Tribunal Constitucional do Equador despenaliza aborto em casos de estupro
Sentença histórica foi aprovada no plenário da Corte com sete votos a favor e restrições de duas juízas
A Corte Constitucional do Equador decidiu despenalizar o aborto em todos os casos de estupro, e não só quando as vítimas são mulheres com deficiência mental, como previa o Código Penal equatoriano até agora. Com o voto favorável de sete dos nove juízes, foi declarada inconstitucional essa parte do artigo 150, inciso 2º, que só considera o aborto não punível quando “a gestação é consequência de um estupro em uma mulher que sofra de deficiência mental”.
Com seu pronunciamento, a Corte Constitucional do Equador estende a isenção de responsabilidade penal a todas as vítimas, salientando, além disso, que a Constituição do país andino reconhece em seu artigo 66 o direito das pessoas “a tomarem decisões livres, responsáveis e informadas sobre sua saúde e vida reprodutiva, e a decidir quando e quantas filhas e filhos terem”.
Até o final da noite de quarta-feira o texto da sentença da Corte não havia sido divulgado ―apenas o resultado do julgamento, por uma maioria mais ampla que na decisão favorável ao casamento igualitário, em junho de 2019. Naquela ocasião, houve cinco votos a favor e quatro contra. No mesmo ano, três meses depois, a Assembleia Nacional debateu a despenalização do aborto por estupro, mas rejeitou a reforma do Código Penal.
Coletivos feministas comemoraram a notícia como uma conquista social que alivia em parte a situação de vulnerabilidade de muitas meninas equatorianas, em um contexto de normalização de abusos sexuais no âmbito familiar e com volumosas cifras que revelam a realidade da saúde reprodutiva para as menores e jovens equatorianas. É o segundo país da América do Sul, depois da Venezuela, com a maior taxa de gravidez adolescente, com 77,3 em cada 1.000 partos. Segundo a Coalizão Nacional de Mulheres, em um relatório sobre argumentos pela despenalização, 20.052 meninas menores de 14 anos deram à luz entre 2008 e 2018, e todas foram atendidas no sistema de saúde.
De acordo com a organização Surkuna, uma das partes no processo julgado pela Corte Constitucional, 250 mulheres foram denunciadas à Justiça e presas dentro de hospitais públicos por solicitar atendimento por abortos em curso e/ou partos prematuros, sob a suspeita de aborto provocado. Entre 2004 e 2014, estima a ONG, quase meio milhão de mulheres fizeram um aborto no Equador, sendo 85% de forma clandestina ou por automedicação.
Cinco meninas de 10 a 14 anos dão à luz diariamente no Equador. Por sua idade, a lei considera que essas 1.816 gestações por ano são sempre fruto de um estupro. Mas essa mesma lei as condenava. Ou a ter um filho indesejado depois de um episódio de violência sexual, ou a se arriscar a ir presa por interromper a gravidez.
Um dos casos de maior repercussão, no final de 2020, terminou quando o presidente Lenín Moreno teve que pedir desculpas públicas em nome do Estado à mãe de Paola Guzmán, cumprindo uma ordem da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Equador tinha sido condenado a ressarcir a família da jovem de 16 anos que terminou se suicidando depois de passar um ano sendo abusada por um professor 50 anos mais velho. Aconteceu há 18 anos. O responsável nunca foi condenado, e a CIDH reconheceu o abandono da vítima pelas instituições.
Lasso respalda a decisão
O presidente-eleito do Equador, Guillermo Lasso, de tendência conservadora e férreas convicções religiosas, disse em nota que os funcionários do seu futuro Governo acatarão a resolução da Corte Constitucional. Salientou que, apesar de se declarar católico e discordar da decisão, “o verdadeiro coração de um democrata se conhece em momentos como este, quando é capaz de respeitar a autoridade inclusive quando não está de acordo com ela”. Citando a independência de poderes e o caráter laico do Estado como princípios inegociáveis, disse que “não vale que sejam invocados somente quando nos convêm”.
Em seu discurso após a vitória eleitoral, no começo do mês, Lasso tratou de se apresentar ao lado da esposa ―que se pronunciou abertamente nesta semana contra o aborto, qualificando-o de “assassinato”―, como uma espécie de tutor para as meninas estupradas e para os filhos que nascessem dessas gestações forçosas. “Nós seremos seus pais”, proclamou.
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