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Marilyn Manson, a descida ao inferno do fantoche do rock

Festejado como provocador excêntrico, o músico vive uma decadência musical e pessoal depois das denúncias de assédio sexual de algumas de suas ex-companheiras

Marilyn Manson em fevereiro de 2020 na festa da revista ‘Vanity Fair’, na Califórnia, durante o Oscar.
Carlos Marcos

Houve um tempo em que Marilyn Manson seduziu certa intelectualidade. Mentes brilhantes com gostos rebuscados, como os cineastas David Lynch e Tim Burton, o ator Shia LaBeouf, o documentarista Michael Moore ou o guru do rock progressivo e líder do grupo Nine Inch Nails, Trent Reznor. Todos admiraram a tenebrosa personalidade de Brian Hugh Warner, o verdadeiro nome do músico (Ohio, Estados Unidos, 52 anos). Lynch chegou a dizer que o considerava “um artista sensacional”. Talvez o fosse, com discos como Antichrist Superstar (1997) e canções como The Beautiful People. Hoje não mais: à decadência artística se juntaram as denúncias de assédio sexual contra o cantor, entre elas as de ex-companheiras como as atrizes Evan Rachel Wood, Esmé Bianco e a modelo Ashley Morgan Smithline.

Por estes dias a revista Rolling Stone publicou um artigo detalhadíssimo com algumas passagens aterrorizantes. A extensa reportagem se intitula Marilyn Manson: Um monstro escondido diante dos nossos olhos. A coisa está ganhando um aspecto sério: este jornal entrou em contato com um dos dois autores, o jornalista Kory Grow, que amavelmente se recusou a fazer comentários “por questões legais”. No artigo, várias mulheres narram as supostas atrocidades às quais o cantor as submetia. Muitas delas aconteceram em uma dependência de sua casa em West Hollywood que elas afirmam que o cantor chama de “o quarto das meninas más”. As ações já foram ajuizadas e a investigação está em andamento. Há dez dias a polícia esteve na mansão do cantor em busca de provas.

O músico no festival britânico de Reading em 2001.
O músico no festival britânico de Reading em 2001. Brian Rasic (Getty Images)

As provocações do músico durante 30 anos de carreira adquirem agora um tom sinistro. Em 2009 declarou ao jornal britânico The Guardian: “O medo é algo que inculco em outras pessoas, principalmente em garotas jovens”. Ninguém ficou escandalizado: Marilyn Manson é, já se sabe, um fantoche. Seu primeiro disco, Portrait of an American Family (1994), termina com a canção Misery Machine. No final dela foi incluída, em tom burlesco, uma mensagem telefônica com a voz de uma mãe preocupada com o filho. Naquela época Marilyn Manson estava começando a carreira e, para manter contato com seus poucos seguidores, no final dos shows lhes pedia o endereço para enviar fotos e material promocional. A mensagem da mãe diz: “Quero meu filho fora da sua lista de mailing. Entrei em contato com o correio sobre o material pornográfico que estão enviando para o meu filho. Não quero que nos enviem mais nada. Se eu receber mais algum material dessa banda, irei ao meu advogado. Obrigado e adeus”. Outra demandante, a modelo Sarah McNeilly, disse à Rolling Stone: “A violência física foi quase um alívio. A merda mental que ele te faz passar, que infecta o teu cérebro, você só quer que pare”.

O sucesso de Marilyn Manson forjou-se nos anos noventa em duas direções: para conseguir um lugar na nova onda do metal que se vivia naquela época (Pantera, Korn, Alice In Chains, Sepultura, Nine Inch Nails...), e projetar uma imagem truculenta e sangrenta. O plano era provocar, e os truculentos vídeos que passavam na televisão permitiram que ele entrasse nos lares dos norte-americanos. Seus ataques à religião, suas mensagens sobre uma população alienada pelo poder, seu gosto pelo sadomasoquismo ordinário... Era demais para as famílias mais conservadoras. Foi colocado no alvo. Paralelamente, um grupo de artistas respeitados se sentiu atraído por sua imagem ardilosa e suas mensagens anti establishment. Entre outros, Trenz Reznor, figura exaltada por David Bowie, que contratou o grupo para sua gravadora; ou David Lynch, que incluiu sua versão de uma canção de Screamin’ Jay Hawkins, I Put a Spell On You, em seu filme A estrada perdida (1997). A relação com Lynch correu bem durante um tempo: em 2010 inauguraram a exposição conjunta Genealogias da dor. Manson contribuiu com quadros de figuras deformadas e Lynch os acompanhou com vídeos.

Com o diretor David Lynch em Los Angeles, em março de 2011.
Com o diretor David Lynch em Los Angeles, em março de 2011.Kevin Winter (Getty Images)

E ainda há sua participação no documentário de Michael Moore, Tiros em Columbine (2002). Há um momento no filme que funciona como um termômetro de quão popular era Marilyn Manson naquela época. Em busca de um ideólogo involuntário daquela tragédia que deixou 12 alunos mortos pelos tiros de Eric Harris e Dylan Klebold (ambos de 18 anos), a extrema direita apontou o dedo para Marilyn Manson. Por quê? Foi dito que os assassinos eram seguidores do roqueiro e que as letras, declarações e a estética de Manson tiveram uma má influência sobre eles. Nenhuma prova foi fornecida. Michael Moore entrevistou o músico para o documentário em uma espécie de corredor de um vestiário, talvez o improvisado camarim de um show da estrela em um ginásio esportivo. Enquanto Manson explicava por que tinha sido escolhido, Moore, na época um verdugo da direita norte-americana, assentia com a cabeça continuamente. Manson o estava convencendo. Era um tipo falador, inteligente, uma cobaia perfeita que funcionava como cortina de fumaça para não responsabilizar um país com grandes doses de violência e que permitia a venda de armas nos supermercados. Foi isso que Moore deu a entender com seus movimentos de cabeça em sinal de assentimento.

Ao lado do cantor e também músico Trent Reznor, líder do Nine Inch Nails, em maio de 2000.
Ao lado do cantor e também músico Trent Reznor, líder do Nine Inch Nails, em maio de 2000. New York Daily News Archive (NY Daily News via Getty Images)

Musicalmente, seus dois melhores trabalhos foram Antichrist Superstar (1996) e Holy Wood (2000). Sobre este último, o crítico Alec Chillingworth disse na revista Metal Hammer, considerada referência em hard rock: “Um feito artístico gigantesco que ficará na história como a declaração definidora de Manson”. Mas talvez as músicas mais ouvidas do mundo deste artista sejam suas recriações de clássicos. Como Sweet Dreams, do Eurythmics; Personal Jesus, do Depeche Mode; Tainted Love, do Soft Cell, e Rock and Roll Nigger, de Patti Smith. A música de Manson se insere em um período específico, de meados dos anos noventa ao início dos anos 2000, quando o heavy metal se modernizou, incorporando ritmos e sons da música eletrônica e industrial. No final da primeira década deste século sua popularidade começou a cair. Vimos isso na Espanha em 2009 com um show desastroso no festival Kobetasonik em Bilbao e em dezembro do mesmo ano em sua atuação mais insossa de que se tem notícia no Palácio de Esportes de Madri (hoje chamado WiZink Center). Suas fanfarronadas já não eram perigosas e sua atitude errática levou seus shows ao terreno da caricatura. Trenz Reznor já havia se afastado dele. “É um cara malicioso e pisará na cara de qualquer um para ter sucesso e cruzar qualquer linha de decência”, disse o líder do Nine Inch Nails à revista Mojo.

Marilyn Manson, Justin Bieber e Kanye West no dia 1º de novembro em um dos eventos musicais-religiosos deste último.
Marilyn Manson, Justin Bieber e Kanye West no dia 1º de novembro em um dos eventos musicais-religiosos deste último.

Os advogados do músico não param de negar “categoricamente” as acusações de assédio. Ele escreveu em sua conta no Instagram: “Minhas relações íntimas sempre foram totalmente consensuais e com parceiras afins. Essa é a verdade, independentemente de como e por que outros agora escolhem tergiversar o passado”. A atriz e desenhista de moda Dita Von Teese, que teve um relacionamento com Manson durante seis anos, e inclusive se casou com ele, também se pronunciou: “Os detalhes que se tornaram públicos não coincidem com a minha experiência pessoal”. Assim que as acusações foram tornadas públicas, seu manager o deixou e sua gravadora o despediu. Marilyn Manson não tem shows agendados para os próximos meses.

Sua última aparição pública, no dia 1º de novembro, aconteceu em uma situação, para dizer o mínimo, chamativa: todo vestido de branco, com capuz e boca tapada, ao lado de Justin Bieber e Kanye West, em uma das missas musicais surrealistas que o polêmico rapper faz trimestralmente. Chamam-se Sunday Service. Para West, trata-se de uma “experiência curativa e cristã”. E Marilyn Manson, o encurralado messias das trevas e adepto do inferno, estava lá.

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