Corrida por uma vacina contra a Covid-19 se acelera
Projeto liderado pelo Exército chinês, um dos mais avançados, inicia segunda fase de testes clínicos
A Covid-19 continua a se espalhar pelo Ocidente enquanto sua segunda onda atinge a Ásia. Com o número de mortos já acima de 100.000 e o número de infectados próximo de 2 milhões, parece cada vez mais claro que apenas uma vacina poderá devolver o mundo à normalidade. A corrida para encontrar a solução, sem esquecer sua dimensão propagandística, continua. Os projetos dos Estados Unidos e da China, que começaram seus testes clínicos no mês passado, continuam na liderança: o injetável do gigante asiático já está preparado para passar para a segunda fase.
É o que foi anunciado pela empresa responsável, a CanSino Biologics, na última quinta-feira. O projeto foi desenvolvido em colaboração com a Academia Militar de Ciências Médicas do Exército de Libertação Popular (EPL), as forças armadas chinesas. Os esforços no terreno foram dirigidos pela bioengenheira e general de brigada Chen Wei, que foi para Wuhan no final de janeiro. O resultado de seu trabalho é uma vacina de subunidade, uma fórmula de nova geração que só contém certos antígenos específicos sem patógenos, razão pela qual é considerada mais segura do que as técnicas tradicionais.
O início dos testes clínicos foi anunciado em meados de março, apenas um dia depois de os EUA terem feito o mesmo com seu projeto, financiado pelo Instituto Nacional de Saúde e desenvolvido pela empresa de biotecnologia Moderna Therapeutics. Este, diferentemente da alternativa chinesa, usa uma tecnologia conhecida como RNA mensageiro (RNAm), que copia o código genético do vírus em vez de transmitir uma versão atenuada do mesmo. Até o momento, nenhuma vacina usando a fórmula RNAm foi aprovada para uso em seres humanos.
Nesta primeira etapa, a solução chinesa foi aplicada a 108 pessoas saudáveis, escolhidas entre mais de 5.200 candidatos, divididas em três grupos de acordo com a dose recebida. Um deles foi Xiang Yafei, um homem de 30 anos e dono de restaurante que contou sua experiência ao diário South China Morning Post, de Hong Kong. Ele recebeu a dose mais baixa. “Tive febre de 37,6ºC nos dois primeiros dias. Foi como pegar um resfriado, com sintomas de cansaço e fadiga, mas no terceiro meu estado melhorou e basicamente estou saudável desde então.”
Nesta segunda etapa os testes serão repetidos em uma amostra maior de indivíduos, composta por várias centenas de pessoas, para observar sua segurança e eficácia e estabelecer um plano de vacina
Depois de fazer duas semanas de quarentena em uma instalação militar, Xiang Yafei recebeu alta em 2 de abril. A equipe médica colheu uma amostra de seu sangue em busca dos anticorpos gerados pelo coronavírus, mas ainda não recebeu uma resposta. Ele não está preocupado. “Nunca tive medo. (...) Antes de fazer o teste conheci pessoalmente a general de brigada Chen Wei, que me garantiu que não faria mal ao meu corpo.” Uma publicação do perfil oficial do EPL nas redes sociais deu a entender, antes de ser removida, que a médica militar havia injetado uma primeira versão da vacina nela mesma, além de em seis outros membros de sua equipe.
Os dados preliminares dessa fase inicial dos testes clínicos, de qualquer modo, foram positivos, razão pela qual os pesquisadores receberam permissão para continuar. Nesta segunda etapa os testes serão repetidos em uma amostra maior de indivíduos, composta por várias centenas de pessoas, para observar sua segurança e eficácia e estabelecer um plano de vacina. Essa será a última etapa antes da terceira e definitiva rodada de testes.
Cinco técnicas
O da CanSino e do EPL é apenas um dos nove projetos chineses em andamento. Esses estudos usam cinco técnicas diferentes, como vacinas inativadas, de vetor viral ou genéticas, que estão em diferentes fases de desenvolvimento e mobilizam um total de até 1.000 cientistas. O Conselho de Estado anunciou nesta manhã que dois outros compostos iniciarão os testes clínicos nos próximos dias. Um foi desenvolvido pelo Instituto de Produtos Biológicos Wuhan, sob a direção do Grupo Farmacêutico Nacional, e o outro pela Sinovac Research and Development, empresa com sede em Pequim. Ambos são vacinas inativadas.
Mas os esforços não se limitam aos Estados Unidos e à China. Um artigo recente publicado na prestigiosa revista Nature apontou que havia 115 projetos em andamento em 8 de abril. Destes, 73 estão em estado exploratório ou pré-clínico. A maioria, 56 (72%) está sendo desenvolvida por entidades privadas, enquanto os 22 restantes (28%) respondem a iniciativas de entidades acadêmicas, do setor público ou ONGs.
O texto descreve o impulso mundial de pesquisa frente à Covid-19 como “sem precedentes em tamanho e velocidade” e estima que uma vacina poderia estar pronta para uso emergencial no início de 2021. Isso seria um enorme avanço em relação ao prazo habitual para o desenvolvimento de injetáveis, que costuma levar cerca de 10 anos em média. Mesmo durante a crise do ebola, foram necessários cinco anos para a primeira vacina estar disponível. O vírus avança, mas a ciência também.
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