até 8,5 milhões de empregos em todo o país. Em coletiva, nesta semana, Bruno Bianco, secretário de Previdência e Trabalho, afirmou que a parcela do seguro-desemprego prometida pelo Governo aos trabalhadores cadastrados no programa será pago na semana que vem. O secretário não cravou, no entanto, um dia específico.
Simone Arruda Souza é uma das pessoas que tiveram seu emprego preservado, mas hoje enfrenta um horizonte de incertezas. Desde o dia 16 de abril, teve seu contrato suspenso na loja em que trabalhava em Mauá, no ABC paulista, e não sabe ainda quanto receberá exatamente de contrapartida do Governo e nem quando efetivamente será feito o pagamento. “Pela regra do programa é depois de 30 dias da suspensão. E calculei que devo ter uma perda salarial de cerca de 30% do salário. Mas estamos no escuro porque não tenho certeza dessa estimativa. O difícil é que tudo aconteceu de uma forma muito repentina, será bem difícil cumprir com todos compromissos financeiros já planejados, as contas", explica Simone, que tem dois filhos pequenos. O marido também terá uma redução de salário de 25%, já que as jornadas na fábrica de pneus em que trabalha foram cortadas. “Foi um golpe grande no nosso orçamento. O problema é que as despesas não param, estamos tentando enxugar os gastos com a alimentação, mas teremos um período difícil e incerto nas próximas semanas”, conclui.
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