Câmara dos EUA expulsa republicana extremista e seguidora do QAnon de comissões

Punição a Marjorie Taylor Greene, capitaneada pela maioria democrata em resposta a declarações conspiracionistas da deputada, força seu partido a confrontar os fantasmas do trumpismo

Marjorie Taylor Greene no Congresso, com uma máscara que diz “Trump ganhou”.
Marjorie Taylor Greene no Congresso, com uma máscara que diz “Trump ganhou”.JOSHUA ROBERTS (REUTERS)
Pablo Guimón
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A Câmara de Representantes (deputados) dos Estados Unidos aprovou nesta quinta-feira a destituição da deputada republicana Marjorie Taylor Greene de seus cargos em comissões parlamentares, em uma punição inusitada imposta pela maioria democrata devido ao histórico da parlamentar, eleita em novembro, de abraçar as teorias da conspiração e expressar seu apoio à violência contra seus rivais políticos. A votação colocou os republicanos no dilema de apoiá-la e validar suas teorias tóxicas, ou repudiá-la, alienando a base trumpista. No fim, eles votaram esmagadoramente contra o repúdio, mas a moção teve sucesso com os votos democratas.

Pouco a pouco, à medida que se afastam da sombra de Donald Trump, que cobria tudo, os congressistas republicanos têm de enfrentar os fantasmas de um movimento radical no qual se lançaram sem rede nos últimos quatro anos. Fantasmas representados melhor do que ninguém pela congressista Greene. Aos 47 anos, ela ganhou em novembro uma cadeira na Câmara pela Geórgia, graças, em parte, a um anúncio em que apareceu armada com um fuzil de assalto advertindo os “terroristas do Antifa” a não colocarem “um maldito pé no noroeste da Geórgia”, e a outro em que exibia o mesmo fuzil ao lado de uma colagem com fotos de Alexandria Ocasio-Cortez e outras congressistas jovens de esquerda. Chegou a hora, dizia a candidata, de que “os cristãos conservadores fortes partam para a ofensiva contra esses socialistas que querem destruir o nosso país”. Ela derrotou seu rival democrata com 74% dos votos. E sua atividade neste seu primeiro mês no Congresso se concentrou em andar com uma máscara que diz “Trump ganhou”, defender falsa e reiteradamente que o republicano ganhou as eleições de novembro por goleada e redigir alguns artigos rasos de impeachment contra o presidente Joe Biden, um dia depois da posse do democrata, alegando “abuso de poder”.

Greene expressou seu apoio a várias teorias da conspiração da extrema direita, entre elas QAnon e Pizzagate, que dizem que as elites democratas e de Hollywood são uma seita de pedófilos e canibais adoradores de satã, e a de que Bill e Hillary Clinton teriam assassinado meia centena de associados. A congressista afirmou ainda, segundo pérolas de suas atividades nas redes sociais reveladas nas últimas semanas, que os recentes incêndios florestais na Califórnia podem ter sido causados por um laser espacial controlado por banqueiros judeus. Também compartilhou um vídeo no qual um negacionista do Holocausto diz que “os supremacistas sionistas orquestraram uma promoção da imigração e da mestiçagem”. Descreveu o resultado das eleições legislativas de 2018 como uma “invasão islâmica”. Apoiou conclamações para o assassinato de líderes políticos democratas, e várias vezes considerou que os ataques a tiros em escolas, como o de Parkland (Flórida, 2018) e o de Sandy Hook (Connecticut, 2012), foram montagens para impulsionar a legislação a favor do controle de armas de fogo.

Nos últimos dias, os congressistas republicanos estiveram ocupados estudando como adotar represálias contra uma de suas legisladoras. Mas não Greene, e sim Liz Cheney, terceira autoridade da bancada republicana na Câmara, filha do ex-vice-presidente de George W. Bush, com uma longa e respeitada trajetória no partido. O motivo? Ter votado a favor do impeachment de Trump, assustada com a invasão do Capitólio por seguidores do então presidente em 6 de janeiro. Reunidos a portas fechadas na noite de quarta-feira, em votação secreta, os republicanos acabaram decidindo, por 145 a 61, não afastar Cheney de suas funções.

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Em relação a Greene, a estratégia dos republicanos até agora tem sido basicamente olhar para o outro lado, como vêm fazendo com a corrente radical que se apoderou do partido. A ideia é ignorá-la e recorrer a ela quando é necessário garimpar votos nas bases trumpistas —como no segundo turno realizado na Geórgia para definir duas cadeiras no Senado. Mas os democratas, que têm maioria na Câmara, disseram basta e anunciaram uma votação para esta quinta-feira para remover a congressista de seus cargos em comissões parlamentares. Uma jogada astuta que obrigou os republicanos a se posicionar publicamente.

É claro que a maioria dos republicanos fica horrorizada, em privado, com o que Greene diz. Mas posicionar-se em público contra aquela se tornou uma das heroínas do trumpismo, que é especialista em linchamentos nas redes sociais e ainda tem o apoio entusiástico do ex-presidente, é, para muitos, pôr em risco suas aspirações de reeleição. Alguns republicanos querem ver na votação desta quinta-feira uma batalha pela alma do partido. Mas por enquanto, devido em parte à adesão incondicional e interesseira do establishment republicano a Trump durante os últimos quatro anos, essa alma é patrimônio dos radicais. Porque o Partido Republicano, hoje, é mais Marjorie Taylor Greene do que Liz Cheney.

Em meio ao debate republicano, o próprio senador Mitch McConnell, que representou como ninguém esse casamento de conveniência entre Trump e um partido já radicalizado pelo Tea Party, disse na segunda-feira que as “mentiras malucas e teorias da conspiração” de Greene (ele não a mencionou explicitamente) são um “câncer” para o partido. “Alguém que sugere que talvez nenhum avião tenha atingido o Pentágono no Onze de Setembro, que os terríveis ataques a tiros nas escolas foram uma montagem e que os Clinton derrubaram o avião do John Fitzgerald Kennedy Jr. não vive na realidade”, disse.

Imagem da campanha de Marjorie Taylor Greene.
Imagem da campanha de Marjorie Taylor Greene. Europa Press

Massa crítica

O rompimento lento, cauteloso e hesitante que McConnell está protagonizando com Trump ilustra o processo que o próprio partido está vivendo. Depois do ataque ao Capitólio, parecia que uma massa crítica começava a compreender, ao vê-lo em ação diante de seus próprios olhos, a envergadura do monstro que os republicanos tinham criado. O próprio McConnell espalhou a ideia de que estaria aberto a condenar a Trump em um processo de impeachment no Senado. Mas, especialista na arte do “morde e assopra”, acabou dizendo acreditar que esse julgamento no Senado seria inconstitucional.

A liderança republicana na Câmara tentou durante toda a quarta-feira, nos bastidores, alcançar um acordo com os democratas para evitar que sua bancada tivesse de posicionar abertamente em uma votação. Mas a única coisa que poderia impedir a votação, disseram os democratas, seria uma decisão unilateral do próprio Partido Republicano de obrigar Greene a abandonar as duas comissões das quais faz parte, a de Orçamento e a de Educação, esta última especialmente significativa se levarmos em conta suas opiniões sobre o flagelo dos ataques a tiros nas escolas.

É incomum que o partido majoritário na Câmara decida votar para retirar de comissões um membro do partido minoritário. E foi a isso que os republicanos se agarraram, argumentando que seria um precedente perigoso punir uma congressista por afirmações que fez antes de ocupar uma cadeira na Câmara. “Os comentários passados de Marjorie Taylor Greene sobre os ataques a tiros nas escolas, a violência política e as teorias da conspiração antissemitas não representam os valores e crenças do grupo republicano no Congresso. Condeno inequivocamente esses comentários”, disse o líder da minoria republicana na Câmara, Kevin McCarthy, em um comunicado. Mas, deixando claro que não pretendia adotar nenhuma medida contra Greene, acrescentou: “Os democratas optam por aumentar a temperatura dando o passo sem precedentes de avançar em seu apego ao poder”.

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