Bolsonaro faz discurso messiânico diante de Esplanada cheia e ameaça enquadrar o Supremo
Presidente fala a eleitores sobre“ultimato”: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”. reunião de Conselho da República, que poderia lhe conferir poderes para uma intervenção, e PSDB já fala em impeachment
A Esplanada dos Ministérios encheu e o presidente Jair Bolsonaro garantiu a foto que tanto queria. Milhares de eleitores do mandatário se espremeram para vê-lo discursar e transformar o aniversário da independência do Brasil em um ato político bem sucedido a seu favor. São os tais 25% dos eleitores leais que tiraram o 7 de Setembro para vestir verde e amarelo e mostrar sua fidelidade irredutível ao presidente. “Jurei, como [o vice-presidente Hamilton] Mourão e [o ministro da Defesa] Braga Netto dar a vida pela pátria. E vocês darão a vida pela sua liberdade”, disse Bolsonaro num discurso messiânico que citou seu papel na presidência como uma missão divina. “Cheguei aqui pelas mãos de Deus e devo a Ele a condução desta nação”, afirmou ele, enquanto os seus apoiadores gritavam: “Moraes na cadeia!” e “eu autorizo”, este último brado em referência a uma autorização para intervir no Supremo.
O ataque à Corte Suprema foi direta com a clara intenção de atingir o ministro Alexandre de Moraes, mas com uma ameaça a toda instituição. “Ou o chefe desse Poder [Luiz Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse ele em referência ao STF, discursando ao lado do vice-presidente Hamilton Mourão e de alguns ministros, como Braga Netto, o do Trabalho, Onyx Lorenzoni, o da Justiça, Anderson Torres, e a dos Direitos Humanos, Damares Alves. Bolsonaro e seus seguidores estão sob pressão da Corte que atua nos inquéritos dos atos antidemocráticos e no das fake news. Vários eleitores do presidente que ameaçaram, inclusive de morte, o ministro Moraes foram detidos nos últimos dias.
O tom do discurso foi visto como gravíssimo por opositores, especialmente pelo fato de Bolsonaro ter falado em uma reunião marcada com o Conselho da República. O colegiado é formado pelos presidentes da República, do Senado, da Câmara, pelo vice-presidente da República, por mais quatro deputados e senadores, o ministro da Justiça, além de seis cidadãos. Ele tem como uma de suas competências se pronunciar sobre a decretação de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio. Também cabe ao órgão a atribuição de deliberar sobre questões relevantes para a estabilidade das instituições democrática. “Amanhã estarei no Conselho da República, juntamente com ministros, com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com essa fotografia de vocês, para mostrar para onde nós todos devemos ir”, falou durante o discurso. Ao contrário do que foi dito por Bolsonaro, o presidente do STF não compõe o colegiado, conforme a lei 8041/1990.
Diante do cenário, o PSDB anunciou que está convocando uma reunião extraordinária do Executiva para esta quarta para tratar das declarações do presidente. “O presidente do PSDB, Bruno Araújo, convoca reunião Extraordinária da Executiva para esta quarta-feira, para diante das gravíssimas declarações do presidente da República no dia de hoje, discutir a posição do partido sobre abertura de de Impeachment e eventuais medidas legais”, anunciou. O PSD estuda aderir ao movimento.
Plateia
Dados extraoficiais que foram apresentados a representantes do Judiciário e do Legislativo por órgãos de inteligência apontam que cerca de 150.000 pessoas estiveram na manifestação pró-Governo. O ápice foi durante o discurso de Bolsonaro. Organizadores do evento, porém, falaram que havia cerca de 300.000 pessoas. Abaixo do que os bolsonaristas alardearam. A Polícia Militar do Distrito Federal não divulgou estimativa de público.
Antes de discursar, Bolsonaro sobrevoou a Esplanada em um helicóptero das Forças Armadas e acenou para o público. Outro o escoltava e ao menos sete caças da esquadrilha da fumaça, da Aeronáutica, fizeram manobras nas proximidades do Congresso Nacional.
Diante de sua plateia, que inclui saudosos da ditadura e adeptos da ideia de fechar o Supremo, o presidente investiu num ato midiático, incluindo a chegada à Esplanada de Rolls-Royce presidencial dirigido pelo ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, um extremista como o presidente. Ao chegar se posicionou ao lado de ministros para acompanhar as solenidades em homenagem ao 7 de Setembro. Antes, fez um rápido discurso em que falou: “Hoje, eu quero ser apenas o porta-voz de vocês, e dizer que o que estou falando a partir de agora é em nome de vocês, povo brasileiro”.
A multidão de apoiadores, que chegou a Brasília desde o fim de semana, estava em êxtase. Alguns incidentes foram registrados, como a invasão da Esplanada na noite de segunda-feira e um rojão que alguns militantes soltaram em direção a uma árvore na frente do Ministério da Defesa ou a tentativa de bolsonaristas avançar sobre o acampamento de indígenas instalado a três quilômetros da Esplanada. Por fim, não houve invasão do Congresso Nacional ou do Supremo, como algumas autoridades temiam.
Entre os seus apoiadores que estiveram em Brasília, o discurso era o esperado. A cada aumento de tom do presidente, a plateia ia ao delírio. O chamava de “mito”, pedia o fechamento do Supremo e vários insistiam na intervenção militar. O público era majoritariamente formado por pessoas brancas, de classe média. Boa parte vinda de outros Estados do país, como o produtor rural Nestor Poleto, de 63 anos, que tem uma fazenda de soja e milho em Nova Mutum, no Mato Grosso. “Estou aqui para lutar contra o comunismo, a favor da liberdade. Se vai ter intervenção militar ou não, eu não sei, mas o Bolsonaro saberá o que é o melhor”, disse.
Outro que defendia atos radicais era o motorista Márcio Ramos, 53 anos. Ele defendia a destituição de todos os ministros do Supremo. “O STF está mandando mais que o próprio presidente”, afirmou. Entre os manifestantes havia dezenas deles com faixas em diversos idiomas. A ideia era que sua mensagem repercutisse em outros países.
Apesar do entusiasmo, Bolsonaro continua a falar com sua base mais leal e radical, num momento em que sua rejeição supera os 60%. Erros de gestão na pandemia, a inflação e a suspeitas de corrupção levantadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia desgastam a imagem do presidente para o resto do país. O presidente perdeu o apoio político de diversos partidos e do mercado financeiro, especialmente depois do resultado pífio do PIB na semana passada. Nesta terça, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aproveitou a data para tuitar: “Ao tempo em que se celebra o Dia da Independência, expressão forte da liberdade nacional, não deixemos de compreender a nossa mais evidente dependência de algo que deve unir o Brasil: a absoluta defesa do Estado Democrático de Direito.”
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Clique aquiPacheco assinou um artigo no jornal O Estado de S. Paulo em que não deixa dúvidas sobre a sua posição sobre os atos do presidente. “As liberdades de expressão e de manifestação engrandecem uma sociedade (...) Mas é preciso que não se perca de vista a exata compreensão desses termos ao invocá-los, especialidade quando a ambiguidade de sua utilização possa vir a capturar a boa intenção de alguém a ponto de misturar valores cívicos com flertes de autoritarismo.”
Na mesma linha, o principal alvo das manifestações dos bolsonaristas, o ministro Alexandre de Moraes, publicou em seu perfil no Twitter: “Nesse Sete de Setembro, comemoramos nossa Independência, que garantiu nossa Liberdade e que somente se fortalece com absoluto respeito a Democracia”.
Na outra ponta da Esplanada, a três quilômetros do protesto bolsonarista, ocorreu um ato de militantes de esquerda, estudantes e indígenas, contou a repórter Marília Sena. Estimativas dos organizadores dessa manifestação registraram 1.000 participantes. O líder do PT no Senado, Paulo Rocha, disse que a baixa adesão ao movimento se deve à uma retomada lenta da organização anti-Bolsonaro. “Estamos em um processo de acúmulo de força porque jogaram os democratas deste país no canto do ringue. A capacidade de reação através da organização é muito grande no Brasil. Então estamos retomando”, afirmou ele durante o protesto.
Filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ironizou o protesto dos opositores. “Sobrevoei com o presidente a Esplanada e do outro lado só tinha meia dúzia de pessoas. Nem o pão com mortadela ajudou”, disse, em referência ao lanche que usualmente era dado a militantes de esquerda em protestos. Apesar de discursar de que o apoio a Bolsonaro é orgânico, havia centenas de pessoas que vieram a Brasília bancadas por entidades da agropecuária. “Eu vim de graça, mesmo. Meu patrão quem pagou para eu estar aqui”, disse ao EL PAÍS, o trabalhador rural João Carlos Souza, que esteve em Brasília com uma comitiva que veio do interior de Goiás.
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