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Câmara empurra mais mudanças para as eleições de 2022, escondidas em um projeto de 400 páginas

Código Eleitoral reúne mais de 900 artigos que, em sua maioria, tornam resoluções do TSE em lei. Mas a proposta também traz mudanças que limitam a Justiça Eleitoral e põem obstáculos à renovação política

Local de votação em Macapá (AP) em novembro de 2020.
Local de votação em Macapá (AP) em novembro de 2020.Myke Sena (EFE)
Felipe Betim
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A boiada segue passando na Câmara dos Deputados. Os parlamentares começaram a debater no plenário nesta quinta-feira, 2 de setembro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/21, que institui um novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos e quase 400 páginas, e que pretende impor diversas mudanças já a partir das eleições de 2022. O plano é de que o texto seja votado e aprovado na próxima semana. A maior parte desses artigos consolida em leis resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de forma a garantir mais segurança jurídica ao processo eleitoral. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O texto carrega mudanças controversas, como uma quarentena de cinco anos após deixarem os cargos para policiais, militares, membros do Ministério Público e juízes se candidatarem, ou a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia da eleição. Mas a principal crítica entre analistas e parlamentares é a pressa do Parlamento para aprovar mudanças tão importantes.

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Nenhuma eleição no Brasil é igual a outra desde 1988. A cada quatro anos o Congresso Nacional aprova alterações para os pleitos seguintes. A última ocorreu em 2017, quando os parlamentares acabaram com as coligações proporcionais e instituíram uma cláusula de barreira com o objetivo de enxugar o quadro partidário. Fruto de longos debates na sociedade civil, na imprensa e no próprio Congresso, essas mudanças constantes não são necessariamente ruins, porque podem significar evoluções e um amadurecimento do sistema eleitoral.

O problema é que, agora, num contexto de pandemia de coronavírus e com sessões sendo realizadas por videoconferência, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vem imprimindo um ritmo de urgência a pautas delicadas, sem passar muitas vezes por comissões ou debates mais amplos. No início de agosto, um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) voltou a implementar as coligações proporcionais para as eleições de 2022 quatro anos depois da mesma Câmara derrubá-las —como o fim delas só começaria a valer a partir do ano que vem, não deu tempo de o país sequer avaliar os resultados da mudança. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já disse que não pretende pautar a alteração.

Nesta semana, a Câmara votou a toque de caixa uma reforma tributária que, segundo analistas, geram problemas graves de arrecadação. Agora, a Casa dá mais um passo apressado para impor novas mudanças para as eleições. “Vejo com muita preocupação o fato de a Câmara estar aprovando com muita pressa. Tanto a PEC [da reforma política] como o Código Eleitoral são pontos sensíveis. Precisam de um debate mais demorado e envolvendo mais atores”, explica Leonardo Martins Barbosa, cientista político do IESP/UERJ e pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB).

Freio na reforma

As criticas ao projeto geraram a campanha “Freio na Reforma”, que conta com mais de 30 organizações da sociedade civil, entre elas o Movimentos Transparência Partidária, ITS Rio, o Pacto Pela Democracia e o Movimento Livres. Em conjunto com cinco deputados federais e dois senadores, entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira, 31 de setembro, pedindo que fosse formada uma comissão especial para analisar o projeto.

“O regimento interno é muito expresso ao determinar que, para fazer qualquer tipo de mudança no código, é preciso constituir uma comissão especial”, explica o advogado Irapuã Santana, que assinou a petição ao Supremo. “Foi feito apenas um grupo de trabalho que o próprio Lira escolheu os membros, sem nenhuma representatividade, sendo que uma comissão especial deve guardar uma proporcionalidade, deve ser por votação... Uma série de regras do legislativo não foram cumpridas”, acrescenta. Os próprios deputados chamavam atenção nesta quinta para as surpresas que tinham a cada nova leitura do relatório.

O relator desse mandado de segurança, o ministro Antonio Dias Toffoli, deu 48 horas para que Lira desse explicações sobre o andamento do novo Código Eleitoral —algo que não ocorreu. Com receio de interferir em questões internas do legislativo, Toffoli indicou que enviará o caso para o plenário do Supremo. “O tribunal tem uma jurisprudência muito forte no sentido de que o devido processo legislativo precisa ser cumprido, senão ele precisa voltar. Portanto, já estamos estamos invocando um precedente”, explica Santana. Ele afirma que é preciso fazer audiências públicas e buscar estudos que demonstrem que determinadas mudanças ou manutenções de regras serão favoráveis à população. “Quando vemos que isso está sendo feito de uma maneira apressada, parece que esses objetivos não são tão republicanos”, argumenta o advogado, que acredita que o novo Código Eleitoral vai na “contramão do que a sociedade vem querendo”, ao colocar um empecilho no fluxo de renovação política no país.

Entre os pontos considerados mais problemáticos, ele afirma que foram deixados de lado regras que garantam recursos para negros e mulheres e uma representação proporcional no Congresso. Um dos pontos que está em discussão no projeto é que, ao distribuir os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, sejam contados em dobro os votos dados a esses dois grupos para a Câmara. Na sessão desta quinta, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) enumerou outras críticas, como o enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa (pela nova norma, um político condenado começaria a cumprir seu período de oito anos de inelegibilidade a partir da condenação, e não ao fim do cumprimento da pena, como ocorre hoje) e uma autoridade que renunciasse antes do fim de seu processo de cassação poderia manter seus direitos políticos.

O projeto também determina que os candidatos apresentem seus documentos por meio do sistema da Receita Federal, que é menos detalhado, e não mais pelo modelo atualmente usado pela Justiça Eleitoral —o que, segundo críticos, atrapalha as tabulações e cruzamentos. Outro tema considerado problemático é que os gastos de campanhas eleitorais poderão ser divulgados apenas depois de encerradas as votações —atualmente, os candidatos devem publicar seu patrimônio ao registrarem suas candidaturas, assim como fazer prestações parciais das despesas de seus comitês de campanha. O projeto também prevê a possibilidade de empresas privadas serem contratadas pelas siglas para auditarem a contabilidade partidária. Defensores afirmam que isso pode agilizar a apreciação do uso de dinheiro público pelos partidos, diminuindo o volume de trabalho da Justiça Eleitoral, mas os críticos temem que isso também diminua a fiscalização sobre os partidos.

A autora do projeto, a deputada Soraya Santos (PL-RJ), defende que ele une em um só texto todas as regras —partidos, eleições, inelegibilidades, propaganda eleitoral, financiamento de partidos e de eleições, crimes eleitorais, entre outros— e busca superar divergências em decisões tomadas pela Justiça Eleitoral. O texto, argumenta ela, “encampa a crescente demanda dos especialistas da área por um corpo coerente e fechado de normas processuais”.

Ao contrário de outros temas, o novo Código Eleitoral não parece dividir Governo e oposição. Deputados bolsonaristas, por exemplo, são contrário à quarentena de cinco anos para policiais, militares, promotores e juízes. “Acaba por cercear ainda mais a ascensão política dessa categoria”, argumentou nesta quinta-feira o parlamentar Coronel Tadeu (PSL-SP). Inicialmente, a quarentena já valeria para 2022 —o que foi interpretado como uma tentativa de evitar a participação do ex-juiz Sergio Moro no próximo pleito—, mas a relatora, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), alterou a vigência para 2026. “É preciso debater a exclusão dessa quarentena e trazer o princípio da isonomia a todos os cidadãos que pleiteiam o espaço político”, argumentou a deputada Renata Abreu (Podemos-SP). Outro tema considerado importante por siglas pequenas ameaçadas pela cláusula de barreira, como o PCdoB, é a aprovação das federações partidárias e o uso das “sobras” em eleições proporcionais —isto é, votos remanescentes— por partidos menores.

Manutenção do status quo

De acordo com Barbosa, do Observatório do Legislativo Brasileiro, projetos que atendam aos interesses da classe política “não necessariamente são ruins”. Por exemplo, ele acha importante debater a diminuição do prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos. O projeto diminui esse prazo de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”. Porém, o cientista político acredita que o Congresso tem se valido da pandemia para modificar regras eleitorais em um tempo curto. “O que está por trás é a intenção de manter o status quo e dificultar a renovação”, explica. “É importante construir um Código Eleitoral para dar mais transparência a essas leis. Isso é um movimento importante. O que não pode é ser unicamente motivado pelo interesse de manutenção do status quo”, completa.

O problema da pressa e da falta de debate, continua Barbosa, é que “matérias importantes acabam tendo um projeto de lei ruim”. Ele diz que a estratégia de Lira não é formar maiorias a partir de pontos de consenso, mas sim inserir vários pontos que atendam interesses miúdos —como a proibição de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das eleições, uma demanda da extrema direita bolsonarista.

Além disso, Barbosa não vê o Senado com a mesma disposição de aprovar a toque de caixa mudanças importantes. Uma demonstração disso ocorreu nesta quarta-feira, quando os senadores rejeitaram por ampla maioria um projeto que flexibilizava e precarizava ainda mais as relações de trabalho. Além disso, senadores vêm dedicando mais tempo para outros temas delicados aprovados pela Câmara, como as mudanças no licenciamento ambiental. Sobre o Código Eleitoral, ainda restam dúvidas de como se posicionará. “Quando o Senado discorda, a tendência é que esses temas sequer sejam pautados para votação. Ele já deu amostras de que não aceitará qualquer coisa que venha da Câmara”, explica Barbosa. É de se questionar, portanto, as prioridades estabelecidas pelos deputados, que têm gastado um bom tempo da legislatura dando atenção a projetos que não parecem ter futuro.

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