Renato Gaúcho, o técnico narcisista que vê o futebol como ciência humana
Ídolo do Grêmio reconduziu o clube ao topo com injeção de autoconfiança e empatia no vestiário
Renato “Gaúcho” Portaluppi está para o Grêmio assim como Zinedine Zidane para o Real Madrid: um ídolo que conseguiu triunfar dentro e fora das quatro linhas. Também conseguiu algo que nenhum outro brasileiro havia conseguido até então: ganhar a Copa Libertadores como jogador e como técnico. No Mundial de Clubes, faz o torcedor do Grêmio reviver os tempos em que ele, ainda um atacante de 21 anos, marcou os dois gols que garantiram a histórica vitória diante do Hamburgo. Demonstrando a confiança habitual, muitas vezes confundida com soberba, o comandante tricolor jamais se coloca abaixo de seus adversários, seja quem for. “Eu sou campeão mundial e preparei meu grupo para que o Grêmio conquiste o bicampeonato. O Real é favorito, mas precisa provar dentro das quatro linhas”, disse o técnico, em tom desafiador, na véspera da final.
Para desavisados, Renato Gaúcho pode soar prepotente ou parecer encenar um personagem. Já reivindicou ao Grêmio uma estátua em sua homenagem, chegando ao ponto de posar com o próprio busto durante uma entrevista, e repete, sem pestanejar, que foi melhor que a grande estrela do Real Madrid. “Com certeza eu joguei mais que o Cristiano Ronaldo. Ele tem muita força e pouca técnica”. Mas, ao atrair holofotes para suas frases de efeito, o treinador acaba se convertendo em um escudo do elenco. Tem a confiança dos jogadores, aos quais dedica carinho e lealdade. Depois dos treinos, é comum vê-lo cercado pelos comandados, que gargalham ao ouvir suas histórias, principalmente sobre as farras que nunca rejeitava na época de jogador ao lado de parceiros como Romário e Edmundo. Pelos seus cálculos, já saiu com mais de 5.000 mulheres.
A fama de mulherengo e bon vivant contribuiu, em alguma medida, para que a carreira como atleta não tivesse a magnitude anunciada em seu início de trajetória no Grêmio. Foi cortado da Copa de 1986 por ter trocado a concentração da seleção brasileira por uma noitada. Depois do Grêmio, passou sem brilho pela Roma, virou ídolo no Flamengo e também no Fluminense, onde marcou um lendário gol de barriga no clássico Fla-Flu. Pelo clube tricolor, já como técnico, amargou o vice-campeonato da Libertadores, em 2008. Chegou a treinar o Grêmio em duas ocasiões, mas não levantou taças. A trajetória como treinador que, até então, só tinha um título de Copa do Brasil pelo Fluminense parecia caminhar para o ostracismo. Renato é mais carioca que gaúcho. Mora no Rio de Janeiro desde a década de 90. Não dispensa um futevôlei ou chope com os amigos à beira da praia.
No entanto, com a demissão de Roger Machado, ele recebeu uma inesperada nova chance do Grêmio em 2016, depois de um período sabático curtindo as areias cariocas. Embora tenha só 55 anos, Portaluppi não se encaixa na nova geração de treinadores brasileiros encabeçada por Tite, que busca atualização constante e conhecimento em curso de capacitação. Depois de ganhar a Copa do Brasil com o time gaúcho, quebrando um jejum de 15 anos sem títulos nacionais, ele explicou como atualiza seus conceitos no futebol. “Quem precisa aprender, estuda, vai para a Europa fazer curso. Quem não precisa, vai para a praia”. Um de seus grandes méritos é falar a língua dos jogadores. Dispensa jargões e termos técnicos. Enxerga o futebol basicamente como uma ciência humana. Se envolve até mesmo em problemas familiares de jogadores e funcionários mais humildes, a quem já ajudou inclusive financeiramente. “Renato tem o grupo nas mãos. É um ser humano fantástico, solidário, capaz de contornar uma situação ruim com apenas uma palavra”, afirma Romildo Bolzan, presidente do Grêmio.
Amigo dos jogadores, porém disciplinador, ele adota métodos que nada tem a ver com modernidade, como a famosa “caixinha” – multa cobrada dos atletas por cada minuto de atraso nos treinamentos. Nesta temporada, adicionou um pouco de tecnologia em seu repertório ao utilizar um drone para espionar treinos de times adversários. Justificou o recurso alegando que “o mundo é dos espertos”, à revelia do departamento de análise de desempenho do clube. Apegado às próprias ideias, ainda que consideradas obsoletas por seus críticos, conseguiu levar o Grêmio ao tricampeonato da Libertadores com um time recheado de jogadores renegados por outros clubes. Resgatou a confiança de nomes como Bressan, Cortez, Léo Moura, Lucas Barrios e Cícero, que entrou no segundo tempo e marcou o gol da vitória no jogo de ida da final contra o Lanús.
Mexidas eficazes e decisivas, por sinal, são outra marca do trabalho de Renato Gaúcho. Na semifinal do Mundial contra o Pachuca, apostou no jovem Everton, de 21 anos, que anotou um golaço e decretou o placar de 1 a 0 na prorrogação. “Eu confio nos meus jogadores. E confio que, independentemente do adversário, temos condições de ser campeões do mundo outra vez”, disse Renato Portaluppi, que provou-se muito mais que um mero “treinador motivador”, como era taxado antes de fazer o Grêmio jogar o melhor futebol do Brasil. Tanto que a diretoria tricolor já se mobiliza para realizar o desejo do ídolo e construir sua estátua. Um triunfo diante do Real Madrid seria a deixa perfeita para transformar, definitivamente, o mito em lenda.
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