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Texto com interpretação sobre uma pessoa, que inclui declarações

Kanye West, o colapso de um deus do hip hop

Artista e empresário age de modo errático e ameaça concorrer nas eleições dos EUA

LUIS GRAÑENA
LUIS GRAÑENALUIS GRAÑENA
Xavi Sancho

A possibilidade de que Kanye West colapse é real. Um dos mais relevantes artistas do século XXI, diagnosticado com transtorno bipolar em 2016, pode estar chegando ao limite. Nenhum corpo – e muito menos nenhuma mente – pode sustentar essa montanha russa de ideias e projetos em que está envolvido o rapper, empresário e, agora, supostamente candidato a presidente dos Estados Unidos que, claro, afirma nunca ter votado na vida. Seu primeiro comício, no domingo, foi errático: acusou a célebre abolicionista afro-americana Harriet Tubman de não ter libertado os escravos, propôs dar “um milhão de dólares ou algo assim” às mulheres para dissuadi-las de abortar e chorou ao lembrar como quis que sua mulher, a hiperfamosa Kim Kardashian, com quem está desde 2012, interrompesse sua primeira gravidez (o casal tem quatro filhos). Depois publicou diversos tuítes acusando sua esposa de querer prendê-lo. Kardashian pediu publicamente “compaixão e empatia” para West e para as pessoas com doenças mentais.

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(FILES) In this file photo taken on December 13, 2016 singer Kanye West and President-elect Donald Trump speak with the press after their meetings at Trump Tower in New York. - Kanye West, the entertainment mogul who urges listeners in one song to "reach for the stars, so if you fall, you land on a cloud," announced SJuly 4, 2020, he is challenging Donald Trump for the US presidency in 2020. (Photo by TIMOTHY A. CLARY / AFP)
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A decisão de entrar na política vinha sendo anunciada por West desde 2015, mas ninguém parecia levá-la muito a sério. O rapper, nascido há 43 anos em Atlanta, apoiou nos últimos anos seu “herói” Donald Trump e chegou a visitá-lo na Casa Branca em 2018 – Kardashian, empresária milionária, também frequentou Washington para demandar uma reforma das prisões –. Respaldar um presidente tão controverso, especialmente sendo ele um homem negro nos EUA, escandalizou. West continua proclamando suas simpatias ao Partido Republicano (“Dizer que o voto negro é democrata é uma forma de racismo”, declarou à Forbes no começo do mês), mas se desvinculou de Trump porque agora lhe parece “um desastre”. Sua incerta corrida presidencial – sua candidatura foi lançada no último momento, de modo que seu nome provavelmente não estará nas cédulas dos principais Estados – se mistura a uma vocação evangelizadora. Pretende restabelecer “o amor e o temor a Deus nas escolas”.

Se, como parece provável, West logo acabe internado em um centro psiquiátrico, muitos sentirão falta do personagem e seus comentários espirituosos, as risadas. Mas o que o mundo perderá, pelo menos por um tempo, é o artista que mais fez para que o hip hop seja a música que faz o mundo girar, e para que outras disciplinas – da moda ao design e a arquitetura – girem ao redor do hip hop.

Houve um momento, em meados de 2013, que Kanye West foi invencível. Naquele ano editou Yeezus, um disco fascinante, incômodo e arriscadíssimo que foi número um em meio planeta e que confirmou seu poder para seduzir o grande público com propostas pouco amáveis. Estava tão seguro da bomba que havia armado junto com o mítico produtor Rick Rubin, parte em uma suíte de um hotel em Paris, parte em um estúdio construído em Malibu sob a supervisão de Bob Dylan nos anos setenta, que não se incomodou em escrever um só verso amável, um refrão reconhecível, uma só música com progressão minimamente previsível. Nessa época, West já gostava de se comparar a Deus. Mas ele não afirmava, como os Beatles, ser mais conhecido do que o Grande Criador, e sim propunha diretamente que ele era o Grande Criador. E como todas as religiões, exigia aos seus fiéis esforço e sacrifício. “Tem tanto talento que fez o cálculo: podem odiá-lo, mas continuarão ouvindo sua música. Isso é muito raro em um artista popular, alguém capaz de irritar seus fãs quase de propósito, sabendo que, quando lançar música nova, voltarão a consumir o que faz”, argumentou Erik Nielson, professor de cultura hip hop na Universidade de Richmond, em um artigo de 2016 sobre a magnitude do talento de Kanye West publicado pelo USA Today.

Naquele mesmo ano, West deu por encerrada a relação de sua marca de tênis, Yeezy, com a Nike. Ele se uniu a sua grande rival, a Adidas. Figura inevitável nas grandes semanas da moda, o rapper refundou sua empresa. Suas edições limitadas acabavam em horas. Os modelos, que originalmente custavam 300 euros (1.800 reais), em semanas circulavam pelo mercado secundário a preços de quatro cifras. Era o momento da eclosão do streetwear no mundo do luxo, e lá estava ele, criando as bases para que esse casamento, a priori impossível, alcançasse seu zênite em 2018, quando seu amigo Virgil Abloh se transformou no primeiro diretor artístico nos 167 anos de história da Louis Vuitton. Os dois se conheceram fazendo estágio na Fendi, e deram um longo abraço cheio de lágrimas ao final do primeiro desfile de Abloh para a maison no Palácio Real de Paris. A entrada de personagens como Kanye nesse circuito é essencial para entender tudo o que é a moda hoje, ou, pelo menos, tudo o que pretende ser.

Atualmente, a Yeezy fatura 1,5 bilhão de dólares (8 bilhões de reais) por ano, mais da metade do que ganha a linha Jordan da Nike, a mais bem-sucedida e rentável da história. De fato, foram os tênis que salvaram West da bancarrota nos últimos anos. Chegou a acumular 50 milhões de euros (302 milhões de reais) em dívidas. Ao contrário da maioria dos músicos, constantemente em turnê – pois é aí, neste século, onde está o dinheiro – West deixou de fazer shows em 2016. E não é por falta de material: editou três discos sob seu nome desde então. Em vez de turnês costumeiras, o que o rapper faz são eventos em seu milionário rancho do Wyoming. Também organiza o que se conhece como Sunday Service, uma espécie de cruzamento entre show e missa que acaba por ser um evento fascinante de duvidosa rentabilidade, o que confirma que tudo o que West empreendeu foi por amor a sua arte. Até mesmo a tentativa feita há dois anos de se transformar no promotor imobiliário do planeta graças a uma ideia para fabricar moradias sustentáveis e acessíveis: cubos inspirados no planeta desértico Tatooine de Star Wars. Os primeiros módulos foram construídos em sua fazenda em Calabassas, Califórnia. Precisou abandonar o projeto por não cumprir com as leis locais. Sua carreira é construída com a finalidade de contradizer qualquer um que lhe diga que algo não pode ser feito. O problema é que, na verdade, existem coisas que não podem ser feitas.

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