Esquerda e direita tentam superar divergências e ensaiam união contra Bolsonaro nas ruas neste domingo
Grupos conservadores e progressistas promovem ato juntos, mas as fissuras de um país polarizado há anos dificultam maior adesão. PT afirma que não estará nas manifestações, organizadas pelo MBL
Diante da escalada autoritária do presidente Jair Bolsonaro, grupos políticos historicamente divergentes, que ocupavam trincheiras opostas há bem pouco tempo, começam a ensaiar uma união. Neste domingo, nomes conservadores e progressistas devem participar em 17 capitais do país de um ato que pede o impeachment do mandatário brasileiro. Mas as fissuras de um país dividido ao meio há tanto tempo não são tão fáceis de superar e impedem uma maior adesão. Principal partido da oposição, o PT anunciou que ficará de fora. Recusou-se a estar nas ruas ao lado de grupos de direita que ajudaram a tirar Dilma Rousseff do cargo ou que celebraram a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva pela Operação Lava Jato. Ainda que seja pelo fim do Governo de Bolsonaro, algo com que os dois polos, finalmente, concordam.
Os protestos deste 12 de setembro foram organizados ainda em julho por grupos conservadores e liberais descontentes com as políticas bolsonaristas, entre eles o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem para a Rua, organizadores também dos atos que pediram o impeachment de Rousseff, ao lado do Livres e de partidos de direita como o Novo e o PSL. Tinham como slogan inicial, além da saída do presidente, o “nem Lula nem Bolsonaro”, em referência aos dois nomes que devem entrar em embate direto nas eleições do ano que vem. Os grupos de centro e de direita tentam fazer decolar uma via alternativa a eles, mas ainda não conseguiram emplacar alguém. E os atos pelo impeachment do atual presidente, se bem sucedidos, podem servir de palco para ajudar a fortalecer um potencial candidato. Mas, de última hora, o lema acabou excluído em uma tentativa de atrair também a oposição de esquerda. Não foi suficiente, entretanto, para partidos como o PT e PSOL, que decidiram não enviar representantes para as manifestações. Mas algumas figuras públicas progressistas prometeram estar presentes no ato na avenida Paulista, como os deputados federais Orlando Silva (PCdoB-SP) e Alessandro Molon (PSB-RJ), a deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), além do pré-candidato a presidente Ciro Gomes (PDT).
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Entre analistas, dirigentes partidários e militantes existe uma cobrança para que a esquerda, que vem realizando atos pelo impeachment desde 29 de maio, se junte às manifestações convocadas pela direita —que, por sua vez, praticamente não aderiu aos atos anteriores. Mas há algumas questões em jogo e uma desconfiança mútua. O lado progressista não vê legitimidade num ato puxado pelo MBL, grupo que, lembram seus adversários, usou as mesmas táticas bolsonaristas de difamação nas redes, se manifestou nas ruas contra instituições, buscou a censura em museus e escolas, entre outros pontos. Já o lado conservador e liberal busca distância de Lula, acusado de buscar os holofotes somente para si, e enxerga uma intenção do petista em esvaziar os atos de 12 de setembro.
Apesar desses obstáculos, o discurso tanto na direita como em parte da esquerda é o de que o momento exige deixar de lado divergências e construir um ato unificado em defesa da democracia. “A gente enxerga a semelhança com o movimento ‘Diretas Já' [que lutou pelo voto direto no final da ditadura militar]. Essa tem sido nossa postura”, explica Mano Ferreira, jornalista e especialista em comunicação política, além de cofundador e diretor de comunicação do Livres.
Apesar de o MBL ter lançado um comunicado pedindo para que se fosse às ruas vestindo branco, para se evitar cores que simbolizem algum espectro político, Ferreira afirma ser “bonito e natural” que as pessoas expressem suas posições políticas através das cores e bandeiras de partidos. O momento é também o de reconhecer a legitimidade do adversário, argumenta. Mas pondera: “É desejável deixar de lado a discussão eleitoral para que façamos uma defesa conjunta do impeachment. Se defendemos o valor da democracia e queremos vencer o bolsonarismo, não há espaço para personalismo ou purismo”, explica ele. Ao contrário de outros grupos, como o próprio MBL, Ferreira lembra que o Livres sempre se opôs a Bolsonaro. ”Desde o início reconhecemos que seu projeto era antiliberal por excelência”, afirma. Os integrantes do grupo deixaram o PSL quando o partido passou a abrigar o então candidato de ultradireita. “Hoje vemos outras forças do nosso campo político aderindo à oposição, e vemos isso como algo importante.”
O jornalista Bruno Torturra, um dos idealizadores do canal de esquerda Mídia Ninja, também vê a necessidade de se convocar atos unificados envolvendo tanto a direita como a esquerda. Mas concorda com os partidos e organizações que não vão aderir ao 12 de setembro. “Manifestação não é meramente uma performance, importa muito a articulação que é feita. Um impeachment não vai sair do papel porque o [presidente da Câmara] Arthur Lira viu que a esquerda desorganizada atendeu a um chamado do MBL, que é hoje um grupo fraco e sem peso dentro do Congresso”, explica ele.
Torturra também afirma ser importante que o 12 de setembro mostre o tamanho da direita antibolsonarista na sociedade. “A gente não tem que sequestrar a manifestação de outras pessoas”, afirma. “Precisamos ir a uma manifestação de maneira confortável ou deixar que façam a manifestação deles. Eles não deveriam ter que contar com a esquerda para ter força”, completa. O EL PAÍS tentou contato com o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos principais nomes do MBL, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem.
Espaço para a “terceira via”
O argumento de que não é hora de pensar em cálculos eleitorais é repetido por todas as pessoas consultadas pelo EL PAÍS. Ainda assim, os atos de 12 de setembro também abrem uma oportunidade para que candidatos da chamada terceira via, que tentam romper a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022, se apresentem. Na avenida Paulista estarão presentes, além de Ciro Gomes, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o ex-candidato a presidente João Amoedo (Novo).
“Quem for a favor realmente do impeachment tem que se colocar de forma operativa para criar um consenso único e raro apenas em um único tema, o ‘fora Bolsonaro’”, explica Ciro Gomes. Ele lembra que a oposição progressista possui cerca de 130 votos na Câmara e que tem sido derrotada sucessivamente e não tem os votos suficientes para levar um impeachment adiante. “Precisamos convencer mais de 200 deputados da direita e da centro-direita. Portanto, nós precisamos dialogar com os diferentes. Isso é claro como a água mineral cristalina”, afirma. Ele também faz questão de dizer que não possui qualquer semelhança com o MBL em matéria de concepção de Brasil. “Isso é uma bobagem. Agora, penso que todos os democratas brasileiros de lado a lado precisamos mobilizar a sociedade brasileira para criar o ambiente do impeachment”, conclui.
Divergências deixam PT e o PSOL de fora
A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidenta nacional do PT, afirma que o partido pretende subir em palanques junto ao PSDB e outras siglas e da centro-direita em atos pelo impeachment de Bolsonaro marcados para os dias 3 de outubro e 15 de novembro. “Queremos construir um ato com partidos com os quais temos divergências, mas que participaram de todo o processo de reconstrução democrática do Brasil”, afirma Hoffmann. “Porém, a manifestação convocada para o 12 de setembro tinha outro caráter”, acrescenta ela, em referência ao slogan “nem Lula nem Bolsonaro”. “Eles acabaram mudando isso em cima da hora, mas isso não repercutiu em todos os lugares. Então, nós achamos importante que o ato aconteça, incentivamos os atos, mas o PT não participará. Tudo é uma construção coletiva, as coisas não acontecem assim”, explica. O PSOL seguiu na mesma direção, ao dizer que “o partido não é organizador, não convoca e nem participará da manifestação do dia 12 de setembro”.
Apesar de o PT ser signatário de pedidos de impeachment e ter levado milhares de militantes aos atos da oposição contra o presidente, existe um entendimento de analistas políticos de que a destituição de Bolsonaro neste momento não é prioridade para Lula, que lidera com folga as pesquisas de intenção de voto. O melhor para o ex-presidente, em termos políticos, seria deixar Bolsonaro sangrar até eleição para que chegue ao pleito com uma rejeição ainda mais alta e o petista se torne a opção mais viável do campo democrático. “Lula depende da presidência de Bolsonaro com um zumbi político pra ele impor uma simplificação absolutamente demagógica de que ele é a única saída pra tirar o Bolsonaro”, afirma Gomes. “E isso simplesmente não é verdade, é uma grosseira mentira que vai matar o Brasil se nós não conseguirmos construir um ambiente de proteção da democracia.”
Por outro lado, uma apuração da Folha de S. Paulo desta semana mostrou que setores do PT acreditam que o impeachment pode significar um “ganho duplo” para as eleições. Existe um entendimento nos bastidores de que Lula veria eliminado da disputa seu principal rival e se tornaria o principal nome das dos comícios. Mesmo podendo sofrer derrota de outro nome da direita, existe a confiança que o petista seria vencedor em qualquer disputa. Caso a destituição não ocorra, o PT confia que haverá uma coalizão ampla em torno de Lula, isolando Bolsonaro na disputa. “Nunca na história do Brasil um presidente teve tantas razões para ser ‘impichado’ como Bolsonaro”, afirmou o ex-presidente à Folha.
Hoffmann rebate a ideia de que PT prefere Bolsonaro como adversário e nega que veja os atos e o impeachment a partir de um cálculo eleitoral. “A visão do partido é a seguinte: a gente não escolhe concorrentes nem opositores. Para nós, disputar a eleição é levar programa claro para o Brasil. É isso que vai dar a vitória o Lula”, garante. Sobre o impeachment, esclarece: “Por uma questão de defesa do Brasil, do povo brasileiro, Bolsonaro tem que sair. Entendeu? Ele comete crimes de responsabilidade, e para nós isso é fundamental.”
Assim como PT, organizações como a frente Povo sem Medo, a frente Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos não foram incluídas na organização da manifestação. E, assim como o PT, também decidiram ficar de fora. “Avaliamos como indispensável a manifestação do conjunto da sociedade pelo fim do Governo genocida de Bolsonaro. Todas as mobilizações são importantes, inclusive aquelas promovidas pelos setores responsáveis pela chegada de Bolsonaro à Presidência”, afirmou a Coalizão na nota em que nega sua participação no 12 de setembro. “Seguiremos comprometidos com a construção do calendário unificado de atos nacionais junto aos setores populares e, sobretudo, seguimos no enfrentamento do racismo, do fascismo, do sexismo e da LGBTfobia”, completou.
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