_
_
_
_

Por que sabemos que se conseguirá a vacina contra a covid-19, se nunca conseguimos contra a Aids?

O coronavírus tem uma taxa de mutação muito mais baixa que o HIV, mas só dentro de alguns meses conheceremos a eficácia das vacinas que estão sendo criadas

Um pesquisador do laboratório norte-americano Verndari, que trabalha em uma vacina para o coronavírus.


07/05/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
Um pesquisador do laboratório norte-americano Verndari, que trabalha em uma vacina para o coronavírus. 07/05/2020 ONLY FOR USE IN SPAINPaul Chinn (Europa Press)

Haverá vacinas? Isto é certeza. Serão eficazes? Isto não sabemos. Por exemplo, para o HIV (o vírus que causa a Aids) também foi feita uma vacina, o que nunca se conseguiu é que fossem eficazes. Em relação às vacinas para o SARS-Cov-2 (o vírus que provoca a covid-19), já estão sendo feitas e, quando forem testadas, saberemos se funcionam ou não. O que sabemos hoje em dia é que nenhuma pessoa infectada pelo HIV se curou de forma natural graças ao seu sistema imunológico, e, entretanto, no caso da infecção por coronavírus, muita gente o superou graças à ação de seu próprio sistema imunológico, que é justamente o mecanismo que as vacinas utilizam para combater os vírus.

Mais informações
Residents wait in line to get tested for COVID-19 antibodies at Abyssinian Baptist Church in the Harlem neighborhood of New York City on May 14, 2020. - Churches in low income communities across New York are offering COVID-19 testing to residents in conjunction with Northwell Health and New York State. (Photo by Angela Weiss / AFP)
AO VIVO | Últimas notícias sobre o coronavírus e a crise política no Brasil
Diana Berrent, donando plasma en Nueva York, en una imagen cedida por ella misma.
A nova-iorquina que mobiliza sobreviventes do coronavírus para que doem plasma
A medical worker takes a swab sample from a man to be tested for the COVID-19 novel coronavirus in Wuhan, in China�s central Hubei province on May 14, 2020. - China has largely brought the virus under control, but the emergence of new cases in Wuhan in recent days, after weeks without fresh infections, has prompted a campaign to test all 11 million residents in the city where COVID-19 first emerged late last year. (Photo by Hector RETAMAL / AFP)
EUA acusam ‘hackers’ chineses de tentarem roubar informações sobre o coronavírus

Por que, do ponto de vista científico, podemos pensar que as vacinas contra o SARS-Cov-2 serão eficazes quando, por exemplo, as vacinas contra o HIV não funcionaram? A razão fundamental para o otimismo dos cientistas é que este vírus, diferentemente do que ocorre com o HIV, tem uma taxa de mutação muito, muito, muito mais baixa. O vírus que provoca a Aids muda tanto que se fala que uma pessoa infectada com ele que não estiver sob tratamento tem milhões e milhões de vírus diferentes, porque cada vírus no corpo dessa pessoa incorpora variações. Não falamos de um tipo de vírus, falamos de múltiplos vírus muito parecidos, mas com pequenas diferenças. E uma vacina teria que ser eficaz contra cada uma dessas pequenas variações, que além disso vão mudando ainda mais ao longo do tempo. Como sua taxa de mutação é tão alta, a realidade é que necessitamos de uma vacina para milhões e milhões de vírus diferentes.

Com o coronavírus, essas variações são menores porque sua taxa de introdução de erros ao se replicar é muito menor. E como é um vírus geneticamente muito mais estável, achamos que será mais fácil. Isto não impede que com o tempo não possa mudar. É algo que desconhecemos. Mas, dito isto, não parece que o coronavírus venha a ter jamais as taxas de mutação do HIV, porque são famílias de vírus diferentes, que têm mecanismos de replicação diferentes. O HIV produz muitos erros porque precisa se retrotranscrever, do RNA passa a DNA para se integrar no genoma da célula. A retrotranscrição é um passo que não está presente no coronavírus, que é um vírus de RNA que não se integra no genoma da célula. A retrotranscrição é fundamentalmente o que provoca a aparição de tantas mutações no caso do HIV. O mecanismo que o coronavírus usa para se replicar não tem esse passo e introduz muitíssimo menos erros. Por isso uma vacina preventiva contra o HIV acabou sendo um dos maiores desafios da ciência, mas no caso do coronavírus somos mais otimistas.

Que produza menos erros que o HIV ao se replicar não quer dizer que o coronavírus não mude, porque está mudando, mas essas mudanças são mais lentas e mais previsíveis. E quando você pode predizer como um vírus vai mudar tem mais probabilidades de desenhar vacinas e tratamentos que possam ser úteis não só para o vírus que estamos vendo agora, mas também para os que pensamos que poderão vir no futuro.

Mas o otimismo não significa certeza. É claro que haverá vacinas, mas não sabemos se serão eficazes. Quando saberemos? Levará meses.

Primeiro, temos que provar seu efeito em modelos animais. Necessitamos desses dados pré-clínicos antes de saltar à clínica, ou seja, ao seu teste em humanos. Na melhor das hipóteses, se supusermos que as pesquisas foram iniciadas no começo deste ano, será preciso levar em conta que o tempo mínimo necessário para provar a eficácia e a segurança de uma vacina são dois anos, no mínimo. E isto é um tempo recorde, pois normalmente as vacinas demoram de cinco a dez anos para chegar ao mercado e serem utilizadas. É verdade que neste caso se está falando em um ano ou um ano e meio, mas eu sou mais conservadora, parece-me que antes de um ano e meio ou dois anos é praticamente impossível. Em alguns casos, com vacinas com as quais já se trabalhou antes em modelos pré-clínicos e se sabe que são seguras, alguns passos estão sendo saltados, mas há uma fase que são a 1 e a 2, as fases em que se testa a segurança e a eficácia em humanos, que exige um estudo em uma série de pessoas com o passar do tempo para saber com certeza que são seguras. E não há forma de fazê-lo a não ser deixar passar esse tempo de segurança. Pode-se reduzir, mas isso tem seus riscos. Podemos como sociedade assumir esse risco, entendo que estamos em uma situação muito complicada e provavelmente o faremos, mas estas fases foram concebidas para que os tratamentos e vacinas que cheguem às pessoas sejam os mais seguros possíveis, e eu acredito que seja muito importante respeitar essa ordem e esse ritmo, dentro do qual será preciso fazer o possível para ter uma solução o quanto antes. Mas há tempos que não podem ser reduzidos, e fazê-lo não seria uma boa ideia.

Nuria Izquierdo-Useros é doutora em biologia, chefa do grupo de agentes patogênicos emergentes da IrsiCaixa.

Pergunta envida via e-mail por Paula Martín.

Elas Respondem é um consultório científico semanal, patrocinado pela Fundação Dr. Antoni Esteve e pelo programa L’Oréal-Unesco ‘For Women in Science’, que responde às dúvidas dos leitores sobre ciência e tecnologia. As dúvidas são respondidas por cientistas e tecnólogas, sócias da AMIT (Associação de Mulheres Pesquisadoras e Tecnólogas). Envie suas perguntas a nosotrasrespondemos@gmail.com ou pelo Twitter #nosotrasrespondemos.

Informações sobre o coronavírus:

- Clique para seguir a cobertura em tempo real, minuto a minuto, da crise da Covid-19;

- O mapa do coronavírus no Brasil e no mundo: assim crescem os casos dia a dia, país por país;

- O que fazer para se proteger? Perguntas e respostas sobre o coronavírus;

- Guia para viver com uma pessoa infectada pelo coronavírus;

- Clique para assinar a newsletter e seguir a cobertura diária.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_