Uma mobilização feminista de alcance global
Protesto pelo Dia Internacional da Mulher 2018 foi especialmente relevante na Espanha e fez muito ruído na Argentina e Turquia. Manifestação também teve eco na França e Itália, e eventos do Brasil à Arábia Saudita
O feminismo conseguiu nesta quinta-feira tornar global sua luta, apesar de a adesão às mobilizações ter sido desigual. A campanha para denunciar o assédio sexual no trabalho, #MeToo, deu um novo impulso às reivindicações no Dia Internacional da Mulher. A mobilização foi especialmente relevante na Espanha, onde milhões de mulheres aderiram a uma greve geral, em um protesto histórico, sem precedente no país e em todo mundo. Na América Latina, a Argentina foi, mais uma vez, o país com a maior mobilização. No Brasil, houve protestos em cerca de 50 cidades, com a participação de milhares de mulheres em São Paulo e no Rio de Janeiro, apesar da chuva. Mas o 8 de março rompeu barreiras em lugares insuspeitos como alguns países muçulmanos. Houve manifestações importantes na Turquia e, no Iraque, 300 mulheres correram pelas ruas de Mossul na primeira maratona celebrada na cidade libertada do Estado Islâmico há oito meses. Na Arábia Saudita, um grupo de mulheres saiu correndo pelas ruas, uma das liberdades adquiridas com a política de abertura do novo príncipe herdeiro, Mohamed Bin Salman. Centenas marcharam em Cabul, capital do Afeganistão, algo impensável sob o regime talibã.
Espanha
A impressionante mobilização das mulheres na Espanha repercutiu no mundo todo. Em uma jornada em que todos os participantes qualificaram como histórica, o movimento feminista obteve uma mobilização sem precedente, com centenas de concentrações em todo o país, uma greve geral, paralisações parciais com mais de cinco milhões de trabalhadores e manifestações maciças. No final da tarde, grandes protestos tomaram o centro das principais cidades do país. “Paramos para mudar o mundo”, ouviu-se em Barcelona, durante uma passeata que reuniu mais de 200.000 pessoas, segundo a polícia. Um número similar se reuniu na capital, Madri, onde o protesto teve o apoio dos principais partidos políticos, exceto o Partido Popular (centro-direita) no Governo. “Não estamos sozinhas, faltam as assassinadas”, dizia um dos cartazes da manifestação de Sevilha, em que participaram 120.000 pessoas.
Brasil
O protesto maior juntou milhares de pessoas na Avenida Paulista de São Paulo sob slogans como “Mulheres sem medo de lutar”. Lá houve gritos e faixas não só contra o machismo e o feminicidio, mas também contra o Governo Temer e a falida reforma da Previdência. “Temer sai, aposentadoria fica”, diziam várias das faixas dos manifestantes. No Rio, uma forte chuva não impediu o protesto no centro da cidade, também com críticas ao Governo Temer. A policia da capital fluminense aproveitou o 8 de março para deflagrar a Operação Alvorada Feminina, na que foram presos, segundo o jornal O Globo, 39 suspeitos de atos de violência contra a mulher.
Em Belo Horizonte, além da manifestação, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais promoveu um evento no centro da cidade, que se estendeu por todo o dia, para pedir mais presença de mulheres na atividade pública. O protesto de Porto Alegre incluiu uma intervenção em que várias manifestantes deitaram na rua para denunciar os 13 assassinatos de mulheres que ocorrem em média a cada dia no Brasil.
O presidente Michel Temer, que no 8 de março do ano passado protagonizou uma gafe muito polêmica por reduzir o papel da mulher à sua capacidade para organizar o lar, fez este ano um ato muito discreto. Temer defendeu a igualdade salarial entre homens e mulheres lembrando que a Constituição garante os mesmos direitos para todos.
Argentina
A luta feminista se transformou em um assunto-chave na Argentina. E por isso o país foi palco da maior mobilização pelo Dia da Mulher na América Latina, com manifestações muito importantes, especialmente em Buenos Aires, onde milhares de mulheres de todas as idades, mas principalmente jovens e adolescentes, pararam o centro da cidade. A reivindicação por igualdade entre homens e mulheres dominou por completo a jornada. Juntando-se à onda, o presidente Mauricio Macri anunciou uma lei contra a disparidade salarial, que na Argentina passa de 27%, segundo estatísticas oficiais. A ex-presidente e referência da oposição Cristina Kirchner destacou a “grande mudança cultural” que está acontecendo em um país tradicionalmente machista. Até no mundo do futebol, em principio tão alheio à luta feminista, alguns dirigentes, jogadores e treinadores protagonizaram um vídeo defendendo a igualdade e destacando dados especialmente duros da realidade do machismo argentino, em especial o fato de que, apesar da luta, ainda em 2018 a cada 30 horas uma mulher é morta por seu companheiro.
Venezuela
Na praça Brión de Chacaíto em Caracas, as organizações de mulheres integradas na chamada Rede Laranja denunciaram a situação de seus direitos em meio à grave crise política, econômica e social que vive a Venezuela. O ato defendeu as mães e esposas dos detentos políticos, os mortos em protestos e as mulheres que também estão na prisão e que foram vítimas da repressão do Governo. “Em um país que está indo para trás, os direitos das mulheres só podem deteriorar-se”, aponta a psicóloga social e criminologista Magaly Huggins, membro do Observatório de Direitos Humanos das Mulheres.
México
A jornada se encerrou com uma passeata feminista na Cidade do México que tinha como principais reivindicações o fim da disparidade salarial — apesar de 53,4% das pessoas com títulos universitários serem mulheres, os homens ganham quase 17% a mais — e da violência de gênero. As mexicanas exigem ser livres e não corajosas em país onde usar o transporte público é tarefa de risco e diariamente ocorrem sete assassinatos de mulheres, dois deles pelo fato de ser mulher. Só em 2016 foram registrados 2.746 feminicídios no país, segundo a ONU Mulheres.
Estados Unidos
Aparentemente, a comemoração do Dia Internacional da Mulher foi calma nos Estados Unidos. Não houve greves nem mobilizações maciças. Mas há poucas dúvidas acerca do enorme impulso adquirido pelo movimento feminista nos últimos meses em um país que foi dos primeiros a reconhecer o direito das mulheres ao voto, mas que se mantém muito atrasado em algumas proteções sociais. Algumas das passeatas aconteceram em Nova York, San Francisco e Atlanta. O objetivo da mobilização neste ano foi aproveitar o impulso do #MeToo e do Time's Up para que mais mulheres se candidatem a cargos públicos nas eleições de novembro.
França
As mobilizações na França estavam programadas a uma hora exata: as 15h40. Essa é a hora em que, segundo os cálculos das organizações realizadoras, as mulheres deixam de receber durante a jornada de trabalho, de acordo com as cifras sobre a diferença salarial entre homens e mulheres. Se a jornada começa às 9h e terminar às 17h, as mulheres trabalhariam grátis a última hora e meia da jornada. Às 15h40, em diferentes pontos do país, foi convocado um afastamento do trabalho e várias manifestações. A sessão parlamentar da Assembleia Nacional parou por alguns minutos e em Prefeituras e órgão públicos chefes e funcionários fizeram concentrações. Em Paris a concentração foi na praça da República. Na noite anterior, a Torre Eiffel foi iluminada com o lema ‘Agora agimos’. “A luta pelos direitos das mulheres é todos os dias. O 8 de março é uma jornada para recordar nossa determinação e a necessidade desse combate”, disse em uma mensagem no Twitter a prefeita da capital, a socialista Anne Hidalgo.
China
A celebração do Dia da Mulher é mais simbólica que reivindicativa no gigante asiático. foi uma jornada com um tom eminentemente comercial em que as organizações oficiais como a Federação de Mulheres de Toda a China defenderam os avanços da mulher na sociedade durante os últimos anos, mas esqueceram que sua representação na alta cúpula do Partido Comunista ou nos conselhos administrativos das empresas é irrisória. Alguns movimentos contra o assédio sexual no mundo acadêmico, alentados pelo #MeToo norte-americano, foram tolerados nos últimos meses, mas levados à mínima expressão pela censura das autoridades. Houve passeatas em Hong Kong e Taiwan para pedir igualdade salarial e o fim do assédio sexual.
Com informação de Marc Bassets (Paris), Carlos E. Cué (Buenos Aires), Jacobo García (Cidade do México), Xavier Fontdeglòria (Pequim) e Sandro Pozzi (Nova York).
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