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Em votação apertada, Congresso do Peru aprova abertura de processo de impeachment contra presidente

Martín Vizcarra é acusado de obstruir investigação de suborno envolvendo funcionários do governo: ele teria beneficiado um amigo com nove contratos que totalizam cerca de 50.000 dólares

O presidente do Peru, Martín Vizcarra.
O presidente do Peru, Martín Vizcarra.Paolo Aguilar (EFE)

A tensão entre o Congresso e o Executivo no Peru atingiu seu ponto mais alto na noite desta quinta-feira com uma moção para destituir o presidente Martín Vizcarra. Eram necessários 52 votos para que o pedido de impeachment fosse aprovado e, após uma sessão de três horas, 65 parlamentares votaram a favor, 36 contra e 24 se abstiveram. Agora, o Congresso deve convocar uma nova sessão plenária, na próxima sexta-feira, 18 de setembro, para debater a destituição e dar ao presidente 60 minutos para fazer sua defesa. A instabilidade política no país sul-americano ocorre quando faltam seis meses para as eleições, já convocadas, e em meio à grave crise econômica e sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus.

O processo de impeachment de Vizcarra tem por base a denúncia de um congressista que apresentou três áudios de conversas —gravadas sem a autorização dos interlocutores— sobre um amigo do chefe de Estado que foi beneficiado com nove contratos estatais por quase 50.000 dólares (270.000 reais), classificados como serviços de palestras e consultorias.

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O parlamentar Edgar Alarcón, que apresentou os áudios nesta quinta-feira, foi denunciado em julho pela procuradora-geral pelos crimes de enriquecimento ilícito e peculato doloso durante o seu mandato como encarregado da Controladoria da República entre 2016 e 2017. As denúncias constitucionais apresentadas pela titular do Ministério Público terão que ser debatidas pelo Congresso, que também deve decidir sobre a retirada da imunidade parlamentar para que ele possa ser processado. Alarcón é do partido União pelo Peru, liderado por Antauro Humala, político e ex-militar preso por liderar uma revolta que terminou com o assassinato de quatro policiais em 2005 e que cumpre pena de 19 anos de prisão por esses crimes. Antauro Humala —irmão do ex-presidente Ollanta Humala— é um político populista e nacionalista que propõe a pena de morte e pretende ser candidato presidencial.

A transmissão dos áudios desta quinta-feira teve a aprovação do presidente do Congresso, Manuel Merino, da Ação Popular, o partido majoritário no Legislativo, embora dividido em três facções que correspondem aos três políticos que pretendem ser candidatos à presidência por essa legenda nas eleições de abril de 2021. A Comissão de Supervisão do Congresso, presidida por Alarcón, investiga desde junho a contratação pelo Estado do produtor musical Ricardo Cisneros, que no mundo do entretenimento se autodenomina Richard Swing, personagem pouco visível antes dessas denúncias.

Quando a imprensa consultou o presidente Vizcarra sobre sua ligação com Cisneros, ele respondeu que o conhecia desde a campanha eleitoral de Pedro Pablo Kuczynski, em 2016, mas que não influenciou em sua contratação e não era próximo a ele. Um dos áudios transmitidos por Alarcón é uma conversa entre o presidente, seu assistente pessoal, a secretária-geral da presidência e um assessor de comunicação, na qual concordam sobre a versão a ser dada sobre as visitas de Cisneros à sede do Executivo, no âmbito das investigações fiscais e parlamentares dos contratos do Ministério da Cultura concedidos a ele. Cisneros prestou serviços durante o Governo Kuczynski, mas ganhou mais dinheiro na gestão de Vizcarra.

O segundo áudio é uma conversa tensa entre o presidente e sua secretária sobre possíveis demissões de pessoal em decorrência das investigações, e o terceiro é um diálogo entre a mesma funcionária, Karem Roca, e Cisneros. Após a divulgação das conversas, parlamentares de várias bancadas —entre as quais Podemos Peru, cujos dois principais dirigentes estão sob investigação fiscal por lavagem de dinheiro e fazer parte de de uma organização criminosa— exigiram a vacância presidencial.

Na noite desta quinta-feira, em mensagem transmitida ao vivo, Vizcarra rejeitou as manobras do Congresso. “Não vou negar a conversa, mas foram coordenações internas que acontecem em qualquer instituição, uma forma de esclarecer o que estava acontecendo no âmbito das investigações. Naquela reunião, devo ressaltar, afirmei ‘digamos a verdade’”, disse Vizcarra. “Tudo isto é uma farsa que busca desestabilizar a democracia para assumir o controle do Governo, permitir a reeleição de parlamentares, adiar as eleições e garantir sua vitória eleitoral”, acrescentou o presidente.

Desde o ano passado, o Congresso anterior e o atual boicotam a reforma política que tenta evitar as candidaturas de pessoas que usam a política para se blindar de investigações e processos judiciais ou para defender os interesses da corrupção e das máfias. Por exemplo, um parlamentar do Podemos Peru, Daniel Urresti, enfrenta desde a semana passada um novo julgamento pelo assassinato do jornalista Hugo Bustíos, cometido quando o político era oficial de inteligência do Exército, em 1988. Desde que em março se instalou o Parlamento que substituiu o dissolvido em setembro do ano passado, o confronto entre poderes do Estado no Peru é permanente.

Em sua mensagem, o presidente peruano destacou que na quinta-feira estava prevista na pauta do plenário do Congresso a segunda votação de uma norma que impede a candidatura de pessoas com sentença em primeira instância. Depois de escutarem os áudios, os parlamentares deixaram de lado a pauta e não debateram nem essa lei nem outras.

Vizcarra declarou que está pendente o pedido da Procuradoria-Geral para a retirada da imunidade de Alarcón “para dar continuidade às investigações pendentes por supostos crimes de enriquecimento ilícito, peculato doloso, omissão de funções e falsificação de documentos”. Uma hora depois da mensagem de Vizcarra, 31 congressistas da Ação Popular, Podemos Peru, Aliança para o Progresso, União pelo Peru, Força Popular e Somos Peru assinaram uma moção para declarar a vacância da presidência pela “incapacidade moral permanente” de Vizcarra. Um deles retirou a assinatura minutos depois.

O presidente do Congresso convocou uma sessão plenária na manhã desta sexta-feira para debater a questão. O congressista Gino Costa, do Partido Morado, um dos que não assinaram o pedido de vacância, disse a EL PAÍS que o caso pode ir à Procuradoria-Geral da Nação para que a partir de 29 de julho, quando termina o mandato de Vizcarra, ele seja investigado, conforme manda a Constituição. “Isso não é causa de vacância”, disse ele. Se o Parlamento obtiver 104 votos, o debate sobre o impeachment pode ocorrer no mesmo dia. E a aprovação da vacância requer 87 votos. O Congresso peruano tem 130 membros que representam nove agrupamentos políticos, mas nem todos votam de acordo com a linha partidária.

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