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“Há mais denúncias de racismo no futebol. O pacto de silêncio foi quebrado”

Marcelo Carvalho, idealizador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, expõe casos de racismo associados ao esporte mais popular do país

Marcelo Carvalho, em palestra na UFRGS.
Marcelo Carvalho, em palestra na UFRGS.Divulgação

Durante a infância em Porto Alegre, Marcelo Carvalho aprendeu desde cedo que existiam basicamente dois campos de atuação para um negro experimentar o sucesso e, por consequência, a ascensão social. “Virar músico ou jogador de futebol”, diz. Embora tenha tentado carreira na bola, Marcelo não virou nem uma coisa nem outra. Se formou em administração e logo se especializou em gestão empresarial. Em 2014, ele decidiu conciliar a paixão com uma causa. Fundou o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, onde se dedica em tempo integral a monitorar casos de racismo, homofobia, misoginia e xenofobia relacionados ao jogo que tanto aprecia. O último relatório, com dados de 2017, aponta que as ocorrências de injúrias e ofensas raciais no futebol brasileiro aumentaram. Há quatro anos, se restringiam há 20 episódios. Na última temporada, subiram para 43. Segundo o pesquisador, a sociedade começa a reconhecer o racismo como um problema, apesar da condescendência em punições a agressores e instituições racistas.

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Pergunta. Houve evolução no enfrentamento ao racismo no futebol desde a criação do Observatório?

Resposta. De 2014 para cá, tenho observado mudanças. Há uma conscientização maior dos torcedores e jogadores, que começam a entender que estádio de futebol não é lugar de vale-tudo. Não dá pra saber se é uma percepção genuína de “realmente, não podemos mais cometer atos de racismo” ou se parte de um receio de punição ao seu clube. Mas o fato é que as pessoas estão denunciando mais. O pacto de silêncio foi quebrado. Além do Observatório, é crescente o número de movimentos que lutam contra vários tipos de preconceitos no futebol. Isso ajuda a encorajar vítimas de ofensas racistas.

P. Como surgiu a motivação para criar um espaço que contabilizasse esses casos?

R. O que mais me inquietou foi sempre ter ouvido que o futebol era um espaço democrático, onde negros não sofriam racismo. Essa história de democracia racial é uma falácia, principalmente no futebol. Os espaços para os negros são bem demarcados. É difícil encontrá-los nos setores mais nobres dos estádios, na gerência dos clubes, em posições de confiança nos times, seja como capitão, goleiro ou treinador. Isso me motivou não só a abraçar a causa, mas a buscar uma forma de mostrar como o esporte ainda não é um ambiente inclusivo para o negro.

P. Clubes e federações têm dado a devida atenção ao debate sobre racismo no futebol?

R. Em 2016, o Ooservatório firmou uma parceria com o Vasco, que cedeu sua estrutura para lançarmos o relatório daquele ano. Vejo o Bahia avançando em campanhas de valorização de personalidades negras. A CBF desenvolve a campanha “Somos todos iguais”, algo protocolar, que não se aprofunda nas causas do racismo. Em linhas gerais, o que temos são ações pontuais e meramente paliativas, a maioria delas voltadas para o dia 20 de novembro. É preciso ir além. O Internacional, por exemplo, se autointitula o “clube do povo”, mas tem poucos negros como conselheiros, raríssimos dirigentes e técnicos negros em sua história. Conseguimos contar nos dedos. É a realidade de todos clubes brasileiros. Não dá pra dizer que tal time não é racista porque já teve um ídolo ou até um presidente negro. São exceções que confirmam a regra.

P. Quais caminhos devem ser tomados para mudar a cultura racista dentro das instituições, além de combater os insultos nos estádios?

Campanha da FIFA contra o racismo na Copa das Confederações 2013.
Campanha da FIFA contra o racismo na Copa das Confederações 2013.Getty Images

R. O primeiro passo é a sociedade brasileira se reconhecer como racista. Nesse aspecto, a mídia tem um papel fundamental. Não pode ficar só na denúncia, no sensacionalismo. É preciso mostrar que as manifestações preconceituosas não se tratam de casos esporádicos e instituir um debate permanente. O que podemos fazer para que o futebol deixe de ser racista e para que os clubes abram portas para os negros? Nem a política conta com o espaço dedicado ao futebol na televisão. Essa popularidade torna a conscientização sobre o racismo acessível a muita gente que, fora do contexto do esporte, poderia desprezar o assunto. Em segundo lugar, precisamos estabelecer limites. Em termos de leis e punição, não tivemos avanço. O número de condenação de clubes e agressores é irrisório. Os casos aumentaram, mas as punições diminuíram.

P. De que forma os preconceitos que vigoram em nosso dia a dia se refletem na esfera do futebol?

R. As pessoas veem um negro dirigindo um carro importado e já vão logo tentando lembrar em qual time ele joga. Está implícito na sociedade que o negro só consegue ascender como músico ou jogador de futebol. Depois que ele entra nesse meio, percebe que seu espaço é apenas para jogar. As posições de comando são restritas aos brancos e administrações familiares. Enfrento muitas barreiras e recebo pouco apoio, mas insisto em manter o Observatório porque acredito que a informação é uma ferramenta efetiva para acabar com o racismo. Só teremos um futebol e um país melhores quando o combate à discriminação racial se tornar uma prioridade.

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