Grêmio se mobiliza para abolir o termo “macaco” dos cânticos de sua torcida
Após ofensas a jogadores negros no estádio e manifesto de torcedores, clube marca posição contra apelido racista que se enraizou na cultura de arquibancada gremista
A agressividade de torcedores colorados com uma mãe gremista acompanhada do filho nas arquibancadas do Beira-Rio roubou a cena no último clássico entre Internacional e Grêmio. Mas, antes de a bola rolar e de mais um episódio de violência no futebol brasileiro, o Grenal promoveu uma ação conjunta dos dois clubes rivais contra o racismo. Dentro de campo, o time visitante não conseguiu surpreender o Inter e ficou somente no empate. Fora dele, porém, deu o primeiro passo para banir dos estádios uma ofensa racista normalizada por sua torcida.
Por iniciativa da direção, o Grêmio reuniu torcedores e determinou a urgência de banir o termo “macaco”, apelido utilizado há várias décadas em referência a torcedores do Internacional, das letras de músicas na arquibancada. “Precisamos abolir essa palavra da convivência gremista”, explica Nestor Hein, diretor jurídico do tricolor. “O mundo mudou, a sociedade mudou. Somos um clube popular, aberto a todos, com muitas pessoas negras em nossa torcida. Não podemos aceitar que uma expressão tão depreciativa continue sendo empregada com naturalidade.”
Em maio, o atacante Yony González, do Fluminense, foi chamado de macaco na Arena do Grêmio. Colegas de time, como o lateral Igor Julião, denunciaram o vídeo com a injúria racial em redes sociais. O clube gaúcho se comprometeu a apurar o caso e tomar providências, mas não conseguiu identificar o agressor. Recebeu multa de 30.000 reais imposta pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e, em seguida, acabou absolvido após análise de recurso. O risco de mais uma punição pesada por causa do mau comportamento de torcedores contribuiu não só para que o Grêmio criasse um departamento específico para se relacionar com sua torcida, mas também para exercer uma postura menos tolerante com atitudes racistas.
Há cinco anos, o time tricolor foi excluído da Copa do Brasil pelo STJD depois de torcedores terem sido flagrados xingando o goleiro Aranha, que na época defendia o Santos, de macaco. Na época, Patrícia Moreira, torcedora identificada como agressora do goleiro, relatou à polícia que teria proferido a ofensa “no embalo da torcida”. Embora siga considerando injusta a punição, a diretoria gremista promete rigor ao cobrar o banimento do termo nos cânticos. “Quando sentamos para conversar com as organizadas, alguns torcedores se mostraram surpresos. Disseram que nunca haviam replicado esse apelido com intuito racista. Mas temos de compreender que vivemos num novo tempo, em que, para não propagar o racismo, devemos ser antirracistas.”
Na visão de muitos gremistas, de fato, chamar um torcedor rival de macaco não significa um insulto de cunho racista. Defendem que o apelido teria surgido de uma brincadeira com colorados, por supostamente tentarem imitar os tricolores e subirem em árvores para ver os jogos nos primórdios do clube. Com o tempo, os torcedores do Inter incorporaram o apelido e adotaram um macaco como mascote. Entretanto, por entenderem a origem da troça como uma forma de discriminação racial, outra corrente de gremistas milita há bastante tempo pelo fim da utilização do termo.
Em 2017, a Tribuna 77, grupo de torcedores que apoia causas sociais além do futebol, divulgou um manifesto repreendendo o uso da expressão “macaco”. “Em qualquer lugar do mundo, chamar alguém de macaco é visto como ofensa racista. Por que quando se trata de torcedores e jogadores do Internacional seria diferente? Mesmo que tenham pessoas que defendam que no caso Grenal o termo não nasceu racista, não podemos aceitar que [hoje] o termo não signifique uma ofensa racial”, afirmava o manifesto.
Nestor Hein assevera que o Departamento do Torcedor Gremista fiscalizará o cumprimento da resolução que veta o termo na Arena, pregando que o Grêmio deve valorizar os movimentos de sua história que lutaram contra a discriminação, como a Coligay, primeira torcida organizada formada exclusivamente por LGBTs no Brasil. “Nos orgulhamos muito de ter tido uma torcida que levantou a bandeira pelo respeito à diversidade em plena ditadura militar. Um clube diverso como o nosso precisa se posicionar diante de qualquer tipo de preconceito”, diz o dirigente.
Parceiro do clube na ação do último clássico, que deve se repetir no próximo Grenal pelo Campeonato Brasileiro, Marcelo Carvalho, idealizador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, interpreta a atitude gremista como um divisor de águas no engajamento pela causa. “Sempre faltou esse posicionamento oficial da direção”, afirma Carvalho. “Proibir o canto de ‘macaco’ mostra que, institucionalmente, o Grêmio está adotando outro discurso. O racismo não vai acabar de um dia para o outro. Mas o entendimento de fazer um trabalho permanente de conscientização dos torcedores, que não fique restrito apenas a ações pontuais, é algo muito importante para o clube.”
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.