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“Woody Allen é obcecado por adolescentes”

Conclusão é de jornalista do ‘Washington Post’ que analisou as 56 caixas do arquivo do diretor “Não há crime e não é tão ruim quanto ‘tirar o pênis de repente’. Mas é anacronicamente repugnante"

Woody Allen, em 2016, durante a rodagem de 'Café Society'.
Woody Allen, em 2016, durante a rodagem de 'Café Society'.Gettyimages

Ele diz que leu de cabo a rabo o arquivo do cineasta Woody Allen: 56 caixas cheias de roteiros, sketches eliminados, cadernos e anotações pessoais guardadas pela Universidade de Princeton (EUA). E, após essa maratona, o jornalista Richard Morgan, do Washington Post, tira uma conclusão que usa como título de seu artigo: “Woody Allen é obcecado por adolescentes”. “Sei disso porque vi toda a sua carreira de perto, seus roteiros, esboços e cenas não utilizadas em seus filmes – físicas e mentais – que se encontram em 57 anos de arquivos que ele reúne desde 1980”, explica Morgan, a primeira pessoa a analisar todos esses documentos, segundo informou a própria Universidade de Princeton.

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É preciso chegar até o final do artigo para achar um esclarecimento que talvez valha a pena adiantar. “Não há nada de criminoso na fixação de um homem de 82 com pessoas de 18, e não é tão ruim quanto ‘tirar o pênis de repente’. Mas é profunda e anacronicamente repugnante. Além disso, Allen não parece preocupado em melhorar ou mudar de forma alguma. Vive, pensa e cria do mesmo jeito que nos anos setenta, há quase meio século”, é uma das conclusões de Morgan. O jornalista fala ainda que Allen é célebre por seu humor e que algumas de suas frases podem ser irônicas, mas isso não muda, para ele, a essência do assunto. Afirma que entrou em contato várias vezes com Leslee Dart, agente do diretor, para que comentasse o artigo, mas ela nunca lhe respondeu.

Morgan diz que a leitura do arquivo “revela uma repetida misoginia” e inclusive questiona a trajetória criativa de Allen. “Ele foi indicado 24 vezes ao Oscar e nunca precisou de ideias além do homem lascivo e sua bela conquista, um conceito em torno do qual fez filmes sobre Roma, Paris, Manhattan, Barcelona, o jornalismo, as viagens no tempo, a revolução comunista, o assassinato, Hollywood e muitas outras coisas”. O autor também destaca que a obsessão pelas meninas permeia “insistentemente” todas as caixas do material.

Morgan então parte para os exemplos concretos. Num texto para um programa de TV jamais realizado, Allen descreve uma “loira sexy e corpulenta de 16 anos num vestido vermelho longo e decotado, com uma ampla abertura num dos lados.” No relato Consider Kaplan, um homem de 53 anos se apaixona por sua vizinha de 17, enquanto sobe com ela no elevador. Em Rainy Day, Allen descreve uma estudante que “não deve ter 20 ou 21, mais parece ter 18, ou até mesmo 17, embora 18 pareça melhor”, ao passo que não esclarece a idade do personagem masculino do texto. E, no rascunho de uma história de 1977 intitulada The Kugelmass Episode, o cineasta fala de um homem de 45 anos fascinado com “as alunas” de um colégio de Nova York. “Ao lado de um dos diálogos desse personagem, Allen anota, e depois apaga, ‘c’est moi’ [sou eu]”, diz Morgan. “A ciência nos decepcionou. É certo que derrotou muitas doenças, quebrou o código genético e inclusive levou os humanos à Lua. No entanto, quando um homem de 80 se encontra sozinho num quarto com duas garçonetes de 18, nada acontece”, reflete Allen em outro rascunho, My Speech to the Graduates.

Além dos textos, o arquivo revela também o comportamento de Allen com algumas de suas intérpretes. Numa entrevista fictícia, o diretor se refere assim à atriz Janet Margolin, que colaborou com ele em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Um Assaltante Bem Trapalhão: “De vez em quando, fui obrigado a fazer amor com ela para obter uma performance decente. Fiz o que tive de fazer, mas de maneira comercial.” A intérprete morreu em 1993. E sobre a modelo espanhola Nati Abascal, que trabalhou com Allen em Bananas, ele diz: “Podia atuar? Sim, descobri, sobretudo em sua defesa. Ela bloqueou minha [mão] quando eu ia tocar sua coxa e colocou seu joelho na minha virilha enquanto discutíamos sobre o show business. Tirei um contrato do bolso que ambos assinamos, mas só depois de eu lhe explicar sobre a obrigação sexual que fazia parte do trabalho das atrizes que colaboram comigo”. O redator do The Washington Post tentou falar, em vão, com um representante de Abascal. Tampouco questiona o fato de que dezenas de atrizes mais ou menos célebres quiseram trabalhar com Allen ao longo de todas essas décadas – a última delas, Kate Winslet, em Roda Gigante, em cartaz no Brasil – e foram indicadas em diversas ocasiões aos principais prêmios de Hollywood por seus papéis. Para Morgan, trata-se de um “jogo de bonecas russas” que resume assim: “Seus troféus continham troféus”. O jornalista também considera que o sucesso de suas atrizes servia para afastar a “escuridão” de Allen dos holofotes.

O artigo, publicado em pleno auge da batalha #MeToo contra o assédio sexual, já gerou as primeiras reações polêmicas. Rose McGowan, um dos principais rostos das denúncias contra Harvey Weinstein – o todo-poderoso produtor de Hollywood acusado de abuso por dezenas de mulheres e cuja queda foi o ponto de partida de um movimento mundial –, alegrou-se no Twitter com o fato de que Allen seja “finalmente desmascarado”. O cineasta já foi acusado por sua filha adotiva Dylan Farrow, em 2014, de ter abusado dela quando tinha sete anos. Numa recente entrevista à BBC sobre o caso Weinstein, Allen disse ter medo de “um clima de caça às bruxas, em que cada homem que pisca um olho para uma mulher num escritório logo tem que chamar seu advogado”.

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