Queda na popularidade de Bolsonaro e CPI aliviam colapso da imagem do Brasil no exterior
Reprovação crescente do presidente, atuação mais incisiva de opositores e instalação da CPI reduzem perplexidade internacional com falta de reação ao projeto de Bolsonaro
A imagem do Brasil no exterior passou por um colapso inédito ao longo dos últimos anos, e o país virou símbolo da negação da ciência, da má gestão da pandemia, do pensamento antiambiental, dos ataques contra a cooperação internacional e da erosão da democracia. Hoje, é muito difícil ler um artigo ou ouvir um debate lá fora sobre um desses fenômenos que não cite o Brasil como mau exemplo. Nos últimos meses, porém, tem se observado uma ligeira melhora na maneira como o país é percebido no exterior.
Para compreender os motivos disso, é preciso lembrar que um dos fatos que mais despertou perplexidade entre observadores internacionais foi a falta de uma forte reação da oposição ou mesmo da população brasileira em geral à postura negacionista do presidente durante o primeiro ano da pandemia.
Diferentemente da população estadunidense, que não reelegeu Donald Trump devido a sua péssima resposta à crise sanitária, ou da de muitos países europeus, onde políticos negacionistas perderam apoio, a brasileira vinha mantendo o presidente Bolsonaro com altas taxas de aprovação. Diferentemente da oposição estadunidense, que não cansava de atacar Trump por sua estratégia de minimizar a ameaça da pandemia à saúde pública, os adversários políticos de Bolsonaro pareciam, aos olhos da comunidade internacional, pouco coordenados e incapazes de fazer frente à avalanche diária de comentários bizarros do presidente, que obtiveram visibilidade internacional. Pesava contra a imagem brasileira o fato de que a reeleição de Bolsonaro em 2022 não era apenas uma possibilidade, mas o cenário mais provável.
Nos últimos meses, porém, três fatores fragilizaram a narrativa, até então dominante lá fora, de que o Brasil parecia insensível à postura de seu presidente. Primeiro: notou-se uma queda nas taxas de aprovação de Bolsonaro. Segundo: pela primeira vez desde que ele assumiu a presidência, entrou no circuito um adversário político capaz de pautar a agenda internacional, articulando um forte contraponto à posição do Governo. Em março, por exemplo, durante entrevista à CNN Internacional, o ex-presidente Lula apontou, um por um, os principais erros do Governo brasileiro que vinham gerando críticas no exterior, desde a má gestão da pandemia até a ameaça autoritária, passando pela postura negacionista na área ambiental. Lula sinalizou à comunidade internacional haver um projeto político alternativo com chances reais de vencer o bolsonarismo em 2022. Terceiro: a instalação da CPI da Pandemia, que tem tido ampla visibilidade no exterior, é vista lá fora como um sinal de que a oposição brasileira não só está reagindo à má gestão da pandemia, como também cumprindo uma de suas funções-chave numa democracia, ou seja, fiscalizar a atuação do presidente da República. Parece certo que, desde a posse de Bolsonaro, os últimos meses foram os menos ruins para a reputação do país no exterior.
Ouvindo autoridades em Washington, Bruxelas, Berlim e Pequim, fica evidente, porém, que nada disso é suficiente para recuperar a imagem positiva do Brasil, algo possível somente com a saída do presidente brasileiro. Uma das tarefas mais árduas de qualquer sucessor, desde que tenha postura verdadeiramente democrática, será buscar reverter o estrago feito na reputação do Brasil ao longo dos últimos anos, que deixou o país diplomaticamente isolado.
Afinal, da mesma forma que a atuação de uma oposição democrática pode reduzir o impacto negativo de um presidente com viés autoritário sobre a reputação do país, a existência de uma oposição com convicções autoritárias pode minar a capacidade de um líder democrático na hora de querer melhorar a imagem do país. Os EUA servem como exemplo disso.
A vitória relativamente apertada de Biden contra Trump no ano passado e o controle que o ex-presidente mantém sobre o partido Republicano reduzem a capacidade do atual presidente estadunidense de alcançar seus objetivos no âmbito externo, entre eles o mais importante: convencer os aliados dos EUA a apoiarem Washington na criação de uma aliança contra a China. O ceticismo dos aliados é fácil de explicar: líderes em Berlim, Londres e Tóquio não podem ter certeza de que Trump não estará de volta à Casa Branca em 2024.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aquiEssa dinâmica terá profundas implicações para a diplomacia do Brasil pós-Bolsonaro. Se um candidato vencer o atual presidente brasileiro por margem estreita, suas promessas de que o Brasil se afastará das posturas bolsonaristas terão bem menos peso do que se Bolsonaro for derrotado de maneira acachapante em 2022.
De fato, quanto mais elevada a chance de o bolsonarismo retornar ao poder no futuro, mais difícil o trabalho do próximo presidente de desfazer o dano na imagem do país desde 2019 ―afinal, trazer o Brasil de volta à mesa dos países comprometidos em oferecer soluções para os maiores desafios globais da atualidade faz pouco sentido se Bolsonaro ou um outro negacionista estiver no Planalto em 2027. Dito de outra maneira, para reerguer a imagem do Brasil e recuperar sua relevância no contexto internacional, o caminho mais seguro será garantir que ideologias radicais como o bolsonarismo voltem às sombras, onde estiveram durante as primeiras três décadas da Nova República.
Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel
Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.