Economia mundial crescerá em 2019 e 2020 ao ritmo mais baixo desde a Grande Recessão, segundo a OCDE
Grupo dos países ricos volta a reduzir a previsão de crescimento para 2020 e orienta os Governos a aplicarem estímulos fiscais de longo prazo centrados na emergência ambiental e na digitalização
Os maus presságios sobre a economia global se sucedem semana após semana, relatório após relatório: em outubro foi a vez do Fundo Monetário Internacional (FMI), e agora da OCDE, o clube dos 36 países mais industrializados do planeta. Em um clima de crescente tensão comercial, menor demanda privada e investimentos prejudicados pela incerteza, o crescimento mundial ficará em 2,9% neste ano e no próximo, seu nível mais baixo desde a Grande Recessão de 2008 e quase meio ponto abaixo da média dos últimos cinco anos.
Até aqui, o esperado, salvo por ligeiras correções para baixo, segundo o último relatório sobre as perspectivas econômicas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado nesta quinta-feira. Já em setembro, numa tônica repetida há alguns anos, a organização advertia para a fragilidade da econômica global. O que deve preocupar, e muito, é que a desaceleração não se deve a um “choque cíclico”, e sim a “mudanças estruturais” que os Governos continuam sem realizar. Há os fatores que já poderiam ser descritos como clássicos: as tensões comerciais, apesar dos recentes sinais de distensão entre Washington e Pequim, e geopolíticas. Mas desta vez o órgão comandado pelo mexicano Ángel Gurría acrescenta duas variantes mais: a digitalização e, muito especialmente, a mudança climática, que apontam como problemas “estruturais” que devem ser atendidos com urgência.
“A mudança climática e a digitalização são mudanças estruturais em andamento para nossas economias”, salienta a economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, no começo do último relatório deste ano sobre as perspectivas da economia mundial, apresentado em Paris. A ambos os fatores se soma, continua, que “a política comercial e a geopolítica estão se separando da ordem multilateral da década de 1990”. “Seria um erro considerar estas mudanças como fatores temporários: são estruturais e, na ausência de uma direção política clara nestes quatro temas, a incerteza continuará se abatendo sobre nós, danificando as perspectivas de crescimento.”
O organismo carrega nas tintas contra a “falta de uma direção política” para tentar paliar seus efeitos num momento em que o mundo experimenta um aumento de fenômenos meteorológicos extremos, como furacões e inundações “que poderiam provocar perturbações significativas na atividade econômica de curto prazo, assim como danos de longa duração ao capital e às terras, além de provocar fluxos migratórios desordenados”, enumera Boone. Por isso, insiste, os Governos “devem agir rapidamente”, porque “sem uma orientação clara nos preços do carbono, padrões e regulação, e sem o investimento público necessário, as empresas adiarão decisões de investimento, com nefastas consequências para o crescimento e o emprego”.
O panorama é ruim, mas o risco de recessão permanece longínquo, contrariamente aos lúgubres prognósticos que foram ganhando força nos últimos meses. No entanto, o resfriado nos principais motores de crescimento começa a ser mais que preocupante: das grandes economias, a freada será especialmente brusca na zona euro, que passará de um crescimento de quase 2% em 2018 para 1,2% neste ano e 1,1% em 2020, afetada principalmente por seus dois principais polos industriais, Alemanha e Itália –“em boa medida, como reflexo da maior dependência do comércio internacional”–, e nos Estados Unidos, que passará de beirar os 3% de expansão para 2,3% em 2019 e 2% no próximo exercício, apesar do movimento em geral positivo do consumo.
A economia chinesa, por sua vez, seguirá seu caminho de desaceleração sob o mantra do pouso suave, “embora a desaceleração possa ser mais brusca que o previsto”: em 2020, o crescimento ficará abaixo de 6% pela primeira vez em três décadas, afetado por uma guerra comercial com os EUA que acrescenta um grau adicional de pressão em ambas as margens do Pacífico. Num panorama tão sombrio, a Índia emerge como uma das escassas boas notícias mundiais, com uma expansão que –depois da tesourada do último ano– recuperará o piso de 6% em 2020.
A importância da alavanca fiscal
Embora varie notavelmente entre países –“Os EUA têm mais que a zona do euro e o Japão”, salientam os economistas da OCDE–, a margem dos Bancos Centrais para relançar o crescimento é cada vez mais limitada. Perante este esgotamento, o clube de 36 países convida a dar um passo à frente no investimento público, que mais resistência está encontrando. “Se o crescimento e a inflação se desacelerarem mais do que o previsto, a política monetária deveria continuar a se flexibilizar. Mas [esse movimento] deveria ser acompanhado de estímulos fiscais contracíclicos”, acrescentam os técnicos da OCDE. “Há uma necessidade urgente de ações mais atrevidas para relançar o crescimento, e os Governos devem focar não só os benefícios em curto prazo dos estímulos fiscais, mas também os benefícios de longo prazo. A criação de veículos investidores nacionais poderia ajudar a desenhar planos para encarar as falhas do mercado e levar em conta as externalidades positivas para a sociedade em seu conjunto.”
A margem de ação em política fiscal flutua, e muito, entre os países. As diferenças são especialmente acentuadas na Europa. A OCDE cita explicitamente três casos –Alemanha, Países Baixos e Suécia –de nações com dívida pública em níveis relativamente reduzidos e a atividade econômica tendendo à baixa, onde seria possível “implementar estímulos adicionais” e aproveitar “os juros negativos em longo prazo, que oferecem uma oportunidade para confrontar a escassez de infraestruturas e reforçar o crescimento em longo prazo”. No lado oposto, o organismo apela à prudência em países fortemente endividados e nos quais as projeções não apontam exatamente para uma redução dos passivos em curto e médio prazo: Bélgica, França, Itália e Reino Unido, além do Japão e EUA fora do Velho Continente. Também na Espanha, Portugal e Grécia, onde, embora se preveja uma redução da dívida, “a margem para políticas fiscais discrecionais é limitada”, e uma flexibilização adicional “poderia solapar a sustentabilidade da dívida e reduzir o espaço fiscal para combater futuras recessões”. Em todo caso, a OCDE propõe uma “maior coordenação entre as alavancas monetária e fiscal para fazer frente à desaceleração em um momento no qual a inflação permanece não só sob controle como também em níveis inferiores aos desejáveis em quase todas as economias desenvolvidas”.
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