QAnon entra oficialmente no partido Republicano
Teoria conspiratória ganha novo status ao eleger uma apoiadora para o Capitólio americano
A desinformação ganhou mais uma, com a vitória nos Estados Unidos de uma candidata a deputada apoiadora da QAnon, a poderosa e delirante teoria da conspiração que afirma existir uma rede de pedófilos e satanistas infiltrada no governo, na imprensa e no mercado do entretenimento para derrubar Donald Trump e seus apoiadores. Marjorie Taylor Greene foi eleita nesta terça-feira (3/11) para representar o estado da Geórgia na Câmara americana, fazendo as conspirações saírem de cantos escondidos do mundo virtual para a ribalta do Capitólio.
Apoie nosso jornalismo. Assine o EL PAÍS clicando aqui
Já escrevemos aqui neste espaço sobre o desafio à parte que teorias conspiratórias representam no combate à desinformação e o poder de influência corrosiva que elas têm na sociedade. Agora, elas ganharam um microfone oficial.
O movimento QAnon é um produto da internet e reflexo de uma sociedade hiperconectada. Suas origens são remontadas a outubro de 2017 quando o misterioso “Q” apareceu pela primeira vez no fórum online “politicamente incorreto” de discussões anônimas, o 4chan. O usuário anônimo deu a entender que ele é um oficial de inteligência ou militar com a “liberação Q”, o que quer dizer que ele teria suposto acesso a informações sigilosas de dentro do governo americano. Sempre na busca por plataformas mais seguras, Q mudou do 4chan para o 8chan e depois para o 8kun. Os adeptos do QAnon foram se tornando cada vez mais devotos e a teoria chegou às plataformas mainstream como Reddit, Facebook, Twitter, YouTube e TikTok impulsionada por influenciadores digitais que buscavam novo conteúdo e descobriram no QAnon uma fórmula de sucesso para aumentar o engajamento de suas contas.
Com hashtags populares, o rastilho de pólvora do QAnon se espalhou para valer com a narrativa da rede de pedófilos e satanistas. Impulsionados por uma crescente desconfiança nas instituições, os seguidores são levados a crer que quase toda figura de autoridade que de alguma forma se manifesta (ou não) contra essas ameaças imaginárias pode ser parte de um plano secreto que age contra os Estados Unidos, a liberdade e está a favor de práticas que envolvem abuso sexual infantil.
Questões ligadas a crimes sexuais contra crianças formam a base das conspirações ligadas ao QAnon, mas o movimento muito facilmente incorpora outras teorias tão delirantes quanto, que caminham de forma paralela seduzidas pelo forte viés extremista e a disseminação de práticas discriminatórias. É como se observa a intensa aproximação de seguidores do movimento com grupos antivacina que acreditam que o incentivo à vacinação seria uma forma de controlar a humanidade por meio de nanochips.
Em maio de 2019, o FBI americano emitiu um alerta para o avanço do movimento ao classificá-lo como uma ameaça de terrorismo doméstico, chamando atenção especialmente para atos criminosos que poderiam ocorrer motivados pela corrente conspiracionista. O relatório enumerou diversos casos em que incidentes violentos inspirados pela teoria conspiratória levaram pessoas a serem presas e concluiu que “essas teorias da conspiração muito provavelmente irão surgir, se espalhar e evoluir no ecossistema informacional moderno, ocasionalmente levando grupos e extremistas individuais a cometer atos criminosos ou violentos”.
Ainda assim, apoiado por Donald Trump, o movimento ganhou força e se espalhou pela América Latina.
No Brasil chegou com uma série de postagens que colocam celebridades e influenciadores digitais na mira dessas “denúncias”, disseminando falsas acusações especialmente ligadas a artistas globais e à TV Globo, colocando essas figuras públicas como integrantes de uma rede que articula crimes graves, como pedofilia, e os principais responsáveis pelas mais diversas mazelas sociais.
Desacreditar as instituições e reforçar valores cristãos que supostamente estariam sendo deturpados por satanistas é uma tática que tem funcionado no Brasil, um país com uma população majoritariamente cristã (86,8%, segundo dados do IBGE).
Boa parte desse avanço se deve aos seguidores públicos dessa teoria.
Um levantamento feito pela agência de checagem Aos Fatos revelou que ao menos 212 autoridades do Brasil (parlamentares eleitos e integrantes do primeiro escalão do Executivo federal) seguem mais de 1.400 perfis que divulgam conteúdos QAnon. De acordo com o levantamento, parlamentares que apoiam Jair Bolsonaro são os principais seguidores dessas contas. Foi observado ainda que o próprio presidente e seu círculo próximo estão em contato direto com o material, em análise que remete a oito perfis diretamente ligados a Bolsonaro e ministros a ao menos 96 contas responsáveis por difundir postagens simpáticas ao movimento.
O resultado já tem aparecido nas eleições municipais brasileiras, com candidatos apropriando-se da retórica mentirosa para difundir possíveis operações que estariam sendo criadas por grupos especiais para barrar práticas de canibalismo, satanismo, tráfico de pessoas e de órgãos, usando a hashtag #SalvemAsCrianças para propagar as falsas teorias. Enquanto o Brasil mais uma vez segue passos semelhantes aos da extrema direita americana, os resultados do dia 15 de novembro mostrarão se também daremos palanque oficial aos criadores de narrativas de conspiração, o que eles podem causar com poder na mão e, o mais importante, quão capazes as instituições serão para neutralizá-los.
Clara Becker e Gabriela de Almeida Pereira integram o Redes Cordiais, uma iniciativa que alia educação midiática no combate às notícias falsas.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.