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Democratas concluem uma acusação contra Trump pensada para a opinião pública

Sucessão de vídeos inéditos sobre o violento ataque ao Capitólio marca o impeachment contra o presidente republicano, acusado de incitação à insurreição

Multidão de seguidores de Donald Trump quebra a barreira de segurança levantada pela polícia diante do Capitólio em 6 de janeiro.
Multidão de seguidores de Donald Trump quebra a barreira de segurança levantada pela polícia diante do Capitólio em 6 de janeiro.ROBERTO SCHMIDT (AFP)
Amanda Mars

O julgamento do ex-presidente Donald Trump no Senado dos Estados Unidos transcorre deixando poucas dúvidas sobre a absolvição do magnata, pelo apoio majoritário de seus republicanos, mas também sobre a finalidade do procedimento de impeachment: uma declaração de repúdio político, um alerta à opinião pública, uma catarse nacional. Os democratas que exercem a acusação utilizaram um arsenal de violentas imagens do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro, muitas delas inéditas até agora, misturadas com as mensagens incendiárias de Trump para deixar sentenciado, pelo menos à história, a forma política que ele representa.

Na quinta-feira os gestores do impeachment, o grupo de congressistas democratas enviados pela Câmara de Representantes (deputados) para agir como promotores, concluíram sua argumentação colocando o foco na atuação do mandatário durante aquele 6 de janeiro em que o ataque ocorreu. A horda de seguidores do republicano, acusado de incitação à insurreição, conseguiu interromper a sessão do Congresso que deveria confirmar a vitória eleitoral de Joe Biden, retomada de noite, com o país em comoção, e certificou a eleição do democrata como presidente. Os atacantes seguiam, segundo a acusação, as “ordens” do presidente, tal como muitos gritavam nas gravações desses momentos.

O chefe do grupo de membros da Câmara, Jaime Raskin, denunciou a “total falta de arrependimento” mostrada pelo republicano naquela tarde e frisou que o mandatário “sabia exatamente o que fazia” e o efeito que causaria com suas palavras quando incitou os manifestantes a marchar rumo ao Capitólio e “lutar como o demônio” para recuperar o país. “Se não veem nisso um crime grave, os senhores estabelecerão um novo limite terrível à conduta presidencial”, resumiu.

A acusação tentou demonstrar que as falas do dia não tinham um sentido figurado, uma vez que respondiam, de acordo com seu argumento, a um padrão de comportamento do ex-presidente em relação à violência —a violência literal— que vem de longe. Nessa linha, Raskin expôs fragmentos de comícios de Trump de 2015 e 2016, em que pedia agressividade contra os detratores que tentavam boicotar o discurso, e suas famosas declarações sobre os neonazistas que protagonizaram os distúrbios de Charlottesville em 2017 (nos quais uma mulher morreu): “Há pessoas boas nos dois lados”. Também resgatou suas palavras agitando os protestos em Michigan, onde um grupo radical planejou o sequestro da governadora, a democrata Gretchen Whitmer.

O primeiro processo de impeachment do republicano, encerrado há um ano, se transformou em um desfile de depoimentos que descreveram uma espécie de diplomacia paralela do presidente à época, julgado por usar o poder presidencial para pressionar a Ucrânia e obter sujeiras que prejudicassem seus rivais políticos, com Joe Biden à frente. Este caso, entretanto, passará à história pelos demolidores minutos de vídeo daquele nefasto 6 de janeiro que causaram espanto nos senadores que devem votar o veredito e muitos dos quais eram alvo da turba.

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Os norte-americanos puderam ver como o agente Eugene Goodman, elogiado por sua ação corajosa durante o incidente, impediu o acesso ao senador republicano Mitt Romney, um crítico habitual de Trump detestado por seus radicais, e o livrou de se ver frente a frente com os manifestantes. Também contemplaram as forças de segurança levando o à época vice-presidente, Mike Pence, rapidamente, escada abaixo com sua família. Pence, um conservador religioso que havia sido fiel escudeiro do presidente durante quatro anos, se negou a boicotar a sessão do Congresso que naquele dia deveria confirmar a vitória de Joe Biden. Alguns atacantes gritaram “Vamos enforcar Pence”. Em outras gravações aparecem os assistentes da presidenta da Câmara de Representantes, a democrata Nancy Pelosi, se refugiando em um gabinete enquanto os atacantes tentam derrubar a porta.

“Isso é de cortar o coração e enche os olhos de água”, disse na noite de quarta-feira o senador Romney. “Estou brava, estou afetada e muito triste, estamos revivendo tudo”, afirmou a senadora Lisa Murkowski, outra republicana também opositora ao ex-presidente que, como Romney, votou a favor de realizar o procedimento de impeachment.

Nesta quinta-feira a acusação também lembrou as palavras que o próprio presidente Trump dirigiu naquela tarde aos seus seguidores, em pleno ataque. Em um vídeo gravado na Casa Branca, o republicano lhes pediu que se comportassem pacificamente, mas elogiou sua atuação, respaldou sua irritação e insistiu na mentira da fraude eleitoral. “Voltem para casa, amamos vocês, são muito especiais, mas precisam ir para casa”. “Essas são as coisas que acontecem quando uma vitória sagrada e esmagadora é roubada de modo agressivo de grandes patriotas que foram tratados mal e injustamente durante muito tempo. Vão para casa em paz e amor. Lembrem desse dia para sempre!”, escreveu pouco antes em sua conta do Twitter.

Nesta sexta-feira começa a vez da defesa do ex-presidente e, como adiantaram fontes dos advogados à rede CNN, tentarão fazer sua exposição em um só dia. Se testemunhas não forem chamadas para depor, o processo durará poucos dias mais. Esse será o julgamento por impeachment mais rápido da história. Para declarar culpado um presidente em um procedimento de impeachment são necessários os votos de 67 dos 100 senadores do Senado, o que significa que pelo menos 17 republicanos precisam se juntar aos 50 democratas para condenar Trump. As contas por enquanto não batem, mas o final desse processo é deixar um precedente de repúdio escrito na história.

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