Queda de braço sobre regras do impeachment marca início do julgamento de Trump
Pressão contra pretensões dos republicanos os levou a relativizar alguns pontos de sua proposta inicial sobre as regras do julgamento do presidente dos EUA.


A primeira sessão do impeachment de Donald Trump no Senado se transformou nesta terça-feira em uma colisão de trens sobre as regras do julgamento. Os republicanos, que têm maioria na Câmara Alta, planejaram um julgamento expresso que, caso seja bem-sucedido, poderia terminar em pouco mais de uma semana devido, principalmente, ao fato de ainda não haver acordo para que novas testemunhas do caso prestem depoimento, como reclamam os democratas. A pressão contra suas pretensões levou os republicanos a relativizar alguns pontos de sua proposta inicial sobre as regras do julgamento do presidente dos Estados Unidos.
O Senado já é um tribunal. Os senadores, que habitualmente fazem grandes arrazoados desde suas cadeiras, são membros de um júri e não podem falar. O presidente da Suprema Corte, John Roberts, ocupa a cadeira do presidente do Senado para arbitrar o processo. Um grupo de congressistas democratas faz as vezes de promotores e uma equipe da Casa Branca, de advogados de defesa. Enquanto isso, o presidente e réu participa do Fórum de Davos, na Suíça, vendendo seu trabalho no Governo e mostrando-se alheio ao que está acontecendo em Washington.
O terceiro julgamento político de um presidente na história dos EUA concentrou sua primeira sessão no debate sobre as regras do próprio processo e deu uma pista do que está por vir, um duro debate que ainda prosseguia na noite de terça-feira. A resolução apresentada pelo líder republicano no Senado, Mitch McConnell, propõe um calendário breve de sessões-maratona: os chamados gestores do impeachment, ou seja, o grupo de democratas que faz a acusação, têm 24 horas para sua exposição, distribuída em três dias, enquanto a defesa do presidente tem o mesmo tempo e distribuição em três jornadas.
Esse programa é mais longo do que o previsto na primeira resolução dos republicanos, que queriam concentrar a exposição de argumentos em dois dias cada uma, o que teria levado a realizar boa parte delas à noite ou durante a madrugada, com parte do povo norte-americano dormindo ou desconectado das notícias, porque o julgamento começará todos os dias às 13h (15h em Brasília). Em seguida, de acordo com a resolução, os senadores terão 16 horas para fazer perguntas às partes por escrito ―é proibido falar durante o julgamento― que o juiz Roberts, supervisor desse processo, lerá em voz alta.
Depois dessa fase, a Câmara abriria um debate de quatro horas para cada parte argumentar a favor ou contra a declaração de novas testemunhas, o pedido de mais material ou provas. Se a maioria republicana permanecer unida e rejeitar as novas testemunhas, o julgamento já passaria à deliberação (a portas fechadas ou abertas) e à votação do veredicto final, razão pela qual talvez não dure muito mais que uma semana.
Trump é acusado de abuso de poder por tentar pressionar a Ucrânia a abrir uma investigação sobre seu adversário político Joe Biden, pré-candidato presidencial democrata, e de obstrução ao Congresso por ter boicotado todas as investigações parlamentares relacionadas a este caso, recusando-se a entregar documentos e vetando o depoimento de testemunhas da Administração. Esse torpedeamento à fase de instrução do caso na Câmara dos Representantes é o que leva os democratas a pedir mais depoimentos e documentos na fase do Senado, onde acontece o julgamento, mas na Câmara Alta é a maioria republicana que define as regras do jogo.
“Um julgamento sem testemunhas não é um julgamento, é uma simulação”, criticou Chuck Schumer, líder da minoria democrata no Senado. McConnell, que abriu a sessão para apresentar sua proposta, justificou isso atacando a maioria democrata na Câmara dos Representantes, responsável pela fase de investigação prévia ao Senado e a que votou a favor da acusação contra Trump. “Querem que nos comprometamos a reabrir a investigação que eles mesmos supervisionaram e encerraram voluntariamente” com a finalidade de “fazer cumprir intimações que eles renunciaram a emitir para concluir um caso que eles mesmos descreveram como devastador recentemente”, disse.
Testemunhas
Em dezembro, McConnell adiantou que estava coordenando com a própria Casa Branca as regras do julgamento.Vários funcionários se recusaram a prestar depoimento por vontade própria na Câmara dos Representantes, razão pela qual o caso teria perdido força na Justiça comum até que uma sentença os obrigasse a depor fosse obtida e os democratas viram que era preciso levar adiante a acusação com urgência. Agora, estes querem que prestem depoimento ao menos quatro pessoas da Administração que tiveram algum grau de envolvimento nas gestões e manobras de pressão sobre Kiev que estão sendo julgadas e que incluem o congelamento de quase 400 milhões de dólares (cerca de 1,685 bilhão de reais) de ajuda militar que o Congresso havia prometido ao Governo ucraniano, em guerra com os separatistas pró-russos no leste do país.
Especificamente, os democratas pedem para ouvir ao menos John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump; Mick Mulvaney, chefe de gabinete e diretor do escritório de Orçamento; Michael Duffy, do mesmo departamento, e o assessor Robert Blair. “Cada um deles deve depor no julgamento político de Trump”, disse a senadora Kamala Harris, ex-procuradora da Califórnia, no Twitter antes de ter de deixar de usar seu telefone.
“O presidente terá um julgamento justo? Essa questão é ainda mais importante do que votar se é culpado ou inocente”, argumentou o congressista californiano Adam Schiff, que lidera a equipe de promotores. Os republicanos aceitaram, por enquanto, outra modificação à sua proposta inicial e todos os materiais da investigação na Câmara dos Representantes serão admitidos como prova no Senado.
O duvidoso precedente de Bill Clinton
Os republicanos argumentam o tempo todo que estão aplicando a Donald Trump o mesmo modelo de julgamento que teve Bill Clinton, sujeito a um impeachment que terminou no início de 1999 por conta do caso Lewinsky. A diferença é que, naquele processo, o presidente colaborou com a fase de instrução, na Câmara dos Representantes, entregou milhares de documentos e houve mais acesso às testemunhas. Além disso, embora não tenha ficado claro quem seria chamado para depor, existia um acordo de que haveria depoimentos no Senado.