Crise do coronavírus levará mais de 11,5 milhões de latino-americanos ao desemprego neste ano
Taxa de desocupação disparará de 8,1% para 11,5%, segundo estudo conjunto da Cepal e da OIT
A recessão da covid-19 atingirá todos os rincões do continente americano neste ano, com a única exceção da Guiana, onde as descobertas de petróleo manterão a economia em funcionamento. E esse enfraquecimento generalizado provocará um grande terremoto nos mercados de trabalho da América Latina e do Caribe: mais de 11,5 milhões de trabalhadores perderam ou perderão seus empregos em 2020 e passarão a engrossar as listas de desempregados na região, de acordo com cálculos apresentados nesta quinta-feira pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os 26,1 milhões de desempregados do final de 2019 (quando o desemprego também cresceu, embora em muito menor medida) subirão, assim, até 37,7 milhões no final deste ano, e a taxa de desemprego passará de 8,1% para 11,5%. Esse aumento, em uma região já atravessada pela desigualdade, na qual o seguro-desemprego praticamente inexiste, onde mais da metade da população trabalha na informalidade e na qual caem os salários daqueles que têm a sorte de manter seus postos de trabalho é um coquetel social difícil de digerir.
Em meio à maior contração do PIB regional desde a década de 1930 e depois de sete anos de crescimento muito baixo, essas projeções de aumento do desemprego são inclusive “conservadoras”, nas palavras de Alicia Bárcena, secretária-executiva do braço das Nações Unidas para o desenvolvimento econômico do bloco. E se traduzirão inevitavelmente em um aumento no número de pessoas em situação de pobreza, que subirá para 214 milhões (quase 30 milhões a mais). “Esses números são muito preocupantes, aterrorizantes, e são apenas a ponta do iceberg devido à informalidade. A recuperação será mais rápida somente se conseguirmos manter o tecido social em hibernação”, observou o diretor regional da OIT, Vinicius Carvalho Pinheiro. Um retorno da economia à vida que, segundo Bárcena, será “lento por milhares de razões, mas principalmente porque teremos de coexistir com esse vírus, obrigando as empresas a adotar uma mudança muito profunda”.
O golpe será duro para os assalariados, que sofrerão a maior parte das demissões. Mas também para os trabalhadores por conta própria, que representam mais de um quarto do total de empregos na América Latina e no Caribe e que, em alguns casos, viram suas entradas de caixa reduzidas ao mínimo. E para os empregados domésticos, quase todos mulheres, que estão majoritariamente em casa até o fim dos confinamentos. De acordo com os cálculos da Cepal e da OIT, mais de 4 em cada 10 empregos na região são nos setores mais afetados pelas medidas de distanciamento social destinadas a reduzir os contágios pelo coronavírus, e o número total de horas trabalhadas neste ano cairá pouco mais de 10%, em linha com a média mundial. A “forte deterioração” nas percepções dos estratos intermediários da sociedade provocará também um movimento de baixa no elevador social: o contrário do que necessita um bloco de rendas médias e médias-baixas.
Há pouco mais de uma semana, o braço das Nações Unidas para a América Latina propôs a implementação de uma garantia mínima de renda equivalente à linha de pobreza de cada país que cobrisse as camadas da população mais expostas ao vendaval econômico e que fosse uma ponte para uma verdadeira renda básica universal. “Isso está sendo seriamente explorado: os países estão analisando cuidadosamente essa proposta e o Brasil é uma demonstração de que isso é possível. O mesmo acontece com a proteção social universal”, destacou Bárcena em sua entrevista coletiva virtual na quinta-feira. O país implementou o auxílio emergencial de 600 reais para famílias de baixa renda, mas reportagem do EL PAÍS mostra que milhões de pessoas ainda aguardam pela checagem de dados para receber. A falta de informações sobre o benefício gerou aglomerações e filas na frente das agências da Caixa. Além disso, 73.242 militares das Forças Armadas receberam indevidamente o auxílio.
Sobre a crise regional, Carvalho Pinheiro argumenta que “vamos sair mais pobres e com mais desemprego e, nesse cenário, políticas como a renda básica sairiam muito barato”. O chefe da OIT na região também chamou à universalização dos sistemas de saúde. “Temos que aproveitar a situação”, concluiu, “para buscar uma nova normalidade que seja melhor que a anterior”.
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