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John Cusack, o sumido: como o ator mais amado do início do século XXI caiu no esquecimento

O protagonista de ‘Alta fidelidade’ e ‘Quero ser John Malkovich’ despontou em uma sucessão de filmes amados pela crítica que o tornaram um daqueles alternativos de que o público gosta. Mas esse papel não se adaptou facilmente à nova década

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John Cusack assiste à projeção do filme ‘Chi-Raq’ na Berlinale de 2016.Sebastian_Reuter (Getty Images)

Há algumas semanas, exatamente antes de um jogo dos playoffs da Liga Norte-americana de Beisebol no qual o Chicago White Sox enfrentava o Houston Astros, Dave Williams (colaborador do site de esportes Barstool Sports) abordou em um estacionamento o ator John Cusack (Evanston, Illinois, 55 anos). A cena, gravada com um celular, mostrava um Williams irritado, que acusava o ator de trair seu time, o Chicago Cubs, a outra equipe da capital de Illinois. Cusack saiu do aperto sem muitos problemas e fez o provocador se calar lembrando-o de que era torcedor do Sox há anos e sabia mais sobre a história do time do que ele.

Esta é a última notícia que temos de Cusack, além do que o ator publica diariamente em sua conta no Twitter, rede social na qual continua muito ativo. Em sua página no IMDB aparecem apenas dois projetos futuros: Pursuit, um filme de ação pouco promissor, e outro intitulado My only Sunshine, no qual ele dividiria a tela com J. K. Simmons (o tirânico professor de Whiplash), cuja rodagem ainda não tem data para começar. “Para dizer a verdade, não sou muito procurado há algum tempo”, disse em uma entrevista ao The Guardian em 2020. Essa aceitação de sua situação na indústria tornou sua decadência como galã indie ainda mais irônica. Seu trintão atraente em comédias românticas como Digam o que quiserem (1989) nunca terminou de evoluir para outro arquétipo, mais velho, mas igualmente atraente.

Com a virada do século, John Cusack entrou em uma boa fase. Nos anos oitenta descobriu, graças a filmes como Garota sinal verde (1985) ou Verão muito louco (1986), que para o posto de estrela adolescente havia muitos (e mais atraentes) concorrentes; nos anos noventa ele se especializou em homens mais atormentados, perturbados e esquisitos, mas sempre jogando na linha do aceitável para o grande público. Cusack parecia predestinado a interpretar um cara culto e desorientado, um herói romântico entre o arty e o comercial: ele não era um galã habitual, mas tinha um rosto agradável e intrigante; não dava vida a tipos especialmente brilhantes, mas sim a adoráveis e engraçados. Era o estereótipo que se encaixava perfeitamente com o clima da época, que em pleno advento da metrossexualidade parecia valorizar alguém como ele. Era o representante do alternativo entrando sorrateiramente nos multiplexes onde eram exibidos filmes de grande sucesso, o herói romântico aceito por aqueles que olhavam com desdém as comédias românticas, o ator pelo qual era possível se apaixonar com um pretexto intelectual, mas que estava longe –e muito– de ser feio.

Anjelica Huston, John Cusack e Annette Bening em uma imagem publicitária do filme 'Os imorais’ (1990).
Anjelica Huston, John Cusack e Annette Bening em uma imagem publicitária do filme 'Os imorais’ (1990). Michael Ochs Archives (Getty Images)

Entre seus filmes mais importantes dessa segunda fase estão a comédia cult Os imorais (1990), onde deu vida a um vigarista com ar romântico, Tiros na Broadway (1994), no qual interpretou um jovem dramaturgo que se vende à máfia para ter sua peça encenada em um grande teatro, ou Matador em conflito (1997), no papel de um assassino de aluguel que é enviado a uma missão em Detroit onde casualmente também acontece a festa de ex-alunos do seu colégio. Quando fez seus dois trabalhos seguintes, a crítica e o público se renderam.

O primeiro foi Quero ser John Malkovich (1999), com roteiro de Charlie Kaufman e direção de Spike Jonze: uma comédia de humor ácido com matizes fantásticos em que interpretou um marionetista desempregado de Nova York que por acaso encontra uma pequena porta que leva direto ao cérebro do ator John Malkovich.

O segundo, Alta fidelidade (2000), baseado no romance de Nick Hornby e no qual o dono de uma loja de discos na casa dos trinta anos tenta reconquistar o amor da garota que acabou de deixá-lo e revê os erros de seus cinco piores relacionamentos. O filme foi um grande sucesso e marcou toda uma geração de homens amantes de música indie. No entanto, visto na perspectiva de 2021, o personagem de Cusack não envelheceu muito bem. Rob é –especialmente quando comparado com sua adaptação posterior para a tela pequena, estrelada desta vez por Zoë Kravitz– um exemplo interessante de masculinidade tóxica. “A questão é: era um personagem crível?”, perguntou Cusack a esse respeito em uma entrevista ao The New York Times em 2020. “Os homens eram realmente assim? Fico feliz que as pessoas tenham mudado sua visão sobre Rob. Quero dizer, o cara é um insulto. Todos nós somos. Se alguém escrever que Rob é um mulherengo passivo-agressivo, responderei: ‘Tudo bem, finalmente alguém entendeu’”. O sucesso e a credibilidade de Cusack eram tão únicos que o crítico Roger Ebert se maravilhou: em 55 filmes, disse, “não tem um ruim”.

Isso foi em 2010. Desde então, fez 25 filmes; a maioria deles passou completamente despercebida pelo grande público: foram lançados diretamente em DVD ou em plataformas digitais (e quando ainda não eram o que são hoje) e raramente alcançaram a aprovação da crítica. Procurar explicações não é fácil. Talvez ele tenha envelhecido demais para os papéis nas comédias românticas dos anos noventa ou tenha tomado algumas decisões erradas na hora de escolher seus trabalhos.

Dianne Wiest e John Cusack em ‘Tiros na Broadway’.
Dianne Wiest e John Cusack em ‘Tiros na Broadway’. FilmPublicityArchive (FilmPublicityArchive/United Arch)

Também é possível que sua imagem fora da tela e seu estilo de vida não tenham favorecido sua carreira artística. Cusack está muito distante do protótipo da clássica estrela de Hollywood, cuja vida privada, seja perfeita ou escandalosa, é quase parte de sua estratégia promocional para vender seus novos filmes. Ele nunca se casou ou teve filhos e sua intimidade é um mistério absoluto para a imprensa sensacionalista. Em sua juventude, atribuíram-lhe romances com Jennifer Love Hewitt ou Uma Thurman, mas há anos não temos notícias de parceiras suas. Em uma entrevista para a revista Elle, na qual foi perguntado sobre sua solteirice militante, o ator respondeu com um cortante: “A sociedade não pode me dizer o que fazer da minha vida.”

Além disso, faz tempo que nem sequer mora em Hollywood. Em 2016 vendeu todas as suas propriedades na Califórnia depois de se desfazer de sua casa em Malibu, que tinha comprado em 1999, e voltou para seu estado natal, Illinois, onde comprou uma cobertura de 240 metros quadrados em um edifício de 52 andares no centro da cidade de Chicago, de onde costuma fotografar o pôr do sol que publica no Instagram.

Atribui isso, sem nenhuma ambiguidade, à mania que a indústria cinematográfica tem por ele. “Hollywood é um puteiro e lá as pessoas enlouquecem”, sentenciou em uma entrevista ao The Guardian em 2014, após a estreia de Mapas para as estrelas.

Outra possível razão de seu ostracismo é que o envolvimento político de Cusack vai além de ser a imagem de uma ONG ou Embaixador da Boa Vontade da ONU. O ator é um dos fundadores da Freedom of the Press Foundation, uma organização que trabalha para financiar e apoiar a liberdade de expressão e de imprensa em todo o mundo e que nasceu depois que Visa, MasterCard e Paypal deixaram de trabalhar com a WikiLeaks, ameaçando a existência desta organização.

Em relação com esse mesmo ativismo, em 2014 viajou para a Rússia com a escritora Arundhati Roy e o economista Daniel Ellsberg para entrevistar Edward Snowden, o analista de sistemas que vazou dados classificados da Agência Nacional de Segurança dos EUA em 2013 e teve de fugir do país. Essa visita resultou no livro Things that can and cannot be said: Essays and conversations (Coisas que podem e não podem ser ditas: Ensaios e conversas), escrito a quatro mãos por Cusack e Roy.

John Cusack e seus discos na comédia ‘Alta fidelidade’.
John Cusack e seus discos na comédia ‘Alta fidelidade’. Getty Images (Getty Images)

E essa não é a única forma pela qual o ator expressa seu compromisso político. Ele o fez em muitas outras ocasiões, como por exemplo sua ativa participação nos protestos após o assassinato de George Floyd que galvanizou o movimento Black Lives Matter ou por meio de seu papel como fustigador da extrema direita através do Twitter, onde mostra sua faceta mais crítica e se autodescreve como apocalyptic shit disturber and elephant trainer (perturbador de merda apocalíptico e treinador de elefantes)”.

O frustrado retorno ao primeiro plano

Há apenas um ano, parecia que as coisas iam mudar. Depois de ter ficado afastado do mundo da televisão durante quase toda a sua carreira, exceto por uma breve aparição em Frasier em 1996, o ator concordou em participar de seu primeiro projeto de série. Tratava-se da versão norte-americana da britânica Utopia, na qual interpretou um magnata da biotecnologia, um daqueles (Musk, Bezos, Zuckerberg) que costuma criticar em sua conta no Twitter.

A passagem para a televisão intrigou Cusack, ou foi o que ele repetiu em entrevistas na época. Talvez esperasse que sua carreira decolasse em outras telas, como tinha acontecido com muitos outros atores de sua geração. Mas embora a crítica tenha valorizado sua interpretação, a série foi cancelada pela Amazon e não haverá uma segunda temporada.

Pelo menos nos resta seu Twitter, onde todas as noites, sem falta, Cusack mostra sua ira contra as grandes corporações, o regime Vladimir Putin, os contínuos anúncios da volta de Donald Trump ou os excessivos gastos militares dos Estados Unidos, um hobby que talvez não seja muito saudável para sua saúde mental, e que ele confessa ser difícil abandonar. “Adoraria pensar em outras coisas”, admitiu em 2020. “Poesia. Amor. Qualquer coisa. Mas não vivemos em um momento em que isso seja possível. É verdade que às vezes posso ir longe demais, mas a única coisa que pretendo é transmitir a mensagem de que estamos caminhando como sonâmbulos para um futuro que pode ser incrivelmente obscuro. Quem sabe, talvez ser tão franco prejudique minha carreira... Só sei que saber que não estou ficando calado durante todo esse tempo me ajuda a dormir melhor à noite”.

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