Seleção revê Alemanha como antítese a ‘Brasil do 7 a 1’
Time dirigido por Tite se consolida como sopro de esperança em um país sacudido pela crise política, a escalada da violência e os escândalos de corrupção na CBF

O Brasil enfrenta a Alemanha nesta terça-feira, em Berlim, com o espírito relativamente leve, apesar de todo o simbolismo do confronto. Pela primeira vez em jogos oficiais, a seleção brasileira principal reencontra os algozes da última Copa do Mundo, que lhe impuseram um humilhante 7 a 1 em pleno Mineirão. De lá para cá, tanto a seleção quanto o país passaram por muitas transformações. O “7 a 1”, inclusive, é motivo de piada entre os brasileiros. “Todo dia é um 7 a 1 diferente” virou expressão popular para demonstrar insatisfação diante de qualquer coisa, seja por um alagamento causado pela chuva, seja pelos escândalos que dominaram o campo da política.
Depois do 7 a 1, o país experimentou eventos traumáticos em vários aspectos. Dilma Rousseff reelegeu-se presidente, mas, em menos de dois anos, acabou destituída por um controverso processo de impeachment. Luiz Inácio Lula da Silva, seu antecessor, foi condenado recentemente a 12 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Aécio Neves, que representava os anseios de um “novo Brasil” para a ala opositora aos governos de Lula e Dilma, também naufragou na onda de atos ilícitos revelados pela Operação Lava Jato. Situação semelhante à do sucessor de Dilma na presidência, Michel Temer, que, além das suspeitas de corrupção, tem seu governo rejeitado por mais de 2/3 da população brasileira. Os índices de violência disparam em um país que contabiliza uma pessoa assassinada a cada 9 minutos, em média, principalmente no Rio de Janeiro, que está sob intervenção federal desde fevereiro e ganhou o noticiário internacional após o assassinato da vereadora Marielle Franco.
No que se refere ao futebol, a Copa do Mundo deixou cicatrizes bem mais profundas que o 7 a 1. Atualmente, 10 dos 12 estádios que receberam jogos do Mundial em 2014 são investigados por superfaturamento e desvio de dinheiro em obras. Alguns deles, como a Arena da Amazônia e o Mané Garrincha, que custou quase 2 bilhões de reais e deve se converter em casa de shows para evitar novos prejuízos ao governo do Distrito Federal, se tornaram “elefantes brancos”. O Maracanã, que já foi o maior estádio do mundo, tem sofrido com a falta de dinheiro para manutenção e, nos últimos dois anos, amarga uma média inferior a 25.000 torcedores por jogo.
Houve mudanças significativas também no comando da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Menos de um ano depois da Copa, em maio de 2015, o então presidente José Maria Marin era preso na Suíça em operação do FBI que desencadeou o escândalo de corrupção da FIFA. Marco Polo Del Nero, sucessor de Marin, foi banido pelo Comitê de Ética da entidade no fim do ano passado. Antes, Ricardo Teixeira, que comandou a CBF por mais de duas décadas, já havia sido afastado do cargo por suspeitas de corrupção. Com três presidentes derrubados por escândalos em sete anos, a confederação ainda não conseguiu receber o fundo de legado de 300 milhões de reais prometido pela FIFA para investimentos em cidades que não sediaram a Copa do Mundo. “Fora do campo, só tenho a lamentar pelo futebol brasileiro”, diz o ex-jogador Zico, que chegou a pleitear a presidência da FIFA em 2015, mas descarta a possibilidade de articular uma candidatura à confederação nacional. “Não existe democracia na CBF. Os dirigentes que lá estão querem se perpetuar no poder.”
Ironicamente, a seleção brasileira, responsável por eternizar a expressão de fracasso do 7 a 1, hoje já não se encaixa no termo, pelo menos dentro de campo. Sob a batuta de Tite, que substituiu Dunga após uma malfadada segunda passagem pelo comando canarinho, a equipe deslanchou. Foram 10 vitórias e dois empates nas Eliminatórias sul-americanas, que garantiram ao Brasil o primeiro lugar na competição e a vaga antecipada na Copa do Mundo. Como técnico da seleção, Tite sofreu apenas uma derrota no amistoso contra a Argentina, em junho de 2017. Em ano de Copa e eleições presidenciais contornadas por um cenário de descrença política generalizada, a seleção brasileira tem deixado o trauma do 7 a 1 no passado ao se consolidar como um sopro de esperança – ou um pedaço de Brasil que dá certo – para os brasileiros.
“A impunidade me machuca tanto quanto a desonestidade de políticos que colocaram o país nessa situação”, afirma Tite. “Mas o foco do nosso trabalho é a Copa do Mundo, em buscar a vitória a partir do jogo limpo. Queremos fazer com que os brasileiros sintam orgulho dos jogadores e da seleção.” Embora tenha sofrido críticas por algumas escolhas em convocações, como as do zagueiro Rodrigo Caio e do atacante Willian José, o treinador é quase uma unanimidade no Brasil. Da mesma forma, é praticamente unânime a impressão de que boa parte dos méritos pela recuperação da seleção brasileira pertence a ele e a sua comissão técnica, não aos dirigentes da CBF – contra os quais o próprio Tite direcionava críticas públicas antes de assumir o cargo.
Tite conseguiu montar uma ilha de excelência dentro do ecossistema da cartolagem corroído por negociatas e pagamentos de propina. Entre seus principais feitos se destacam a adoção de um sistema tático que privilegia as funções executadas pelos jogadores em seus clubes, a filosofia de trabalho apoiada em um moderno departamento de análise de desempenho e o senso de equipe integrado à seleção, sobretudo por diminuir a dependência de Neymar. Assim como na semifinal da Copa do Mundo, o craque se recupera de uma lesão no pé direito e não enfrenta a Alemanha nesta terça-feira. Mais uma oportunidade para o técnico testar jogadores e sanar as últimas dúvidas antes da convocação final para a Copa.
Tanto Tite quanto os jogadores se esforçam para rechaçar qualquer clima de revanche no reencontro com os alemães. Todos sabem que devolver uma derrota em amistoso jamais atenuará o vexame de ter sido eliminado em casa com a maior goleada da história em uma semifinal de Copa do Mundo. Um sentimento parecido com o de 2016, quando o Brasil sagrou-se campeão olímpico pela primeira vez ao bater o time sub-23 alemão nos pênaltis. O triunfo histórico esteve longe de ser tratado como uma vingança, mas serviu para dar confiança a jovens jogadores que ganharam espaço com Tite, como o zagueiro Marquinhos e o atacante Gabriel Jesus – os dois únicos titulares remanescentes da final olímpica que enfrentam a Alemanha novamente.

Dos 25 convocados por Tite para o amistoso, somente quatro estiveram em campo no 7 a 1: Fernandinho, Marcelo, Paulinho e Willian. Daniel Alves e Thiago Silva também faziam parte do grupo comandado por Luiz Felipe Scolari, mas não atuaram na tarde fatídica do Mineirão. Pelo lado germânico, o técnico Joachim Löw já adiantou que fará vários testes na equipe, poupando titulares como Ter Stegen, Ozil e Thomas Müller. Ainda assim, o discurso de respeito à seleção brasileira se mantém. “O Brasil mudou completamente. Houve muita evolução nos últimos anos. É um time que se defende com todos os jogadores e tem um dos melhores ataques do mundo”, disse Löw às vésperas do duelo. Uma nova derrota para a Alemanha dificilmente abalará a confiança de Tite, muito menos seu prestígio, na jornada pelo resgate de credibilidade da seleção brasileira. Já uma vitória, ainda que tão convincente como o 3 a 0 sobre a Rússia na última semana, não vai apagar a eterna sombra do 7 a 1, tampouco dará aos brasileiros uma dose de otimismo em meio às crises vividas pelo país. Pode servir apenas para confirmar que a seleção, sim, está no rumo certo.
Mais informações
Arquivado Em
- Seleção Brasileira
- Equipe alemã
- Neymar
- Copa do Mundo 2014
- Michel Temer
- Crises políticas
- Partidos amistosos
- Copa do Mundo Futebol
- Seleções esportivas
- Copa do mundo
- Seleção Brasileira Futebol
- Futebol
- Brasil
- Competições
- Esportes
- América
- Política
- Seleção Futebol Alemanha
- Copa do Mundo 2018
- Adenor Bacchi 'Tite'
- Crise governo
- Intervenção federal
- CBF
- Joachim Löw
- Berlim