Recuo de Bolsonaro das ameaças ao STF causa curto-circuito na base de apoiadores: “Game over”
Militantes acampados na Esplanada pregam descumprimento do pedido do presidente para desbloquear as estradas fechadas por caminhoneiros. Um dos líderes da categoria, Zé Trovão, diz que está foragido no México e que será preso, apesar de apoio de representantes da ultradireita mexicana
Dias após ameaçar descumprir ordens do Supremo Tribunal Federal e incitar seus apoiadores contra os ministros da corte ―em pleno Sete de Setembro―, o presidente Jair Bolsonaro baixou o tom de seu discurso. Em nota divulgada no final da tarde desta quinta-feira, ele minimizou suas falas de cunho golpista nas manifestações da última terça e afirmou defender o diálogo com o Judiciário e o respeito à Constituição, numa clara tentativa de amenizar a repercussão política e esfriar a pressão que sofreu mesmo entre aliados diante de sua escalada autoritária. O recuo do discurso do presidente, entretanto. causou um curto-circuito entre a sua base de adoradores. A militância oscilou entre o apoio cego e incondicional ao presidente e o desembarque do Governo, algo que costuma ocorrer com políticos que demonstram fraqueza e estão balançando no poder.
Parte dos apoiadores que ainda acampavam na Esplanada dos Ministérios nesta quinta-feira, em Brasília, dizia que a ordem dada por Bolsonaro para que os caminhoneiros desocupassem as estradas bloqueadas desde o dia anterior deveria ser descumprida. O que de fato foi, em parte, já que várias rodovias brasileiras ainda tinham bloqueios parciais e lideranças da categoria que integra a base bolsonarista disseram que não recuariam dos protestos ao menos até o próximo domingo. Já nos grupos bolsonaristas no WhatsApp e no Telegram, e nas redes sociais de influenciadores digitais da direita, a discussão após a mudança de tom de Bolsonaro era sobre qual seria a melhor opção da direita para 2022, ou se chegara o momento de ocorrer uma intervenção militar para retirá-lo do cargo. Tanto o blogueiro Allan dos Santos quanto o comentarista Rodrigo Constantino, dois extremistas fiéis a Bolsonaro, sentenciaram em suas contas no Twitter: “Game Over”.
No documento que provocou a celeuma da militância até então fiel ao presidente, Bolsonaro também recuou de suas ameaças contra o ministro do STF Alexandre de Moraes. Disse que seu comportamento radical e suas falas extremadas na manifestação do Dia da Independência do país, quando chamou o magistrado de canalha, “decorreram do calor do momento e dos embates”. Ele ainda afirmou que tem “respeito pelas instituições da República” e que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”. Bolsonaro ainda sugeriu que medidas jurídicas serão debatidas nos tribunais. Antes, dizia que não cumpriria decisões de Moraes.
A carta de recuo foi sugerida pelo antecessor de Bolsonaro, Michel Temer (MDB), que tem sido um conselheiro informal do presidente. Alexandre de Moraes foi ministro da Justiça de Temer e foi indicado por ele para a cadeira no STF. Outra razão para que o emedebista fosse consultado por Bolsonaro foi porque em 2018, durante o seu Governo, ocorreu uma longa e grave paralisação de caminhoneiros no país. Tanto naquela como nesta, um dos principais incentivadores da desordem foi Jair Bolsonaro.
Militantes reais X virtuais
Entre os militantes que participam das manifestações nas ruas, há um grupo formado por centenas de homens e mulheres que, desde o dia 7 de setembro, está acampado na Esplanada dos Ministérios. Eles descumpriram ordens dadas pela Polícia Militar do Distrito Federal e não deixaram o local logo após o protesto. E, pelo visto, não é apenas essa ordem que descumprirão. “Temos de descumprir essa ordem de desbloqueio que o presidente deu. Ele próprio já nos ensinou que temos de ler nas entrelinhas. Se ele mandar bloquear as pistas [rodovias], ele pode sofrer uma nova caçada judicial, então, agora é por nossa conta”, disse o caminhoneiro Rodolfo Proença, que viajou de Unaí (MG) para Brasília para demonstrar seu apoio ao Governo Bolsonaro.
Na mesma linha seguiu a produtora rural Elizabeth Alves, de Videira (SC): “Se isso terminar agora, sem nada mudar, nós estamos lascados. Temos de destituir os ministros do Supremo já.” Entre esses apoiadores, houve quem dissesse que continuaria seguindo Bolsonaro, mesmo que ele não tenha decretado estado de sítio, como alguns esperavam ingenuamente —quem aprova essa intervenção é o Congresso Nacional, não o Executivo. “Estamos chateados, sim. Dormimos achando que ele tinha feito uma intervenção. Acordamos com um pedido de desbloqueio de vias. Mas temos de confiar no presidente”, ressaltou o caminhoneiro Gilson Pacheco, de Três Lagoas (MS), que também está na capital desde o início da semana.
Algo comum entre esses adoradores da Esplanada dos Ministérios é a hostilidade com a imprensa. De 30 procurados pela reportagem, apenas três toparam conceder entrevista. Alguns xingaram. Outros ameaçaram agredir, caso seguisse conversando com os acampados. E dois ex-paraquedistas, que usavam boinas vermelhas e uniformes pretos, acompanhavam cada passo da reportagem. Todos sem máscaras, como se a pandemia de covid-19 estivesse terminada.
Nas redes sociais, um dos principais comentários até mesmo entre apoiadores era de que Bolsonaro “arregou”, que é quando se desiste ou se rende para um adversário. Também havia outros que o chamavam de “traidor”, por ter se aconselhado com Temer. “Ilusão acreditar que um político com 30 anos de Centrão no Congresso, poderia mudar o Brasil”, disse um dos militantes nas redes. Bolsonaro foi deputado federal por 28 anos, boa parte deles em partidos do Centrão, como PP, PTB e PSC. A fábrica de memes também estava funcionando em alta rotação. Houve até um que fazia parecer que Temer estava tomando a faixa presidencial dos ombros de Bolsonaro.
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Outro que se surpreendeu com o recuo de Bolsonaro foi o caminhoneiro e blogueiro Marcos Antônio Pereira Gomes, apelidado de Zé Trovão. Ele está foragido da Justiça brasileira. Na véspera das manifestações de terça-feira, Zé Trovão divulgou uma gravação considerada pelos investigadores do Ministério Público como apologia ao crime e à violência em um clima já profundamente polarizado. “Começa no dia 7, mas só vai terminar quando os 11 juízes do Supremo forem destituídos e os votos forem contados publicamente. Se isso não acontecer, todo o Brasil ficará paralisado pelo tempo que for necessário”, ameaçou. Nesta quinta-feira, o líder caminhoneiro divulgou outro vídeo em que tenta se apresentar como vítima.
“Em alguns momentos devo ser preso”, diz ele, que acrescentou estar “cansado” de fugir. Trovão revela que está no México e que a embaixada do Brasil já fez contato com o hotel da capital onde está hospedado. “Então, em alguns momentos, provavelmente a polícia vem aqui me recolher e vai me levar a preso.” No entanto, não está claro o procedimento que envolve os dois países, já que o caminhoneiro não estava sendo procurado oficialmente pelas autoridades mexicanas. O militante bolsonarista declarou à revista Veja que pediu asilo ao Governo de Andrés Manuel López Obrador, disse que o processo está aberto e que se sente seguro.
Trovão recebeu o apoio de representantes do movimento ultraconservador do México. O consultor Raúl Tortolero, por exemplo, que na semana passada se reuniu com o líder do partido espanhol Vox, Santiago Abascal, durante sua visita ao México, atacou em suas redes sociais o juiz que expediu o mandado de prisão: “Toda nossa solidariedade para com Zé Trovão, líder caminhoneiro que o abusivo ministro Alexandre de Moraes quer prender por ser conservador. Já são muitos os abusos da toga. Já basta”. O caso é o último capítulo de um conflito que levou Bolsonaro a ultrapassar a fronteira da separação de poderes em seu embate com o Supremo, que o investiga por difundir notícias falsas, estratégia que, junto à propagação de teorias conspiratórias, tem sido adotada pela extrema direita tanto na América como na Europa.
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