Eduardo Leite se perfila para 2022 com privatizações e antipetismo como passe para uma terceira via

Governador do Rio Grande do Sul se esforça para deixar no passado o apoio a Bolsonaro, mas sem negar sua base conservadora, e busca alianças para prévias dentro do PSDB após tornar homossexualidade pública. Para opositores, tem ”ambição insaciável”. Para aliados, é “sério e íntegro”

Eduardo Leite
O governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), em seu gabinete em Porto Alegre, durante um evento virtual em 30 de junho.Felipe Dalla Valle / Palácio Piratini
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O Governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
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Político com quase duas décadas de carreira, apesar de ter apenas 36 anos, Eduardo Leite (PSDB) nunca havia mencionado sua orientação sexual até ser alvo de ataques homofóbicos durante a campanha de 2018. Na ocasião, teve de desmentir uma fake news que apresentava um de seus irmãos como um suposto namorado, numa foto grosseiramente manipulada. Mas somente três anos depois, no início de julho de 2021, tornou pública sua homossexualidade, em uma entrevista em rede nacional de televisão. O anúncio ocorreu em paralelo com a decisão de assumir a pré-candidatura a presidente da República pelo PSDB, que será disputada nas prévias do partido marcada para 21 de novembro.

A escolha para a revelação foi o programa do jornalista Pedro Bial. A senha veio aos dez minutos de entrevista, gravada na tarde do dia 1° de junho num hotel de São Paulo, quando o apresentador perguntou ao tucano qual era seu trunfo em relação ao governador paulista, João Doria ―também pré-candidato nas prévias tucanas. “A integridade”, respondeu. E emendou: “Eu nunca falei sobre um assunto que eu quero trazer pra ti no programa, que tem a ver com a minha vida privada e que não era um assunto até aqui porque se deveria debater mais o que a gente pode fazer na política, e não exatamente o que a gente é ou deixa de ser. Eu sou gay. E tenho orgulho disso.”

O anúncio passou longe de ser uma surpresa para Bial, que já tinha separado uma reprodução daquela fake news da campanha de 2018 para ilustrar a entrevista. Mas foi uma decisão conhecida por poucos, em harmonia com o estilo discreto ―e centralizador― do governador: além da secretária de Comunicação, Tânia Moreira, que o acompanhou na agenda em São Paulo e discutiu a pauta com o jornalista, somente a família fora avisada uma semana antes sobre a revelação. Nem o presidente do PSDB gaúcho, Lucas Redecker, foi informado.

“Sei que ele estava há tempos pensando nisso, mas desconheço quem o possa ter orientado a revelar neste momento”, garante Redecker. “Foi uma forma dele enterrar esse assunto de uma vez por todas”, analisa o dirigente partidário. Amigo de Leite desde 2008, quando o atual governador foi eleito vereador em Pelotas, no extremo sul gaúcho, o líder tucano classifica-o como “muito sério e íntegro”, além de fiel a seus princípios. “Isso ele não abandona, independentemente de vencer ou perder uma disputa”, explica.

A jogada ensaiada incluiu também um distanciamento crescente em relação ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), para quem Leite declarou voto em 2018. Alvo da ira do presidente, que o acusa de se beneficiar de repasses do Governo federal durante a pandemia, o governador interpelou Bolsonaro junto ao STF, em abril, para que explicasse as insinuações de que havia desviado recursos destinados ao combate à covid-19 no Estado. As declarações envolveram também insinuações homofóbicas.

Aos críticos que insistem em associá-lo a Bolsonaro, o governador tem dito insistentemente que a opção pelo presidente era a única possível no cenário eleitoral de 2018, como forma de evitar a volta do PT ao poder. “Em 2018 o que fiz foi declarar voto nele, com muitas ressalvas. E, mesmo assim, reconheço que errei”, publicou Leite na sexta-feira em uma rede social. O mea-culpa, entretanto, é recente: em julho do ano passado, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o governador declarou que o ultradireitista estimulava a divisão do país, mas que não se arrependia de ter votado nele. Mesmo agora, o governador gaúcho está longe de buscar o confronto total com o presidente para evitar se indispor com sua base conservadora. No sábado, quando Bolsonaro fez uma motociata em Porto Alegre, Leite respaldou a polícia que deteve uma mulher que batia panelas contra o presidente. “Eu votei em Bolsonaro em 18 e admito que errei. A manifestante detida hoje admite que se excedeu.”

Disputa no ninho tucano

A guinada tem como foco convencer o colégio eleitoral tucano de que Leite pode protagonizar a candidatura de terceira via ansiada pelos caciques do PSDB e por outras lideranças do chamado centro democrático. O primeiro passo foi, ao lado do senador Tasso Jereissati e do ex-senador Arthur Virgílio Neto (também pré-candidatos nas prévias de 21 de novembro), alterar na Executiva partidária as regras da primária, para neutralizar o poder de Doria sobre a massa de filiados, avaliada em cerca de 1,3 milhão de eleitores. Foram incluídos na lista os prefeitos e vice-prefeitos do partido em todo o país (cerca de 600 políticos), os mais de 4.000 vereadores tucanos e uma centena de deputados estaduais, além dos senadores e governadores. Os filiados passaram a ter apenas 25% de peso no colégio eleitoral tucano. A manobra foi considerada uma derrota pesada para o governador paulista.

O segundo passo foi a apresentação de Leite como um gestor corajoso e moderno, além de jovem ―um millennial, disposto a se declarar gay e buscar um eleitor de direita. A vitrine é o Governo gaúcho, conquistado de forma surpreendente para um político que tinha, até então, sido apenas vereador e prefeito de uma cidade do interior do Estado. “A grande vantagem dele é a capacidade de dialogar com todo mundo, de aglutinar, de convergir. O Leite não apostou num Governo disruptivo no Rio Grande do Sul, pelo contrário. Mas também não ficou reclamando das dificuldades, principalmente da falta de dinheiro. De todos os governadores do Brasil, foi ele que fez mais reformas estruturais”, defende Redecker.

A tarefa de enfrentar Doria, entretanto, não é tão simples. Leite não tem influência política no partido, é pouco conhecido em nível nacional e, mesmo entre os líderes tucanos, ainda tem poucos aliados: além do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, contabiliza o senador Rodrigo Cunha (AL) e os deputados federais Adolfo Viana (BA), Paulo Abi-Ackel (MG) e Rodrigo de Castro (MG). Também é amigo de Aécio Neves, que foi a Pelotas quatro vezes durante a campanha de Leite para a prefeitura em 2012. Uma cartada que parece querer apresentar é sua baixa rejeição: pouco conhecido, Leite teria espaço para construir uma candidatura, ser uma espécie de efeito-surpresa na disputa.

Um dos seus lemas mais arraigado é a defesa do antipetismo. Foi este o mote que o levou a apoiar Bolsonaro no segundo turno contra Fernando Haddad (PT), em 2018. Foi um apoio constrangido, dada a contumaz homofobia do presidente. Mas necessária para vencer a disputa pelo Estado, já que seu adversário, José Ivo Sartori (MDB), se apresentou como o representante oficial de Bolsonaro no Rio Grande do Sul, atraindo o apoio de eleitores da ala mais conservadora gaúcha. A vitória veio com pouco mais de 400.000 votos de diferença, num segundo turno acirrado.

Ambição

A formação política do governador vem do pai, José Luis Marasco Cavalheiro Leite, advogado e professor de Pelotas que tem suas origens no antigo MDB vinculado ao socialismo e à luta contra a ditadura. Mas que acabou seguindo o rumo de seu amigo, o então sociólogo e professor Fernando Henrique Cardoso. Fundador do PSDB na cidade no final dos anos 1980, Marasco foi candidato a prefeito em 1988 coligado à esquerda representada pelo PCdoB e pelo PCB. Teve menos de 2% dos votos. Desde então, desistiu da política partidária.

Eduardo Leite com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em uma imagem publicada na rede social do governador, em celebração dos 90 anos de FHC.
Eduardo Leite com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em uma imagem publicada na rede social do governador, em celebração dos 90 anos de FHC.

Leite, nessa época, era pouco mais que um bebê de colo, mas bastou completar 16 anos, em 2001, para fazer seu título de eleitor e se filiar ao mesmo partido do pai. Em 2004 disputou a primeira eleição para a Câmara de Vereadores, com 19 anos; acabou na suplência. A obsessão pela política o levou a cargos no Executivo: foi secretário de Cidadania do prefeito Bernardo de Souza em 2005 ―Souza era a principal liderança do MDB na cidade e amigo pessoal do pai de Leite― e também chefe de gabinete de seu sucessor, Fetter Júnior, um dos principais expoentes da extrema direita de Pelotas.

“Com certeza é um democrata, mas as alianças que fez revelam uma ambição política insaciável. É um fenômeno eleitoral, sem dúvida, mas um político medíocre, um jovem com ideias velhas”, dispara o deputado estadual Fernando Marroni (PT), que perdeu a disputa para o atual governador gaúcho à prefeitura de Pelotas em 2012. Antes de soar como uma declaração revanchista, é bom que se diga: Marroni acompanhou toda a infância de Leite, que foi colega da filha do deputado desde a primeira série até o ensino médio. “Levei ele em casa de madrugada muitas vezes depois das festas da turma. Sempre me chamou de tio Marroni”, relembra.

O governador, já nessa época, dizia que seria político. Mais, dizia que tinha um sonho: ser presidente da República. “Ele foi diretor do grêmio estudantil do Colégio São José ainda adolescente. Sempre deixou clara a pretensão de seguir a carreira que o pai não conseguiu”, avança o parlamentar.

O petista também diz que o tucano descumpriu compromissos eleitorais. Ele cita que os recursos destinados ao sistema de saúde de Pelotas, uma das prioridades da campanha, minguaram nos quatro anos de gestão, passando de 21% da receita municipal, em 2013, para 15%, em 2016.

Como governador, Leite se comprometeu a manter a exigência constitucional de plebiscito para autorizar a privatização de estatais importantes, como a Companhia de Saneamento (Corsan), a empresa de processamento de dados (Procergs) e o banco do Estado (Banrisul). Mas, em 2020, enviou à Assembleia Legislativa do RS uma proposta de emenda constitucional (PEC) derrubando a consulta popular. A proposta foi aprovada em junho deste ano pelo Parlamento gaúcho.

Em 2019, a Assembleia já havia derrubado, também a pedido do governador, uma norma constitucional que previa consulta popular para a privatização das companhias de eletricidade (CEEE), mineração (CRM) e gás (Sulgás). A CEEE-D, que cuida distribuição de energia para mais de 300 municípios gaúchos, foi vendida em março pelo valor simbólico de 100.000 reais ―a compradora assumiu um passivo de 4,4 bilhões de reais em ICMS, dos quais pagará 1,7 bilhão de reais no prazo de 15 anos. O restante deverá ser equacionado pelo Governo. “Comprar uma empresa de energia que opera sob regime de concessão é um casamento, e significa que vocês acreditam na nossa economia”, discursou Leite na cerimônia que oficializou a concessão.

Eduardo Leite posa em frente a um grafite em homenagem ao orgulho LGBTQIA produzido pelo CJ Cruzeiro.
Eduardo Leite posa em frente a um grafite em homenagem ao orgulho LGBTQIA produzido pelo CJ Cruzeiro.Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

Outro compromisso de campanha que Leite ainda não conseguiu cumprir integralmente foi quitar o pagamento dos salários dos servidores públicos do Estado, prometida para o primeiro ano de gestão. A medida foi posta em prática em novembro de 2020, quase dois anos depois de Leite tomar posse. Foram 57 meses de parcelamento, 23 dos quais na gestão do atual governador. “Pagar em dia é uma obrigação do Estado, não é um favor. As nossas reformas estruturais estão na base do ajuste fiscal que proporcionou o retorno do pagamento em dia, lá em novembro de 2020”, afirmou, em abril, o tucano.

“O governador posa de democrata, é uma pessoa cortês, de fino trato, mas na prática política é bem diferente. Estamos há dois anos tentando uma audiência e nada”, reclama o presidente do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Rio Grande do Sul (Sintergs), Antonio Augusto Medeiros. Um dos pontos de discórdia é a reposição salarial pedida pela categoria, que chega a 42%. Outra é a negociação em relação à greve de 26 dias em 2019, que tentou barrar a reforma administrativa proposta pelo governador.

A reforma administrativa e previdenciária, aprovada em 2020, é um dos trunfos do portfólio de Leite para se credenciar à indicação do PSDB ao Palácio do Planalto. Ao prever uma economia de 18,7 bilhões de reais em 10 anos, das quais 13,9 bilhões de reais com Previdência, o Governo aumentou as alíquotas de aposentadoria para um teto de 22%, pôs fim às licenças-prêmio, excluiu as gratificações por função das futuras aposentadorias e limitou a participação de servidores em mandatos sindicais, numa economia na folha de vencimentos, segundo o Governo, de 600 milhões de reais mensais.

A presidente do sindicato dos professores estaduais (Cpers-Sindicato), Helenir Schürer, diz que Leite é mais performático do que democrata. “Ele gosta de dialogar, mas apenas pela imprensa. É bom de propaganda. Na reforma administrativa, porém, aprovou o que bem quis, embora tenha dito que ouviu e ponderou todos os lados. Com os professores não teve conversa nenhuma”, critica. Na ocasião da aprovação da reforma administrativa, o tucano rebateu as reclamações ao afirmar que ouviu “a maioria silenciosa que quer pagar menos impostos e receber mais serviços.”

A mentora da reforma foi a ex-secretária de Planejamento e Gestão, Leany Lemos. Primeira mulher a assumir um dos cargos mais importantes do Governo gaúcho, Lemos foi importada de Brasília com credenciais de ser filiada ao PSB, pós-doutora em Ciência Política, especialista em orçamento e suplente da senadora Leila do Vôlei. Também comandou a reforma fiscal de Rodrigo Rollemberg no Distrito Federal entre 2014 e 2018. Foi dela também, enquanto esteve à frente na pasta do Planejamento, a ideia de estabelecer um plano de distanciamento controlado no Estado durante a pandemia ―um complexo jogo de cores e decisões políticas que não impediu as mais de 32.000 mortes por covid-19 no Rio Grande do Sul. No final do ano passado, Lemos foi indicada para a presidência rotativa do Banco Regional de Desenvolvimento do Estremo Sul (BRDE) ―um dos cargos mais cobiçados do sistema financeiro do Estado.

A capacidade conciliatória de Leite, destacada pelo líder do PSDB gaúcho, também garantiu ampla maioria na Assembleia Legislativa para a aprovação de projetos de reforma constitucional, incluindo o MDB e o PP ―que não o apoiaram no segundo turno das eleições de 2018. Junto com o PTB, partido do vice-governador Ranolfo Vieira Júnior, o leque de alianças, dependendo do tema, pode chegar a 40 deputado num universo de 55 parlamentares.

Celebrado por políticos da direita à esquerda por ter tornado pública sua homossexualidade, e por ter se posicionado contra a homofobia e a intolerância, Eduardo Leite tem se dedicado a demonstrar sua disposição em dialogar com opositores e críticos mais famosos, como o youtuber Felipe Neto, que descartou apoiá-lo numa disputa nacional por sua antiga aliança com o presidente. “Nó vamos superar esse erro [o apoio de 2018] com diálogo, inclusive com quem pensa diferente. Não se combate ódio com intolerância”, escreveu. Recentemente, também publicou um trecho da mais nova canção do músico uruguaio Jorge Drexler, La guerrilla de la concordia, com a hashtag #oamorvaivenceroodio. A canção afirma que amar é coisa de valentes. E que o ódio é o guia dos covardes.

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