Por que os casos de covid-19 são recorde no Chile, apesar de ter 45% de sua população vacinada
Os contágios aumentam três vezes mais rápido do que no pior momento da primeira onda, no ano passado, e restam menos de 170 leitos disponíveis de UTI
O Chile vive o pior momento da pandemia, com mais de 8.000 contágios diários nos últimos dias e um recorde de ocupação de leitos de UTI, apesar de 45% da população, 7 dos 19 milhões de habitantes, ter recebido pelo menos uma dose da vacina, segundo os últimos dados divulgados pelo ministro da Saúde, Enrique Paris. A onda atual é mais forte que o pico da primeira, registrada em junho, e alcançou essa cifra muito mais depressa. A excessiva confiança dos cidadãos, derivada justamente da rápida campanha de vacinação, e o início desta quando as novas variantes do vírus já estavam presentes no país são apontados como causas do aumento dos casos.
Nesta nova onda da pandemia foi superado o número máximo de casos diários até então registrado em um dia, de 6.938 infectados, em 14 de junho. Na última sexta-feira foram computados 8.112, novo recorde, embora também tenha sido batido o recorde no número de exames realizados: de cerca de 20 mil naquela data no ano passado para 73.000 na sexta-feira. “Mas no ano passado levamos três meses para subir o morro e agora chegamos à mesma situação, até mais alto, em apenas um mês”, analisa Gabriel Cavada, bioestatístico da Faculdade de Saúde Pública da Universidade do Chile. “Está subindo muito rápido, três vezes mais, de acordo com os gráficos”, acrescenta.
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Segundo diversos especialistas, a população não foi corretamente esclarecida. Eles criticam o Governo de Sebastián Piñera por situar o risco de maneira incorreta e o triunfalismo pelo processo de vacinação. “Só foram destacados os aspectos positivos da campanha e não os perigos que se mantêm”, avalia o médico Mauricio Canals, membro da plataforma ICOVID, iniciativa liderada pela Universidade do Chile, Pontifícia Universidade Católica do Chile e Universidade de Concepción com base em dados oficiais. Além disso, enumera os fatores que teriam causado a nova onda. “Depois do verão, em março as atividades começaram praticamente sem nenhuma restrição. As quarentenas nunca foram eficazes, a mobilidade da população aumentou consideravelmente.” Com a abertura de escolas e shopping centers, em sua opinião, foi passada uma mensagem errada aos cidadãos.
Piñera, cuja gestão da pandemia teve queda de 20 pontos na aprovação, para 38%, em cinco semanas, refuta as críticas. “Nunca subestimamos esta pandemia”, disse o presidente no início da campanha anual contra a gripe. “Sempre pedimos aos nossos compatriotas que mantivessem os cuidados pessoais”, acrescentou o presidente, que ressaltou que cerca de 15 milhões de chilenos estão atualmente em quarentena.
Sem leitos de UTI
O Governo chileno conseguiu estocar vacinas como nenhum outro país da região e, graças a seu forte sistema de atenção primária à saúde, realizou uma campanha ágil e das mais bem-sucedidas do mundo. Mas não tem conseguido deter os contágios: em 13 meses, ultrapassam um milhão e atualmente são 2.883 internados em Unidades de Terapia Intensiva, o número máximo na pandemia, e restando apenas 164 leitos críticos disponíveis em todo o país. Ao excesso de confiança somam-se outros fatores, como a baixa rastreabilidade: metade dos infectados passa mais de três dias livremente antes que o caso seja conhecido pelas autoridades. “Além disso, não foram adotadas medidas antes que ocorressem os fenômenos. De que adianta fechar as fronteiras se as variantes já estão dentro? Praticamente não faz mais sentido”, diz Canals.
Este médico acrescenta que o processo de vacinação, embora tenha sido rápido, não chegou a tempo de produzir efeitos sobre o novo surto de covid-19 no Chile. O início da vacinação em massa foi em 3 de fevereiro e a segunda dose começou a ser aplicada em 3 de março. Apenas 15 dias depois — em 18 de março —, algum grau de imunidade foi alcançado para os grupos maiores de 70 anos e algo para os maiores de 60. “O estado imunitário, portanto, não chegou a abranger a população que está transmitindo a doença, que se situa entre os 30 e os 60 anos. É um grupo que agora começa a ter um pouco de imunidade”, explica Canals.
Doentes cada vez mais jovens
Claro que, por causa do efeito da vacina, a idade das pessoas que ocupam os leitos da UTI está mudando. Hoje, segundo dados oficiais, há mais internados entre 40 e 49 anos (469), do que maiores de 70 (378). Estes últimos excedem por pouco os mais jovens (359 hospitalizados com menos de 39 anos). Mas a letalidade não diminuiu e continua em 2,4%. O que aconteceu no Chile é que a covid-19 começou a encontrar vítimas em outros grupos. Há um mês, por exemplo, cerca de 80% dos mortos tinham mais de 70 anos, mas esse número vem diminuindo. “O que é extremamente preocupante, então, é que o componente de letalidade nos menores de 60 anos vem crescendo”, diz Cavada. Esse fato ameaça levar ao colapso a ocupação hospitalar: “Ao contrário da primeira onda, em 2020, os jovens com condições graves da doença quando entram na UTI passam mais tempo no leito complexo e no ventilador”.
O dr. Canals tem “a esperança de que a partir de agora a curva de letalidade seja quebrada”: “Temos 15% da população com imunidade real e com um aumento significativo”. Ele se sente encorajado por alguns sinais, como a diminuição de pacientes com mais de 70 e até com 60 anos nas UTIs. “Isso sugere que o efeito das vacinas está começando”, diz o acadêmico.
Mas é um quadro incerto. As projeções do bioestatístico Cavada falam de um espaço de crescimento para outras 300 mil infecções, 1,3 milhão no total. Sobre o momento em que esses contágios ocorreriam, ele explica: “Como subimos este morro muito rápido, minha esperança é que a descida seja rápida. Mas eu não tenho nenhuma evidência para garantir isso”.
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Clique aquiSobre o número de mortos, ele também não está otimista. O Chile registra 23.677 mortes — confirmadas com PCR — durante toda a pandemia, mas o Ministério da Saúde estima em 31.151 as mortes prováveis — sem evidências confirmatórias. “Em um cenário funesto, os confirmados com PCR poderiam alcançar uma cifra entre 30.000 a 35.000”, explica o epidemiologista, enquanto os casos prováveis “poderiam chegar a cerca de 45.000”. Ou seja, quase um terço a mais de mortes.
Cavada explica que não há clareza sobre o momento em que esse processo pode ocorrer, embora se incline a pensar que seria “nos próximos dois meses, dada a velocidade dos contágios”. “Prefiro que esse trânsito seja lento e menos doloroso, mas calculo que será rápido e cruel”, afirma. Considerando a estimativa de que no final de julho a população pediátrica poderá ter sido vacinada, entre os 5 e 15 anos, a imunidade coletiva só seria alcançada no final de 2021, ou seja, dentro de oito meses.
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