Bolsonaristas desafiam o STF em busca de recursos e apoio para as manifestações do 7 de Setembro
Militantes projetam 500.000 pessoas em Brasília no feriado da terça-feira. Eles mudaram a chave Pix bloqueada por Alexandre de Moraes, que mandou prender um dos organizadores dos atos nesta sexta
Emulando o presidente Jair Bolsonaro, militantes que o apoiam cegamente têm se unido nas críticas do mandatário ao Supremo Tribunal Federal (STF) para promover os atos do próximo dia 7 de Setembro, quando se celebra a Independência do Brasil. Alguns deles até descumprem decisões judiciais para incentivar os apoiadores a seguirem para Brasília e São Paulo em uma manifestação de apoio a Bolsonaro e que defende a destituição dos 11 ministros do STF, assim como a recriação do voto impresso, ainda que a medida tenha sido rejeitada pela Câmara dos Deputados. E a reação do STF levou um dos promotores dos atos à prisão.
Nesta sexta-feira, o presidente repetiu seu discurso autoritário e afirmou, sem citar nomes, que os atos servirão como um ultimato a um ou dois ministros do Supremo. O recado foi dado a Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que atualmente também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Nós não criticamos instituições ou Poderes. Somos pontuais. Não podemos admitir que uma ou duas pessoas que, usando da força do poder, queiram dar novo rumo ao nosso país”, afirmou durante evento em Tanhaçu (BA).
Neste mesmo dia, o jornalista Wellington Macedo, que havia sido proibido de usar as redes sociais para falar sobre a manifestação, acabou preso em Brasília. No último domingo, juntamente com outro investigado, Macedo participou de uma transmissão ao vivo em que reforçou as críticas ao Judiciário, em um material que servia como propaganda para os atos pró-Governo.
Também estava no encontro virtual o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, que nas redes é conhecido como “Zé Trovão, a voz das estradas”. Ambos são apontados como organizadores dos atos antidemocráticos. Entre grupos bolsonaristas, havia a informação de que Trovão também foi preso, o que não foi confirmado pelo STF ou pela Polícia Federal. Quem promoveu a reunião foi o blogueiro governista Oswaldo Eustáquio, que já foi detido no âmbito do inquérito das fake news, mas acabou libertado.
As provocações do caminhoneiro foram duras. Sem provas, ele acusou ministros de venderem sentenças. “Já que eu tô lascado, eu vou falar. Estão só que vendem os habeas corpus”, disse. E completou: “Quer me prender, me prenda no meio do povo, não na minha casa”. As provocações se amplificaram nos dias 30 e 31 de agosto. Ele enviou vídeos a outros blogueiros e youtubers da extrema direita, convocando para o protesto, e ainda concedeu entrevista à emissora de rádio Jovem Pan News, que é alinhada a Bolsonaro.
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Clique aquiA proibição de que esses bolsonaristas usassem as redes foi decidida por Alexandre de Moraes, um dos dois ministros do STF com quem Bolsonaro comprou briga e de quem pediu o impeachment —pleito já rejeitado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Desde o dia 20 de agosto, Moraes proibiu que fossem feitas doações financeiras para o movimento do qual Trovão e Macedo fazem parte. Ainda assim, o grupo driblou a decisão e mudou a chave Pix —o código de acesso bancário— para receber as doações. Antes, os valores eram creditados ao site bolsonarista Brasil Livre. Agora, elas caem na conta de Luiz Antonio Mozzini, que usa o codinome de Luís Mussini, e é produtor musical de diversos artistas sertanejos, como Sérgio Reis, outro dos investigados por esses atos antidemocráticos.
Doações
Procurado pelo EL PAÍS, Mussini alegou desconhecer a proibição e disse que as doações vinham de todo o Brasil. “Quem doa são brasileiros que querem o bem do país. É uma movimentação que não é partidária”, alegou. Os recursos, segundo anúncio feito pelo grupo no YouTube, seriam usados para bancar um acampamento que pretende reunir até 50.000 pessoas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. “Vamos dar um processo de limpeza geral no Brasil. E com isso precisamos de sua doação”, diz o enunciado.
Indagado sobre os custos do espaço e sobre qual valor já teria sido arrecadado, Mussini não respondeu. Entre os bolsonaristas, ele é apontado como uma das pessoas mais próximas do cantor Sérgio Reis, que anunciou atos radicais durante o protesto, como o fechamento de estradas por até três dias, mas voltou atrás depois de virar alvo da mesma operação da Polícia Federal que envolveu o jornalista Macedo e o caminhoneiro Zé Trovão.
Durante a mesma live do domingo passado, Mussini admitiu que estava fora de casa, em Florianópolis (SC), havia dias. A preocupação era de que, assim como dez dos investigados, a Polícia Federal cumprisse um mandado de busca e apreensão na casa deles. “Não é por medo. A pessoa se preserva. Para preservar o celular e o computador que uso para o trabalho. A gente acaba sendo tratado como bandido, mas a gente não é bandido. Estamos lutando pelo bem do nosso país, para que possamos ter liberdade de expressão”, disse na ocasião.
Outro que participa da coordenação dos atos bolsonaristas é o militar da reserva Amarildo dos Santos, que se identifica como investigador particular e criador do movimento Brasil Verde e Amarelo. À reportagem, ele disse esperar 500.000 pessoas em Brasília para demonstrar apoio ao presidente, boa parte delas vindas em 150 ônibus fretados com recursos próprios. “Estávamos arrecadando dinheiro para trazer mais gente, mas o Alexandre de Moraes bloqueou”, disse. Em um dos vídeos que publicou, Santos diz que quem precisasse de recursos para viajar até a cidade poderia procurá-lo. Ao EL PAÍS, contudo, alegou que estava bancando apenas os próprios custos de sua viagem.
Enquanto os coordenadores tentam angariar apoios financeiros, nos grupos no WhatsApp e no Telegram há dezenas de pessoas oferecendo vagas em caravanas para participar dos atos. Os preços variam desde 30 reais, entre o interior de São Paulo e a capital paulista, até de 500 reais, entre estados da região Sul e do Nordeste para Brasília —estas com direito a hospedagem. Na visão de Santos, os atos da próxima terça-feira não representam nenhum risco à democracia. “Não dá para agradar todo mundo. Nem Jesus conseguiu. Nós estamos lutando por liberdade de expressão”, alegou. Do ato, estarão de fora as críticas ao combate à pandemia de covid-19, que já vitimou quase 600.000 brasileiros; à crise energética; às rachadinhas da família Bolsonaro; à inflação, de quase 9%; ao alto preço da gasolina, de quase 7 reais, ou ao dólar a 5,2 reais.
A base de apoio ao presidente que vai às ruas nos próximos dias se escora, principalmente, em militares da reserva, evangélicos, caminhoneiros e produtores rurais. Este último grupo promete transportar centenas de pessoas em cerca de cinquenta ônibus provenientes do Mato Grosso, segundo relatou o deputado estadual bolsonarista Gilberto Cattani (PSL). Em princípio, a Associação de Produtores de Soja era uma das financiadoras extraoficiais do ato. Porém, depois que o seu presidente nacional, Antonio Galvan, passou a ser investigado no mesmo inquérito que Sérgio Reis, Zé Trovão e Macedo, a instituição desistiu de agir. Mas ele não se absteve de pressionar as instituições. Quando foi intimado a depor no âmbito desse inquérito, Galvan chegou à sede da Polícia Federal em Sinop (MT) acompanhado por um tratoraço. Dezenas de tratores se enfileiraram para “escoltar” o fazendeiro.
Quem ainda se apresenta à frente das manifestações no momento é a Associação Nacional de Defesa dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra (Andaterra). Um de seus representantes, o diretor Jeferson da Rocha, foi procurado pela reportagem, mas não respondeu aos contatos. Entre os evangélicos, os maiores incentivadores dos atos são os pastores Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e Claudio Duarte, da Igreja Batista. Não há indícios de que eles estejam arrecadando recursos, ou fazendo mais do que discursar em favor do presidente.
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