Tite, o técnico que transformou uma geração desiludida na primeira seleção classificada para a Copa
Eficiência e popularidade do treinador, cotado até para a presidência da República, ajudam jogadores marcados pelo 7 x 1 a superar o injusto rótulo de "mimados"
Não há dúvidas de que o renascimento da seleção brasileira passa por um nome. Apesar da fase excepcional vivida por Neymar, é impossível descolar de Tite a maior parcela dos méritos pela retomada do bom futebol. “Devemos muito ao Tite, porque ele mudou praticamente tudo”, analisou o lateral Marcelo depois da vitória de 3 x 0 sobre o Paraguai, que fez do Brasil a primeira seleção classificada para a Copa do Mundo 2018 nas Eliminatórias – a Rússia já estava garantida como país-sede.
Porém, “mudou praticamente tudo” não é a melhor definição para o trabalho de Tite. Em menos de 10 meses no cargo, o treinador impôs sua filosofia sem grandes revoluções. A formação da equipe pouco difere daquela que naufragou com Dunga, seu antecessor. Mas, ao fazer o time jogar coletivamente, ele ajudou a melhorar o rendimento de peças importantes como Neymar, que hoje atua com mais liberdade e menos individualismo. A facilidade no trato com os jogadores soma pontos a favor de Tite. Assim que assumiu o posto, o técnico telefonou tanto para Marcelo, que marcou o terceiro gol diante do Paraguai, quanto para Thiago Silva, o capitão destituído que também havia sido preterido por Dunga. Sabia que precisava recuperar a confiança dos jogadores, que, por sua vez, já não confiavam mais no antigo treinador.
Dunga sempre foi uma figura disciplinadora. O ex-volante teve méritos em sua primeira passagem no comando, entre 2006 e 2010, ao reforçar o comprometimento dos jogadores com a seleção. Entretanto, não era o perfil de técnico ideal para lidar com os traumas de um novo fracasso brasileiro em uma Copa sediada no país. Comprometimento nunca foi um problema para Neymar, Marcelo, Coutinho e companhia, que sofreu com a injusta pecha de “geração mimada” durante o período turbulento entre Copa e Olimpíada. Faltava organização, jogo coletivo e respaldo para suportar momentos de pressão. Mas, ao escolher Dunga, a CBF despejou gasolina na fogueira.
Pouco simpático, sem muita habilidade para rebater críticas de torcedores e imprensa após a mal digerida eliminação na Copa de 2010, Dunga voltou ao cargo com alto índice de rejeição. Somada ao clima de desilusão instalado pelo fatídico 7 x 1 para a Alemanha, a impaciência com o treinador se transferia para o time. Dunga conseguiu acumular 11 vitórias consecutivas depois do Mundial. Nem isso foi suficiente para ganhar a confiança do torcedor. Ainda que enfileirassem triunfos, os jogadores estavam submetidos a constante pressão. E a pilha de nervos que afetou o grupo na última Copa do Mundo voltou a se manifestar quando Brasil foi testado em competições oficiais, culminando em dois tropeços seguidos na Copa América.
Tite, ao contrário do antecessor, é uma unanimidade. Depois de um período sabático, em que se dedicou ao aperfeiçoamento da carreira, ele voltou melhor e conduziu o Corinthians a mais um título nacional enquanto a seleção patinava com Dunga. Sua idolatria é tão incomum para um treinador de seleção que, uma pesquisa de opinião divulgada na última quinta-feira, revelou que 15% dos entrevistados votariam em Tite para presidente do Brasil.
A diferença é clara. Na vitória sobre o Paraguai, a oitava consecutiva nas Eliminatórias, feito que nenhum outro técnico alcançou na história, os torcedores ovacionaram Tite na Arena Corinthians e demonstraram uma paciência que não existia com a equipe de Dunga. As arquibancadas gritaram o nome de Neymar até mesmo quando ele desperdiçou um pênalti e parecia pouco inspirado antes de marcar o golaço que encaminhou a vitória.
Tite tem visão tática e conceitos modernos. Mas, como técnico de seleção, não dispõe de tanto tempo como nos times que treinou para enraizar suas convicções. Ciente dessa limitação, adotou o pragmatismo ao orientar que cada atleta reproduza o que faz em seu clube. “Meu trabalho é potencializar a qualidade dos jogadores. Isso passa por aproveitar o que eles recebem de outros treinadores em suas equipes”, explicou o técnico após a partida contra o Paraguai. Um exemplo é Philippe Coutinho, que, no Liverpool, atua pelo lado esquerdo do campo. Como se trata da mesma posição ocupada por Neymar na seleção, ele foi deslocado para a direita, mas reproduz a mesma função tática que executa no clube inglês. Tanto que, embora tenha finalizado de canhota, o primeiro gol do Brasil sobre os paraguaios saiu em um lance semelhante à sua jogada característica sob o comando de Jürgen Klopp.
Há muito do dedo de Tite em um time que saiu da sexta colocação nas Eliminatórias para uma arrancada que garantiu a vaga na Copa com quatro rodadas de antecedência. Agora, o desafio é manter o nível de concentração até o Mundial e torcer para que questões internas da CBF não interfiram em seu trabalho. Apesar da euforia, o presidente da confederação, Marco Polo Del Nero, ainda é um dos dirigentes indiciados pelo FBI no escândalo de corrupção da Fifa. Ao contrário da seleção, sua presença na Rússia é incerta, já que ele não viaja para fora do país por medo de ser preso.
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