Masturbação coletiva em vestiário expõe a intolerância do ‘futebol para macho’
Todos negam a homofobia, mas recorrem a preconceitos para seguir alimentando o maior tabu da bola
Um vídeo em que um homem aparece masturbando outros dois, filmados por um quarto elemento. São 11 segundos que passariam despercebidos, em meio à enxurrada de sexting que circula diariamente por grupos de Whatsapp, não fosse o fato de ter quatro jogadores de futebol como protagonistas. Após o efeito viral nas redes sociais, todos os envolvidos acabaram dispensados do Sport Clube Gaúcho, que disputa a terceira divisão do Rio Grande do Sul.
As cenas captadas no vestiário mostram atletas nus em uma brincadeira sexual que vazou e movimentou a rotina do time de Passo Fundo, que, pela primeira vez em seus quase 100 anos de história, ganhou as páginas do noticiário nacional. O presidente do clube, Gilmar Rosso, tratou de negar prontamente que o desligamento dos quatro jogadores tivesse contornos homofóbicos. Justificou a decisão alegando indisciplina. “Fizeram isso para tirar sarro. Nem acho que sejam gays, mas agora eles terão de provar que não são”, afirmou o presidente, como se orientação sexual fosse algo a ser provado antes que possam prosseguir suas carreiras em outro clube.
Trata-se de jogadores expostos pelo vazamento de material íntimo – isso, sim, uma prática condenável e punível legalmente – e abandonados à própria sorte pelo clube que se julga prejudicado na história. O desempenho deles em campo não está em questão. Receberam pena por atitude considerada inadmissível em um meio que assimila com muito mais facilidade a perpetuação de dirigentes corruptos no poder, por exemplo. Pela semelhança do escudo das equipes, muitos torcedores atribuíram o vídeo a atletas do Juventude. O time de Caxias do Sul chegou ao ponto de divulgar uma nota oficial para refutar qualquer relação com as imagens e, acuado pela chacota dos rivais, promete processar quem disseminou o boato de que a filmagem envolvia seus jogadores.
No fim, todos negam a homofobia, mas recorrem a argumentos preconceituosos para seguir alimentando o maior tabu do futebol. Desde cedo, jogadores são educados a adotar comportamentos que transbordem virilidade e imposição pela força. Quando criança, tive um treinador que usava frequentemente uma expressão, que ele adotara como discurso motivacional, para que não esmorecêssemos a cada dividida mais brusca: “Levanta, futebol é coisa para macho!”
A ideia de que o esporte se resume ao universo masculino não é prejudicial apenas à mulher, que tem de travar batalhas diárias para ser aceita nos gramados, mas também aos homens que amam o jogo e não compactuam com sua lógica discriminatória. E, sobretudo, a quem se recusa a abraçar comportamentos preestabelecidos que delimitam fronteiras entre o que é aceito e o que é vedado pela cartilha machista do futebol.
Richarlyson, mesmo sem nunca ter aberto sua orientação sexual, sofre com o preconceito ao longo de uma carreira consagrada por vários títulos. Já foi ameaçado pela torcida do São Paulo, rechaçado por organizadas e dirigentes do Palmeiras, quando o clube cogitou contratá-lo, e hostilizado por alguns torcedores na chegada ao Guarani, sua equipe atual. Emerson Sheik precisou se retratar com a torcida corintiana depois de publicar foto em que dava um selinho no amigo Isaac Azar. Antes, Ronaldo, na tentativa de contornar um escândalo, já havia ido a público explicar que teria abortado programa de sexo ao constatar que as ofertantes do serviço eram travestis.
Por outro lado, nenhum constrangimento semelhante ao dos quatro jogadores do Gaúcho foi sofrido pelo Ronaldinho mais famoso do Rio Grande do Sul quando suas imagens se masturbando diante de uma suposta mulher misteriosa ganharam a internet. Nem mesmo Romário, que sempre se gabou de ter feito sexo com uma ex-namorada no vestiário do Maracanã. No início do ano, o Passo Fundo, da mesma cidade do Gaúcho, anunciou a contratação do zagueiro Saimon. Ele ficou marcado em 2014, no Grêmio, depois do vazamento de um vídeo de sexo com duas mulheres. O clube da capital gaúcho prestou-lhe apoio jurídico e garantiu o cumprimento integral de seu contrato.
O “futebol para macho” segue de portas fechadas à diversidade. O “futebol para macho” nega que, assim como em qualquer atividade, abrigue profissionais de distintas orientações sexuais. O “futebol para macho” faz de tudo para que gays não se atrevam a revelar que dividem o mesmo gramado dos típicos machões de chuteira e cara de mau. O “futebol para macho”, apesar de tudo, não se assume como homofóbico. O reino do “futebol para macho” desmorona diante de um ato de masturbação em grupo no vestiário. E as reações vilipendiosas ao episódio de Passo Fundo são apenas mais uma prova de que a luta por igualdade no esporte ainda tem um árduo caminho a percorrer.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.