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Um em cada três infectados pelo coronavírus na Espanha não apresentou sintomas, revela estudo

Espanha é o quinto país em número de mortes pela covid-19, mas uma pesquisa com quase 70.000 participantes revela que apenas 5% dos espanhóis contraíram o vírus e sugerem que 90% dos casos não foram detectados pelo sistema de saúde do país

Pedestre caminha em frente ao Banco da Espanha, após o relaxamento das medidas de isolamento em Barcelona.
Pedestre caminha em frente ao Banco da Espanha, após o relaxamento das medidas de isolamento em Barcelona.Nacho Doce (REUTERS)
Elena G. Sevillano
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Apenas 5% dos espanhóis foram infectados pelo coronavírus SARS-Cov-2, segundo os primeiros dados do estudo de soroprevalência realizado pelo Instituto de Saúde Carlos III, de Madri, com uma amostra de quase 70.000 participantes, divulgados nesta semana. O relatório preliminar apresentado mostra ainda que 90% dos contágios ocorridos na Espanha não foram detectados pelo sistema sanitário, e aponta que uma em cada três pessoas infectadas não apresentou sintomas (assintomáticos). A estatística oficial tem, até esta sexta, 230.183 positivos contabilizados pelo PCR ―o método mais confiável, que detecta a infecção ativa,― mas, segundo os dados preliminares, mais de dois milhões de pessoas tiveram o vírus, muitas delas sem nem perceberem. “Os 5% equivalem a 2.350.000 casos. Se houve 27.100 mortes [até a quarta], isto quer dizer que a letalidade está entre 1% e 1,2%”, calcula Jesús Molina Cabrillana, epidemiologista da Sociedade Espanhola de Medicina Preventiva, Saúde Pública e Higiene (Sempsph).

Estudos publicados em outros países europeus calcularam entre 4% e 5% de prevalência, muito longe da percentagem que conferiria imunidade coletiva (ou de rebanho) à população, que os especialistas situam em um mínimo de 60%. Segundo os epidemiologistas consultados, será preciso continuar mantendo medidas de distanciamento interpessoal até que haja uma vacina.

A prevalência entre as crianças é muito inferior à geral, observou a diretora do Centro Nacional de Epidemiologia, Marina Pollán. Entre os menores de um ano, os anticorpos apareciam em 1,1% da amostra; entre 1 a 4 anos, em 2,2%; e entre 5 a 9 anos, em 3%. Isso significa que esses percentuais de crianças estiveram em contato com o vírus, e a conclusão, segundo Joan Ramon Villalbí, membro da junta diretora da Sociedade Espanhola de Saúde Pública (Sespas), é que ou as crianças não foram tão afetadas pela doença como os adultos ou não geraram reação de anticorpos. Não há grandes diferenças por sexos nem por faixas etárias em adultos.

A proporção de positivos é maior em residentes de cidades com mais de 100.000 habitantes, detectou o estudo: 6,4% de prevalência. As cifras mostram uma grande variabilidade geográfica, com províncias que apresentam uma prevalência sete vezes maior que outras. Soria (centro-norte da Espanha) é a que tem maior percentagem de pessoas que passaram pela doença, 14,2%. Em Madri, a prevalência é de 11,3%. Estes dados correspondem à percentagem de pessoas com anticorpos IgG, os que demoram mais a aparecer e indicam que essa pessoa esteve em contato com o vírus, mas já não há infecção ativa (o teste detecta também anticorpos IgM, que são os primeiros a serem produzidos pelo organismo em resposta ao vírus, a partir do sexto ou sétimo dia depois do início dos sintomas).

A imunidade de grupo, explica ldefonso Hernández, catedrático de Saúde Pública da Universidade Miguel Hernández, de Alicante (leste da Espanha), depende da R0, ou taxa de reprodução básica, e como esta varia segundo as medidas adotadas. “A partir de 60% mais ou menos, iria bastante bem para manter transmissões baixas. Mas é preciso sermos precavidos a respeito, porque ainda nos faltam coisas por saber sobre o SARS-CoV-2”, acrescenta.

Contagiados assintomáticos e sem olfato

Uma percentagem elevada dos pesquisados com anticorpos para o coronavírus ―um de cada três (33,7%)― esteve assintomática, ou seja, passou pela doença sem notar, segundo os dados do relatório preliminar. A diretora do Centro Nacional de Epidemiologia a acrescentou que 8% das pessoas que geraram anticorpos tiveram entre três e quatro sintomas; 14,7% apresentaram mais de cinco sintomas e, “o mais surpreendente”, 43% tiveram perda súbita do olfato (anosmia).

O Instituto Nacional de Estatística selecionou aleatoriamente mais de 36.000 residências, distribuindo a amostra conforme faixa etária, sexo e localização geográfica. Ao todo, 90.000 pessoas foram convidadas a participar voluntariamente. Na primeira fase, passaram por um primeiro exame rápido de anticorpos (com uma espetada em um dedo), e por um segundo teste sorológico de anticorpos (imunoensaio), para o qual os profissionais tinham que colher amostras de sangue, como para exames de rotina. Até 28 laboratórios de microbiologia analisaram esta segunda amostra de forma homogênea e usando a mesma técnica. Os resultados divulgados pelo Governo nesta quarta correspondem apenas aos testes rápidos, já que nem todas as provas de laboratório foram analisadas. Quanto à fiabilidade, a comparação entre ambos os métodos mostrou que os resultados coincidiam em 97,3%.

“O estudo ainda está em desenvolvimento”, salientou a diretora do Instituto de Saúde Carlos III, Raquel Yotti. Os dados finais serão publicados em formato de artigo numa publicação científica, acrescentou. Yotti acrescentou que 1.416 centros de saúde e 2.600 profissionais sanitários participaram da coleta de amostras nas 17 comunidades (regiões espanholas) e nas cidades autônomas de Ceuta e Melilla. “O estudo é um marco neste país”, afirmou.

O estudo “oferece uma radiografia da epidemia em nosso país”, afirmou o ministro da Saúde da Espanha, Salvador Illa. “Deve confirmar as hipótese sobre as quais viemos trabalhando e sobre as quais se sustenta o plano de flexibilização [das restrições]”, acrescentou. Pedro Duque, o ministro da Ciência, afirmou ser “um dos estudos mais sólidos já feitos no mundo, um trabalho enormemente ambicioso de qual estamos muito orgulhosos”.

Villalbí acredita que a variação entre territórios e especificamente a maior prevalência da zona que cerca Madri pode explicar-se pelo movimento entre províncias, por viagens a trabalho ou de outro tipo. Já para casos como Soria, que tem a prevalência mais alta (14,2%), ele não encontra explicação. “É uma província pouco conectada e pouco povoada”, observa. Cuenca (centro-leste, prevalência de 13,5%) é outro desses casos que exigiria o estudo dos epidemiologistas.

Cada pessoa passará pelos dois tipos de exames três vezes, com um intervalo de três semanas entre cada amostra. Dessa forma, se poderá comprovar se desenvolvem anticorpos durante o estudo. Além de terem amostras colhidas, os participantes respondem a um questionário onde relatam se tiveram sintomas e se têm outras enfermidades.

Os estudos de soroprevalência servem para fazer uma foto, explica o epidemiologista Jesús Molina Cabrillana. “Os dados de agora pode ser que não reflitam a situação dentro de semanas ou meses; tudo depende das medidas aplicadas”, acrescenta. Trata-se, além disso, de um estudo sobre amostras, cujos resultados são extrapolados para a população geral mediante intervalos de confiança. Quanto mais estreito for esse intervalo, mais precisa é a estimativa. Neste caso, esse índice é de 4,7-5,4, o que, na opinião dele, oferece uma boa precisão. “Para poder conhecer a prevalência na Espanha seria preciso fazer exames em todos os espanhóis, e isso é impossível, de um ponto de vista logístico e econômico”, afirma.

Ildefonso Hernández, da Universidade Miguel Hernández, diz que o ideal seria “uma alta prevalência nas pessoas de maior idade, caso se confirme que os anticorpos conferem imunidade de certa duração". Mas esclarece: “Isto tampouco é uma salvaguarda para evitar a transmissão a estes grupos, pela habitual mistura de idades na Espanha, mas em algo ajuda”.

Prevalência em outros países

O Centro Europeu de Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) reuniu os primeiros estudos de soroprevalência publicados na Europa, e por enquanto quase todos estão abaixo de 5%: 1,9% na Dinamarca, 3,4% em Helsinque, 3% em Oise (França), 3,2% nos Países Baixos, 1% na Escócia. As exceções são territórios onde houve muitos casos, como Gangelt, na Alemanha, onde 14% da população tinha anticorpos, o que indica que estiveram em contato com a doença. Um estudo em Nova York revelou que a prevalência na cidade foi muito elevada, de 21% da população.

Vários hospitais têm feito estudos em seus funcionários (o de Alcorcón, em Madri, mostrou que um terço da sua equipe se contagiou), mas o primeiro entre a população geral, feito em pacientes de um posto de saúde de Barcelona, deu resultados pouco alentadores: só 5% dos analisados (311) mediante exames rápidos tinham anticorpos contra o vírus.

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