Congresso do Peru rejeita primeiro-ministro nomeado há 21 dias e aprofunda crise
Pressionado pela pandemia e pela queda na economia, presidente Vizcarra terá que buscar, pela quinta vez em dois anos, novo premiê
O novo gabinete que o presidente peruano Martín Vizcarra nomeou há apenas 21 dias não recebeu o voto de confiança do Congresso. Na segunda-feira, o presidente do Conselho de Ministros, Pedro Cateriano, apresentou as diretrizes políticas do gabinete sob sua responsabilidade, mas depois de quase 14 horas de debate parlamentar, o Legislativo lhe deu as costas. Duas bancadas e meia argumentaram que Cateriano não deu prioridade suficiente à luta contra a pandemia. Como consequência, o presidente peruano deverá recompor seu gabinete e recrutar um novo primeiro-ministro, o quinto em dois anos e quatro meses.
A Frente Popular Agrícola do Peru (Frepap) e a Frente Ampla ―de esquerda― apontaram no debate parlamentar a falta de medidas para a recuperação do setor agrícola e a ênfase no apoio às grandes empresas, em particular às indústrias extrativas. Os votos contra da Frepap e da Frente Ampla foram fundamentais para o resultado.
O antropólogo Carlos Ernesto Ráez explicou ao EL PAÍS que “a Frente Ampla e um setor da esquerda estão há anos tentando direcionar a questão ambiental a seu favor. E desde sua fundação como partido político, a Frepap sempre defendeu e apostou na agricultura, o que se refletiu em muitos de seus projetos de lei e seu estatuto.” “Embora estejamos acostumados a interpelações e, nos últimos anos, a censuras e uma dissolução do Parlamento, esta negação do voto de confiança ―a menos de um ano do fim do mandato de Vizcarra― é um golpe ao estilo de confrontação que teve este Governo”, acrescentou.
Oito horas depois da votação do Parlamento, o chefe de Estado reagiu. “Apesar da crise sanitária e econômica que estamos enfrentando, o Congresso decidiu acrescentar outra crise política, em prejuízo de todos (...). Ontem [segunda-feira], enquanto os congressistas nos mostravam seu desacordo com a política de Governo, sem dizê-lo faziam prevalecer exigências particulares às quais não cederemos”, afirmou Vizcarra.
Dos 54 votos contra o gabinete, 13 foram da Frepap e sete dos congressistas de esquerda; mas onze vieram do Podemos Peru, uma formação política fundada por José Luna, proprietário de uma universidade fechada pela Superintendência Nacional de Educação (Sunedu), a entidade que supervisiona a qualidade das universidades.
O atual ministro da Educação, Martín Benavides, foi até fevereiro o chefe da Sunedu, e na última sexta-feira o Congresso aprovou interpelá-lo, não por seu desempenho como ministro, mas para questionar o fechamento de universidades que não cumprem os padrões mínimos de qualidade. Na noite de segunda-feira, enquanto o debate no plenário continuava ―metade digital e metade presencial― no Twitter e nos programas de televisão circulava a versão de que um grupo de congressistas condicionou o voto de confiança à renúncia do ministro Benavides.
Por volta das seis da manhã de terça-feira, quando o primeiro-ministro Cateriano julgou que não receberia o apoio suficiente, afirmou no Parlamento: “Fui avisado de que não havia consenso sobre a ratificação do ministro da Educação e que seria muito difícil estender a mim o voto de confiança”.
O momento de definição, com os porta-vozes parlamentares presentes no hemiciclo e o resto dos congressistas em suas casas, conectados aos seus computadores, levou quase meia hora. Quem mais demorou a manifestar sua decisão foram as bancadas com maior quantidade de votos: a da Ação Popular ―que tinha 23 votos efetivos― e a da Aliança pelo Progresso ―com 22 votos efetivos―, do ex-candidato à presidência César Acuña, um político pragmático e populista e dono de uma universidade. Finalmente, a Ação Popular somou 7 votos contra e a Aliança pelo Progresso 22 abstenções. Dois congressistas sem partido também votaram contra Cateriano.
A mensagem de 46 páginas do primeiro-ministro Cateriano dedicou pouco mais de três páginas à saúde no contexto da pandemia da covid-19 e o dobro do espaço a propostas para facilitar e acelerar o investimento privado, alterando normas que poderiam afetar a água e as florestas. Muitos defensores dos direitos humanos e líderes comunitários foram assassinados no Peru durante a última década depois de denunciarem a exploração ilegal de madeira e a poluição, causada por máfias ou por empresas formais.
Na América do Sul, depois do Brasil, o Peru é o mais afetado pela pandemia, com mais de 19.800 mortos e 433.100 casos confirmados. Durante a sessão no Congresso, a ministra da Saúde, Pilar Mazzetti, informou que “não há recursos humanos” e que os mortos pela covid-19 estão entre “os 19.000 e os 49.000 registrados pelo Sistema Nacional de Óbitos”. Na segunda-feira o Governo aprovou um decreto para contratar médicos não registrados, de qualquer nacionalidade, e ordenou o retorno dos residentes de medicina aos hospitais.
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