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Protestos contra Bolsonaro repetem êxito, mas não extrapolam bolha da esquerda

Aposta em multiplicar atos para elevar pressão sobre Planalto enfrenta dilema de manter mobilização e ampliar adesão para mudar jogo de forças em Brasília que blinda o presidente do impeachment

Imagens dos protestos em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte feitas pela AFP, Reuters, DPA, por Carla Jiménez e Regiane Oliveira.
Imagens dos protestos em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte feitas pela AFP, Reuters, DPA, por Carla Jiménez e Regiane Oliveira.

A esquerda conseguiu levar protestos contra o Governo de Jair Bolsonaro a 312 cidades do Brasil e 35 do exterior, agora reforçadas com as denúncias de corrupção na compra de vacinas contra a covid-19. Rio de Janeiro puxou os atos começando às 10hs da manhã até a hora do almoço. Já São Paulo repetiu o êxito de levar milhares de pessoas à av. Paulista que, outra vez, ocuparam cerca de dez quarteirões na contagem feita pelo EL PAÍS por volta das 17h, mostrando que é a capital paulista a principal arena de hostilidade contra o presidente.

Voltaram os bonecos de cartolina de Jair Bolsonaro e seu filhos vestidos de presidiário, as bandeiras das centrais sindicais, e os cartazes e camisetas com o dizer “Fora Bolsonaro”. Entraram menções às suspeitas de corrupção nas negociações do Governo por vacinas contra a covid-19 que viraram o centro da CPI da Pandemia. “Sua vida vale um dólar” foi um dos motes que se multiplicaram, em alusão à acusação de cobrança de propina na compra de imunizantes pelo Ministério da Saúde. Luís, do coletivo Trem Cultural, vendeu 45 bandeiras com essa frase por 30 reais cada. A outra, em que se lê apenas “Fora Bolsonaro”, ganhou mais clientes: 70 bandeiras vendidas.

A corrupção foi temática que salpicou os atos e alcançou as figuras de Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, além do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e o deputado Ricardo Barros, líder do Governo na Câmara, acusado de ser um dos nomes envolvidos nas suspeitas de irregularidades envolvendo as vacinas. O trio aparecia num cartaz de tamanho natural com roupas de presidiários. Barros foi caracterizado com sacos de dinheiro.

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Luiz Paulo Dominguetti, the representative of Davati Medical Supply, attends a meeting of the Parliamentary Inquiry Committee (CPI) to investigate government actions and management during the coronavirus disease (COVID-19) pandemic, at the Federal Senate in Brasilia, Brazil July 1, 2021. REUTERS/Adriano Machado
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No Rio, o general Eduardo Pazuello estampava cartazes com os dizeres “O Dia D de Pazuello era ‘D’ de dólar”. Era uma referência à fala de Pazuello, de que começaria a vacinação, atrasado no Brasil, no “Dia D, na hora H”. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, também foi responsabilizado pelos manifestantes, que diziam “essa conta também é sua”, em referência às mais de 500.000 mortes para a covid-19.

A inclusão de Lira como alvo dos protestos era esperada. Sobre a mesa do presidente da Câmara está um superpedido de impeachment, que foi entregue na última quarta-feira (30), e outras dezenas deles. No entanto, aliado estratégico de Bolsonaro, Lira segue repetindo que não há apoio suficiente, nem no Congresso, nem nas ruas, para que se cogite colocar algum desses pedidos de destituição em tramitação. Repete ainda que falta “materialidade”. Das declarações do presidente da Câmara se depreende que, na atual correlação de forças no Congresso, nada feito, a não ser que os escândalos atuais imponham uma queda ainda mais brusca na popularidade de Bolsonaro ou que uma avalanche de gente nas manifestações futuras faça o humor de seu grupo político, o Centrão, mudar de ideia a respeito de blindar o Planalto. “O importante é fazer barulho, ainda que o Arthur Lira não ouça”, comentava um manifestante com um grupo.

Havia a expectativa de que o ato ganhasse força com a presença de novos atores mais à direita, em especial por causa da adesão à defesa de impeachment por parte de ex-bolsonaristas. A presença de tucanos do PSDB Diversidade, no entanto, mostrou que essa aliança ainda está verde. A pergunta que fica é se vai prosperar a ponto de caminharem lado a lado. Com uma enorme bandeira de arco-íris no chão, os tucanos colocaram sobre ela bandeirolas em homenagem ao prefeito de São Paulo Bruno Covas, morto em maio, vítima de câncer. A reportagem do EL PAÍS conversava com o presidente do grupo, Danilo Augusto, quando uma jovem de preto passou e gritou “ainda bem que esse bosta morreu”, num gesto agressivo que irritou quem a ouviu. Houve um tucano que se preparou para devolver a provocação, mas recuou com auxílio de colegas. Uma pedra, jogada em direção a eles atingiu a reportagem do EL PAÍS, inclusive.

Mais cedo, um vídeo com uma briga entre pessoas do Partido da Causa Operária (PCO) e militantes tucanos circulou nas redes. “Recebemos vários gestos de hostilidade, inclusive uma pessoa que veio cuspir na gente”, comentou Augusto. “Mas vamos continuar e voltaremos em maior número”, garantiu. Outra manifestante presenciou uma vaia em formação quando a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) ia discursar, mas os ânimos lograram ser acalmados antes.

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O futuro das manifestações vai ser um teste importante para a polarização que manteve forças democráticas em trincheiras opostas. Embora haja um ensaio de união no papel, a prática deste sábado, ainda que pontual, mostrou que setores da esquerda mais radicais, que são minoria, terão uma tarefa a fazer. Num movimento que cobra direitos, e que requer mais vozes para ser ouvido, a presença de conflitos dessa natureza segrega em vez de unir. Aceitar movimentos de outros espectros políticos ou manter-se na bolha?

Por ora, os protestos têm ajudado a neutralizar a narrativa do Governo. Segundo o especialista em redes Fabio Malini, às 18 horas deste sábado havia mais de 500.000 postagens no Twitter mencionando os protestos #3JForaBolsonaro, reduzindo, o que ele chama de “escudo bolsonarista”, a contraofensiva de desconstrução dos adversários do presidente. No último protesto, de 19 de junho, os posts a favor do presidente eram 25%. Neste sábado, apenas 9%. A chegada de black blocs, porém, repetiram conflitos em pontos da avenida Consolação, quando os manifestantes saíram em caminhada da Paulista rumo à praça Roosevelt. Eles atacaram uma agência bancária e uma concessionária de carros.

Juventude e sinais de mudanças

O movimento hoje se faz forte com a união de movimentos estudantis e sindicais. Era nítido o engajamento da juventude no ato, tanto em São Paulo, como no Rio de Janeiro. A deputada Federal Benedita da Silva (PT-RJ), que participou do ato no Rio, ficou animada com a presença dos jovens e disse que “agora o Bolsonaro cai”. Hugo Silva, de 17 anos, marca presença em todos os atos que pode ir. Integrante da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), sintetiza que o seu clamor é por “vida, pão, vacina e educação”.

No Rio, Eliane da Silva, de 57 anos, acordou cedo para endossar o coro pedindo a saída do presidente de extrema direita. A moradora de Santa Cruz, que fica a mais de 60 km de distância do local do protesto, veio junto de seus familiares. “Aqui são três gerações”, dizia apontando para os filhos e netos. Na avaliação dela, “não precisamos de um governo que só olha para elite,” afirma. Silva faz parte do Movimento Solidário nas Favelas e Periferias, que tem fornecido cestas básicas a pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Para além da presença dos grupos que tem sido a espinha dorsal dos protestos que tomaram as cidades pela terceira vez desde fim de maio, ficou nítido que a estética das ruas começa a ganhar novos tons com mais bandeiras do Brasil na avenida Paulista. “Viemos retomar o nosso país”, disse Priscila Torres, enrolada numa bandeira do Brasil. Torres é de Atibaia, interior paulista, e veio com as duas filhas, Larissa e Dominique, para protestar “contra a negligência do nosso presidente”. Dezenas de pessoas estavam com a bandeira brasileira, ou camiseta verde e amarela, num gesto de retomar um símbolo que foi adotado pelos movimentos de direita em 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, e que se mantém forte entre bolsonaristas. “Essa bandeira é nossa, não é do Bolsonaro”, afirmou a professora Sandra Pastro.

Mas houve também quem preferisse uma versão preta e branca da bandeira nacional, como símbolo do luto de quem estava na rua pelos seus próprios mortos. Nos cartazes, as cicatrizes de quem perdeu pais, irmãos, tios, avós, amigos. Matheus de Paula, 24 anos, culpa Bolsonaro pela morte do avó e de um tio por covid-19 e quer ver o presidente responsabilizado. “Eles estariam vivos se as vacinas tivessem chegado a tempo”, afirmou.

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