Prisão de Queiroz foi motivada por ameaças a testemunhas e interferência nas investigações
MP pediu prisão preventiva do ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro porque, segundo as investigações, ele seguia "dando ordens" de onde estava para atrapalhar o inquérito
A prisão preventiva de Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro, o filho zero um do presidente Jair Bolsonaro, foi motivada pelas tentativas de manipular provas, constranger e ameaçar testemunhas e interferir nas investigações sobre o esquema de rachadinhas da Assembleia do Rio de Janeiro (Alerj). O Ministério Público do Rio, que está à frente do caso, encontrou mensagens da esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar ―que também foi alvo de prisão preventiva, mas se encontra foragida―, afirmando que ele seguia dando ordens mesmo escondido. De acordo com o jornal O Globo, a mulher chegou a comparar seu marido a um bandido “que tá preso dando ordens aqui fora, resolvendo tudo”. O policial aposentado foi preso na manhã desta quinta-feira em Atibaia, no interior de São Paulo. Ele estava escondido há mais de um ano no imóvel de Frederick Wasseff, advogado da família Bolsonaro.
A decisão foi tomada pelo juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, com base nos artigos 311, 312 e 313 do Código de Processo Penal. Em suma, autorizam o juiz do caso a decretar a prisão preventiva do investigado em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal “como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. A decisão do magistrado possui 46 folhas, mas o caso se encontra sob sigilo.
A operação, apelidada de “Anjo” ―como o advogado era chamado no clã Bolsonaro―, encontrou um Queiroz sem resistência em Atibaia nas primeiras horas da manhã. Por volta de 10h, depois de passar pelo IML, ele foi encaminhado de helicóptero para o Rio de Janeiro. Em sua decisão, o juiz vedou sua custódia no Batalhão Especial Prisional, onde se encontram policiais presos, e ainda recomendou que Queiroz seja encaminhado para o Complexo de Gericinó, em Bangu. Após pousar no aeroporto de Jacarepaguá, pouco depois de meio dia, os agentes da Polícia Civil levaram Queiroz para o presídio de Benfica, porta de entrada do sistema prisional do Rio. Lá ele teve contato com seu novo advogado, Paulo Emílio Catta Preta, por cerca de 20 minutos. Depois de passar novamente pelo IML, foi encaminhado para o presídio de Bangu, onde chegou às 15h25.
Em declarações à imprensa, Catta Preta afirmou que seu cliente “teme pela própria vida” e que vai entrar com um pedido de habeas corpus ainda nesta quinta. Ele ainda contou que Queiroz ia para São Paulo “com alguma regularidade” para cuidar da saúde. “Desde que ele fez a cirurgia do câncer, há mais de um ano, e recentemente fez uma outra de próstata há dois meses, ele tem ido sempre que necessário para São Paulo, mas não me disse porque estava na casa do advogado [Frederick Wasseff]”, relatou.
De acordo com as apurações de O Globo, o magistrado do TJ do Rio considerou que Fabrício Queiroz e Márcia Oliveira de Aguiar seguiam poderiam, caso seguissem soltos, ameaçar testemunhas. A partir de provas consideradas robustas, ele ressaltou que pessoas já deixaram de ser ouvidas no inquérito por orientação de Queiroz. Uma delas é Danielle Nóbrega, ex-esposa do miliciano Adriano Nóbrega, ex-capitão do Bope que chefiava o Escritório do Crime no bairro carioca de Rio das Pedras e que foi morto em fevereiro deste ano em seu esconderijo pela Polícia Militar da Bahia. Danielle era uma das sete parentes de Queiroz que constaram como assessora de Flávio Bolsonaro ao longo de 10 anos. Ela acabou demitida do gabinete a pedido de seu pai em novembro de 2018, quando as investigações do MP já avançavam. Segundo reportagem desta quinta do EL PAÍS, o pedido de prisão cita o ex-assessor da família Bolsonaro pagou mensalidades escolares das filhas do primogênito do presidente.
O inquérito apura se o senador Flávio Bolsonaro, investigado desde janeiro de 2018, recolhia parte do salário de funcionários fantasmas de seu gabinete entre 2007 e 2018, período no qual Queiroz foi funcionário do então deputado estadual do Rio. De acordo com as investigações, Queiroz, era o responsável em fazer saques e depósitos em dinheiro vivo em das próximas do pagamento dos servidores da Assembleia. O Coaf identificou a movimentação de 1,2 milhão de reais em um ano, um valor incompatível com o patrimônio do policial aposentado.
Entre as movimentações financeiras atípicas está o depósito de um cheque de 24.000 reais na conta de Michelle Bolsonaro, esposa do presidente Bolsonaro. Na ocasião da descoberta, o mandatário falou que se tratava de um pagamento de uma dívida do policial aposentado com ele. As suspeitas contra Queiroz levaram o MP a abrir investigação contra o próprio Flávio por suspeita de lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público).
O MP também vê indícios de que o senador comprou e vendeu imóveis para lavar dinheiro. Entre 2010 e 2017, ele investiu 9,425 milhões de reais na compra de 19 imóveis, entre salas e apartamentos, e lucrou 3,089 milhões nessas transações imobiliárias. Em 24 de abril de 2019, o juiz do caso autorizou a quebra de sigilos bancário e fiscal de Flávio, sua esposa e outras 101 pessoas físicas e jurídicas. Meses depois, em dezembro, o magistrado também autorizou o cumprimento de mandados de busca e apreensão em 24 locais, incluindo a franquia da Kopenhagen em que Flávio é um dos sócios. De acordo com as apurações, a empresa também era usada para lavar dinheiro.
Em abril deste ano, o portal de notícias The Intercept divulgou documentos e dados sigilosos do MP fluminense que apontavam que Flávio Bolsonaro financiou com dinheiro público a construção de prédios da milícia no Rio. De acordo com os investigadores, que falaram com The Intercept em condição de anonimato, o atual senador estaria hoje recebendo o lucro do investimento dos prédios por meio de repasses feitos por Adriano da Nóbrega e Queiroz. De acordo com a reportagem, o então deputado estadual pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Alerj, e Queiroz confiscava cerca de 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope.