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Um ‘apagão’ de vídeos nas redes bolsonaristas no cerco aos ataques à democracia que emulam o trumpismo

PF aponta o ‘modus operandi’ das redes aliadas ao presidente e centenas de vídeos desaparecem do Youtube. CPI pede a quebra de sigilo de blogueiros, mas especialista alerta: eleições de 2022 ainda correm risco

Imagem de vídeo retirado do ar pelo Youtube: nesta semana mais de 1.500 vídeos de canais bolsonaristas 'sumiram'.
Imagem de vídeo retirado do ar pelo Youtube: nesta semana mais de 1.500 vídeos de canais bolsonaristas 'sumiram'.
Marina Rossi
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Brazil's President Jair Bolsonaro talks to supporters after joining a caravan of motorcycle enthusiasts through the streets of the city, organized to show support for Bolsonaro, in Sao Paulo, Brazil, Saturday, June 12, 2021. (AP Photo/Marcelo Chello)
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Mais de 1.500 vídeos sumiram do Youtube na última semana. O conteúdo estava espalhado por 267 dos principais e maiores canais de extrema direita do Brasil e foi apagado, tornado privado pelos usuários ou até mesmo removido pela própria rede social. Durante três dias seguidos, foram mais de 400 vídeos retirados do ar, diariamente. Guilherme Felitti, fundador da empresa de análise digital que fez o levantamento, a Novelo Data, diz que o fato chamou atenção pelo ineditismo. “Essa sucessão de dias com altas centenas de vídeos sumidos é inédita”, diz. “O que já vimos antes são dias com limpezas grandes seguidos por momentos de calmaria, algo bem pontual. A limpeza que estamos vendo, desde a ação do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], é continuada.”

A corrida acelerada pelo apagão de vídeos que atacam a democracia, espalham fake news e ameaçam autoridades reiteradamente começou na terça, 17. A pedido da Polícia Federal, o TSE proibiu as redes sociais de repassarem dinheiro às páginas bolsonaristas investigadas por difundir notícias falsas. O pedido foi feito junto com o envio de um relatório em que a PF aponta o modus operandi da rede de apoio bolsonarista na internet. E faz uma ligação direta entre a estratégia utilizada por Steve Bannon, estrategista de Donald Trump na campanha de 2016, e os canais ligados ao presidente brasileiro. Atacar veículos tradicionais da imprensa, desqualificar posições contrárias, atingindo o público de forma direta e sem intermediários, dissipando a distinção entre o que é informação e o que é opinião. Todo esse método está na cartilha de Trump, seguida à risca pelos bolsonaristas, de acordo com o documento da PF ao qual o EL PAÍS teve acesso.

O relatório da PF soma-se à aprovação pela CPI da Pandemia da quebra de sigilos de blogueiros bolsonaristas como Allan do Santos e Leandro Ruschel, e de canais de apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas redes sociais. Sobre Santos ainda pesou a denúncia, também na semana passada, do Ministério Público Federal (MPF) por ameaçar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso.

A sucessão de reações da Justiça diante dos difusores de fake news aperta o cerco sobre a principal plataforma de apoio de Bolsonaro em um momento em que sua popularidade derrete. Acuado pelas suspeitas de corrupção na negociação de vacinas e da má condução de ações para o enfrentamento da pandemia, o presidente sobe o tom no seu discurso antidemocrático e de ataque às urnas eletrônicas. E arrasta com ele uma enxurrada de conteúdo difundido na internet com falsas informações ou notícias com dados parciais que induzem a conclusões erradas.

Diogo Rais, professor de direito eleitoral e tecnologia do Mackenzie, faz um alerta justamente para esse cabo de guerra entre as ações de Bolsonaro e seus apoiadores, e a reação da Justiça. “Monitoro muitos grupos bolsonaristas e tenho visto o enfurecimento a cada medida tomada pelo judiciário”, diz. “Nesse sentido, [a ação da Justiça] pode ser um tiro no pé no combate ao ódio político e à polarização. A maturidade democrática das instituições está sendo colocada à prova como nunca foi.”

O monitoramento realizado pela Novelo Data mostra, no entanto, que as ações da Justiça geram repercussão no sentido de inibir o conteúdo falso em determinados canais. “A gente já viu essa correria para apagar vídeos quando a Polícia Federal fez, em junho de 2020, a primeira ação das fake news”, conta Guilherme Felitti. “Foi a primeira vez em que esses youtubers perceberam que não poderiam falar o que quisessem”, conta. Na ocasião, a polícia foi às ruas com mandados de busca e apreensão contra 21 pessoas, dentre elas o publicitário Sergio Lima e o empresário Luís Felipe Belmonte, ambos ligados ao Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta criar. O deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) também foi alvo das investigações que apuram a realização de atos antidemocráticos.

Mais tarde, a própria prisão de Silveira, em fevereiro deste ano e dentro do inquérito das fake news, desencadeou uma nova corrida pelo apagão de vídeos, revela Felitti. Silveira gravou um vídeo em que dizia imaginar o ministro da Corte Luiz Edson Fachin “levando uma surra”. Diogo Rais pondera, contudo, que, embora as ações estejam ocorrendo, a coibição das fake news não ocorre na mesma velocidade. “A gente não teve nenhuma experiência no mundo que tenha resolvido o desafio das fake news”, diz.

Mas, a decisão do TSE de suspender os repasses oriundos da monetização das publicações dos canais da extrema direita parece vir ao encontro dessa tentativa. Isso porque custa caro produzir notícias falsas. E inibir a sua rentabilidade é uma tentativa de minar esse negócio, embora a raiz do problema ainda esteja na pergunta de ouro: quem, afinal, financia esses canais? “É caro fazer uma indutora de fake news. Precisa ter manutenção, administração, criação. É mais caro do que fazer uma campanha publicitária, por exemplo”, diz Rais.

As próprias plataformas recompensam esse trabalho, dependendo da quantidade de inscritos nos canais e de visualizações no vídeo. “As fake news costumam muitas vezes se transformar em virais, e o viral atrai a monetização da plataforma. É talvez na tentativa de afastar isso que Salomão [Luís Felipe Salomão, corregedor-geral da Justiça Eleitoral] pediu pra depositar em juízo a monetização desses canais. A plataforma não está errada. Não é proibido falar mal da urna.”

O relatório da Polícia Federal chama a atenção para o conteúdo das mensagens e sua monetarização. “Quanto mais polêmica e afrontosa às instituições for a mensagem, maior o impacto no número de visualizações e doações, reverberando na quantidade de canais e no alcance do maior número de pessoas, aumentando a polarização e gerando instabilidade por alimentar a suspeição do processo eleitoral, ao mesmo tempo que promove a antecipação da campanha de 2022 por meio das redes sociais.”

Rais observ que a discussão sobre a urna eletrônica e o voto impresso é, neste momento, o ponto nevrálgico dentro do debate sobre as fake news. E não é à toa. “É difícil explicar por que o voto impresso não é bom”, diz Rais. “Não é uma discussão de terraplanistas.” Por outro lado, ele diz, a campanha do TSE pela urna eletrônica foi muito “infantilizada” no início. “Como se fosse óbvio que ela funciona. Existem motivos razoáveis para quem pede voto impresso.” Ainda que a Câmara dos Deputados tenha rejeitado a PEC do voto impresso, o debate ainda está na pauta bolsonarista.

Para Rais, os embates políticos colocam a legitimidade da justiça eleitoral como alvo de ataques. “Se a gente não acreditar na gestão do processo eleitoral, não há por que respeitar o resultado das urnas. O impacto pode ser muito grande inclusive com a ruptura da democracia.”

Três investigações

Bolsonaro é alvo de três inquéritos relacionados, de alguma forma, à difusão de notícias falsas. Foi incluído este mês no inquérito das fake news (aberto em março de 2019 pelo STF), depois que fez uma live, no dia 29 de julho, pondo em dúvida sem provas a segurança das urnas eletrônicas. “Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas. São indícios. Crime se desvenda com vários indícios”, afirmou o presidente na ocasião, em que apresentou trechos de uma investigação da PF sobre urnas, mas sem as conclusões.

Desde a eleição de 2018 ele já vinha levantando suspeitas sem provas sobre a lisura do processo eleitoral. Mas a live veiculada em suas redes sociais no final de julho acendeu a luz vermelha do judiciário, pois veio na esteira de uma subida no tom das ameaças do presidente à democracia. Ainda no Supremo, o presidente também é alvo de uma investigação que se tornou um desdobramento do inquérito das fake news: a pedido do TSE, ele é investigado por ter vazado documentos sigilosos da Polícia Federal que apuram suposto ataque ao sistema interno do TSE em 2018. Uma outra investigação, essa realizada dentro do TSE, apura os ataques sem provas de Bolsonaro ao sistema de urnas eletrônicas. O cabo de guerra continua nas próximas semanas, após o presidente pedir o impeachment do ministro Alexandre de Moraes e anunciar outro similar contra Luis Roberto Barroso.

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