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Irmãos Miranda deixam batata quente no colo de Bolsonaro

Um é deputado, espalhafatoso e midiático. O outro, um discreto servidor público no Ministério da Saúde. O depoimento de ambos na CPI da Pandemia arrasta o líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros, para o imbróglio da Covaxin

Os irmãos Miranda na CPI da Pandemia
Os irmãos Miranda na CPI da PandemiaADRIANO MACHADO (Reuters)
Carla Jiménez

O dia que parecia balançar o Governo na CPI da Pandemia era cercado de expectativas pela presença dos dois Miranda que levantaram suspeitas de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin e de eventual omissão do presidente Jair Bolsonaro. Um é deputado, espalhafatoso e midiático. O outro, um discreto servidor público no Ministério da Saúde de fala baixa e econômica. Água e óleo que se encontraram na CPI, com um verniz Ruth e Raquel. Luis Miranda, eleito em 2018 pelo DEM, chegou com colete a prova de balas por no Senado argumentando que recebeu ameaças de morte. Horas antes havia postado uma foto em seu Instagram ao lado do presidente da Câmara, Arthur Lira, para lhe desejar feliz aniversário. Fez promessas de chacoalhar a República na CPI da Pandemia, que chegou a criticar até pouco tempo.

Já seu irmão, Luis Ricardo, veio direto do aeroporto depois de sair de Miami para desembaraçar a chegada das vacinas Janssen, doadas pelos Estados Unidos ao Brasil. Mesmo cansado, o servidor que apontou a pressão de superiores para aprovar a vacina Covaxin em prazo recorde, respondeu a todas as perguntas pausadamente, em voz baixa, mas de maneira direta. Sentando do lado direito do presidente da CPI, Omar Aziz ( PSD-AM), Miranda deu nomes dos chefes acima dele que o pressionaram de final de semana e tarde da noite — Alex Leal Marinho, Coronel Pires e Roberto Ferreira Lima —para acelerar a liberação da vacina Covaxin, ainda quando a documentação não estavam em ordem. Relatou também que outro servidor de nome Rodrigo lhe comentou que “um rapaz que vendia vacina disse que seus gestores estavam pedindo propina.”

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Miranda é chefe de Importação desde 2018, lotado no Departamento de Logística em Saúde, de onde fiscaliza contratos e responde pela execução de importação. “Somos a ponta final do processo para que os insumos estratégicos da saúde cheguem ao País”. Sua maior ousadia foi dizer “meu partido é o SUS”. De camisa azul clara e colarinho um pouco torto, manteve a calma para responder a todas as perguntas que lhe foram feitas, sem perder o fio da meada nem mesmo com as agressivas investidas dos senadores governistas, como Marcos Rogério (DEM-RO). Foi elogiado por governistas e opositores pela sua postura séria.

Já Miranda, o deputado, manteve o estilo dramático em seu relato, sentado ao lado esquerdo de Omar Aziz. Em terno impecável, leu, com sua voz de radialista, ponto a ponto a comunicação que teve com o irmão por WhatsApp quando este lhe relatava o clima desconfortável que ele e sua equipe estavam vivendo em função da pressa para aprovar a vacina indiana. Depois, a comunicação com Diniz Coelho, assessor do presidente, para cobrar que o presidente Bolsonaro ouvisse o relato seu irmão. “Pelo amor de Deus, Diniz, isso é muito sério. Meu irmão precisa saber do PR como agir!”, repetiu, sobre a insistência em falar com o presidente sobre as suspeitas na compra da Covaxin.

Não deixou de fazer marketing de si mesmo. “Cheguei de cabeça erguida com a missão de combater qualquer tipo de corrupção. Não tem partido nem ideologia”, disse ele, eleito na onda bolsonarista e que defende com unhas e dentes a pauta do Governo em suas redes sociais. Embarcou nos elogios ao irmão dizendo que mudaria de posição sobre a reforma administrativa para apoiar a estabilidade que protege servidores como ele.

Marinheiro de primeira viagem na política, o deputado democrata comprou inimigos na velocidade da luz. Foi literalmente peitado no intervalo do depoimento pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES), chamado de “picareta” pelo senador Jorginho Mello (PSC-SC), e contou ter sido chamado de “171”, referente a crime de estelionato, pelo deputado Eduardo Bolsonaro. Mas se embananou em insinuações dos nomes que estariam por trás da pressão sobre seu irmão.

O deputado relatou, por exemplo, que quando esteve no dia 20 de março com o presidente junto com o irmão, Bolsonaro teria reagido dizendo: “Vocês sabem quem que é, né? Puta merda, se mexer vai ferrar...”. Ele ouviu do presidente o nome de um deputado que teria ingerência no Ministério da Saúde, mas ao longo de horas na sessão não admitiu de quem se tratava. Àquela altura a maioria dos senadores já estavam ligando o nome do deputado Ricardo Barros (PP-PR), e o questionavam, mas Luis Miranda não admitia. “Minha memória falha”, esquivava.

Foi o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) quem o colocou no lugar quando pediu novamente para ele relatar qual era o deputado que ele tentava proteger. “O senhor não se coloca à altura da imagem que tenta vender. O senhor assumiu o compromisso de falar a verdade, mas tivesse a coragem diria o nome”, afirmou completando: “Só muda o país quando as pessoas tiverem coragem. O servidor [Luis Ricardo Miranda] sim, cumpriu sua missão, o senhor não.” Parece ter batido numa comparação freudiana e o deputado capitulou. “Já perdi a relatoria da reforma tributária, já perdi tudo”, lamentava Miranda para admitir na sequência, quando era questionado por Simone Tebet (MDB), o nome de Ricardo Barros como o deputado nomeado pelo presidente.

Ainda que por vias tortas e com estilos opostos, os irmãos Miranda colocaram uma lupa no no modus operandi de agentes do Governo no contrato da Covaxin na CPI da Pandemia e deixam algumas batatas quentes que podem incriminar nomes ligados ao presidente. Quem esperava uma bomba se frustrou, mas quem achava que se daria com os burros n’água, também. O day after dos Miranda passa a ser acompanhado de perto pelo Brasil. Por via das dúvidas, a CPI já pediu proteção policial aos irmãos depois desta sexta.

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